Acórdão nº 02S2328 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução25 de Setembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório A, patrocinado pelo Ministério Público, intentou, em 15 de Setembro de 1997, no Tribunal do Trabalho de Tomar, acção emergente de acidente de trabalho, contra B, e a C, pedindo: (i) a condenação da 2.ª ré no pagamento provisório da pensão anual de 765332 escudos; (ii) a condenação da 1.ª ré, a título principal, no pagamento das seguintes prestações: (1) pensão anual e vitalícia de 956654 escudos desde 23 de Fevereiro de 1996, acrescida de uma prestação suplementar em Dezembro de cada ano; (2) indemnização de 1368600 escudos, relativa a incapacidade temporária; (3) indemnização de 83830 escudos, relativa a transportes e alimentação; (4) indemnização de 7500000 escudos, a título de danos não patrimoniais; e (5) juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, até integral pagamento; e (iii) a condenação da 2.ª ré, a título subsidiário, no pagamento das seguintes prestações: (1) pensão anual e vitalícia de 765332 escudos desde 23 de Fevereiro de 1996, acrescida de uma prestação suplementar do montante do duodécimo devido em Dezembro de cada ano; (2) indemnização de 912400 escudos, relativa a incapacidade temporária; e (3) indemnização de 83830 escudos, relativa a transportes e alimentação

Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) entrou ao serviço da 1.ª ré, em 15 de Agosto de 1994, como operário "indiferenciado", por mero ajuste verbal, para trabalhar na fábrica da mesma, em Pinheiro, Ourém, com o horário entre as 08,00 e as 17,00 horas, com uma hora de intervalo para o almoço, auferindo a remuneração mensal de 70000 escudos, acrescida de um subsídio de refeição de 215 escudos por dia útil de trabalho; (ii) a 1.ª ré desenvolve a sua actividade no ramo da indústria das madeiras, procedendo, designadamente, ao abate de árvores e subsequente corte de madeira, para posterior comercialização; (iii) o autor, ao iniciar o serviço, foi colocado no pátio do barracão que constitui a fábrica, a escolher madeiras e separá-las; (iv) nos seis dias imediatos, manteve-se a executar apenas essa tarefa; (v) no dia 22 de Agosto de 1994, iniciou o trabalho na execução dessa mesma tarefa, mas, na parte da manhã desse dia, o encarregado de secção, D, foi chamá-lo para ir ajudar o serrador, E, no corte de madeira, na serra de fita, em substituição de uma operária que faltara ao serviço; (vi) a serra compõe-se de uma lâmina de corte em forma de fita, que se desloca verticalmente, e de uma bancada de trabalho, de cerca de um metro de altura, onde se coloca a madeira a cortar, dotada de uma peça rotativa, o alimentador, que tem por função facilitar a movimentação do barrote no sentido da lâmina; (vii) pelas 10,30 horas de 22 de Agosto de 1994, quando a serra estava em movimento, o autor foi puxado pelo alimentador da serra para cima da bancada e, acto contínuo, foi levado em direcção à lâmina de corte, que o atingiu ao nível das pernas; (viii) não recebeu qualquer informação quanto ao modo de funcionamento da máquina; (ix) a máquina não estava dotada de qualquer estrutura ou equipamento de segurança; (x) na altura, vestia um fato de treino largo e, sobre a roupa, para a não sujar, usava, à volta do corpo, um saco grande de serapilheira aberto, em jeito de avental, o que era do perfeito conhecimento da 1.ª ré; (xi) a serra de fita não estava protegida; (xii) em 23 de Setembro de 1994, a 1.ª ré foi objecto de uma visita inspectiva da IGT/IDICT, que detectou a falta de protecção de correias dos motores eléctricos e dos alimentadores das serras circulares, que estavam desprotegidos; falta de distribuição de luvas, máscaras e protectores auriculares e locais com ruído superior a 90 DB; (xiii) o comportamento descuidado da 1.ª ré traduziu-se na violação de elementares regras de segurança que lhe cabia assegurar; (xiv) o autor sofreu amputação traumática de ambas as pernas, pelo terço médio; (xv) foi submetido a intervenção cirúrgica de reimplantação; (xvi) evidencia múltiplas sequelas, sobretudo ao nível neurológico; (xvii) evidencia fracturas viciosamente consolidadas da tíbia e do perónio, com encurtamento de cerca de 5 cm em ambas as pernas; (xviii) evidencia algodistrofía dos ossos do pé e atrofia muscular generalizada das pernas, com limitação acentuada da mobilidade articular das tibiotársicas e dedos dos pés e perda de sensibilidade; (xix) deixou de poder correr; (xx) tais lesões traduzem-se numa incapacidade permanente de 83,53%; (xxi) está definitivamente incapacitado para o desempenho da profissão que exercia; (xxii) foi submetido a quatro intervenções cirúrgicas, todas elas com anestesia geral, num total de 23,5 horas de anestesia geral em menos de dois anos; (xxiii) esteve cerca de 9 meses após o acidente praticamente imobilizado em casa e totalmente dependente do auxílio dos pais; (xxiv) após tal período, teve de "reaprender" a andar, minuto a minuto, por cada dia que passava; (xxv) tal imobilidade impediu-o de prosseguir os estudos e determinou a sua reprovação no ano lectivo que frequentava do curso de Engenharia Informática; (xxvi) o tratamento a que teve de se sujeitar foi demorado e causador de grande sofrimento físico e psicológico; (xxvii) sofreu dores intensas e uma grande angústia, provocada pela incerteza do resultado do tratamento a que se sujeitou; (xxviii) sofreu uma grande ansiedade motivada quanto às consequências do acidente e repercussões para a sua vida pessoal; (xxix) gastou em transportes com a sua deslocação um total de 21680 escudos; (xxx) despendeu em alimentação um total de 7150 escudos; (xxxi) deslocou-se cinco vezes ao Tribunal para actos judiciais, tendo gasto globalmente em gasolina e alimentação a importância de 45000 escudos; (xxxii) despendeu 10000 escudos em transportes nas quatro deslocações a Tomar para a preparação desta acção; (xxxiii) pelas dores e sofrimento sentidos apenas se pode sentir compensado com uma indemnização não inferior a 7500000 escudos

Citada, a 1.ª ré contestou (fls. 108 a 113), propugnando a improcedência total do pedido contra si formulado e o prosseguimento da acção contra a seguradora, aduzindo, em essência, o seguinte: (i) o único elemento que trabalha junto à fita é o serrador; (ii) todos os outros trabalhadores estão a cerca de 3 metros da serra de corte, e por isso não é possível haver um acidente deste tipo, na situação descrita pelo autor; (iii) a tarefa do autor consistia em recolher a madeira cortada, na ponta do tabuleiro, a 3 metros de distância da fita, e empilhá-la no chão; (iv) o autor não tinha de contactar directamente com a fita de corte, nem dela devia aproximar-se a menos de 3 metros; (v) o autor não estava a alimentar a serra de fita; (vi) à distância a que o autor trabalhava, a 3 metros da fita e do lado contrário à lâmina de corte e do lado contrário ao alimentador, não é possível qualquer pessoa ser puxada pelo alimentador; (vii) nenhuma culpa pode ser assacada à ré na produção do acidente; (viii) o autor não tinha necessidade de qualquer fato especial para desempenhar a tarefa que executava; (ix) a serra de fita tem todas as protecções com que o fabricante a vende; (x) a Companhia de Seguros é a única responsável pelos danos resultantes do acidente, pois a ré transferiu para ela a sua responsabilidade

Por sua vez citada, a 2.ª ré contestou (fls. 142 a 152), sustentando que a acção devia ser julgada improcedente relativamente a ela, porquanto, em suma: (i) aquando da celebração do contrato de seguro, a 1.ª ré declarou cumprir os regulamentos de segurança em vigor para a sua actividade industrial; (ii) a máquina não tinha protecção junto do alimentador que apanhou o autor e que o arrastou para cima da mesa e posteriormente para junto da serra que acabou por lhe amputar as pernas; (iii) se tivesse protecção junto do alimentador da serra, o acidente não teria acontecido; (iv) o autor não tinha tido anteriormente qualquer preparação para trabalhar como ajudante de serrador de uma máquina "serra de fita"; (v) a 1.ª ré violou as mais elementares regras de segurança no trabalho; (vi) havendo violação de preceitos regulamentares sobre higiene e segurança por parte da entidade patronal, presume-se a sua culpa na produção do acidente e a responsabilidade da seguradora é meramente subsidiária; (vii) a indemnização global de 912400 escudos, que é pedida à seguradora a título de incapacidade temporária, não está devidamente calculada, sendo o valor correcto o de 860741 escudos

Após resposta da 1.ª ré à contestação da 2.ª ré (fls. 163 a 170), em que concluiu como na sua contestação, foi proferido despacho saneador (fls. 171) e elaboradas a matéria de facto assente e a base instrutória (fls. 171 a 180), que não foram objecto de qualquer reclamação. Foi também determinado o desdobramento do processo, autuandose apenso para a fixação da incapacidade permanente para o trabalho (fls. 178) e fixado em 611510 escudos o valor da pensão provisória a pagar pela 2.ª ré, com efeitos a partir de 22 de Fevereiro de 1996 (fls. 178 verso a 180)

No aludido apenso, foi proferida, em 16 de Janeiro de 1998 (fls. 10 verso e 11), decisão a considerar o autor "definitivamente afectado de incapacidade permanente para o trabalho, com o coeficiente de desvalorização funcional de 0,835262, com incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão de operário fabril"

Procedeu-se a julgamento, com a intervenção do Tribunal Colectivo, tendo sido dadas aos quesitos as respostas constantes do acórdão de fls. 229 a 233, que também não suscitaram reclamações, após o que, por sentença de 3 de Novembro de 1998 (fls. 235 a 254), foram condenadas a pagar ao autor: (i) a 1.ª ré, em via principal: (1) a pensão anual e vitalícia de 900000 escudos, acrescida de uma prestação suplementar, em Dezembro de cada ano, de montante igual ao duodécimo devido nesse mês, com efeitos a partir de 23 de Fevereiro de 1996; (2) a indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA), no período de 23 de Agosto de 1994 a 22...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT