Acórdão nº 02S2423 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2002
Magistrado Responsável | MÁRIO TORRES |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, 1. Relatório "A" intentou, em 1 de Julho de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra "B", pedindo a condenação da ré: (i) no pagamento da importância de 3624000$00 (3000000$00 de reparação de danos não patrimoniais, 580000$00 de comissões em dívida e 44000$00 correspondente ao valor da privação do uso de viatura no mês de Maio de 1999) e das importâncias vincendas até à data da sentença, a título de comissões, de direito a uso de viatura e de despesas feitas com transportes e financiamento bancário para aquisição de outra viatura; (ii) a respeitar o direito ao trabalho do autor através da efectiva atribuição das funções que correspondem à sua categoria profissional de vendedor externo; (iii) a abster-se de proceder a atitudes discriminatórias para com o autor, nomeadamente atribuindo-lhe os meios necessários ao desempenho da sua actividade profissional, em particular, viatura, computador adequado e telemóvel; e (iv) no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, sobre as importâncias em dívida, calculados à taxa legal e devidos desde as datas em que deviam ter sido pagas e o efectivo pagamento
Aduziu, para tanto, em suma, que entre autor e ré vigora, desde 1 de Setembro de 1998, um contrato de trabalho, mas, desde o dia 6 de Maio de 1999 a ré vem desenvolvendo para com ele uma atitude ilegal, abusiva, ilegítima e prepotente, traduzida: na comunicação de despedimento mais tarde desmentida e abandonada; na pressão para acordo de rescisão do contrato; no adiamento sucessivo de decisões e reuniões; na comunicação de não renovação de pretenso contrato a termo, depois também dado sem efeito; na marcação de férias de um dia para o outro, posteriormente também deixada cair porque as férias já anteriormente estavam marcadas por plano acordado e aprovado; na retirada de meios de trabalho, através da forçada entrega da viatura, do computador e do telemóvel; no impedimento de desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional de vendedor externo e ordem para que passasse a desempenhar apenas funções de vendedor interno, mas sem indicação dos respectivos termos e condições; no impedimento de desempenho das funções de vendedor interno, não lhe fornecendo os meios necessários para o efeito; no não pagamento das comissões de Janeiro a Maio de 1999, ao contrário do que aconteceu com os demais colegas, ocultando-lhe os elementos relativos a essa matéria; na imposição da entrega da viatura, deixando-o sem carro; na manutenção do autor numa total inactividade, à margem da empresa, votado ao ostracismo, colocando-o na prateleira até que se desgaste psicologicamente, correspondendo tal comportamento a uma situação humilhante e vexatória, quer do ponto vista pessoal, quer do ponto de vista profissional, que lhe tem vindo a causar distúrbio na sua saúde e na sua imagem profissional, não podendo estes danos deixar de ser indemnizáveis
Posteriormente, invocando a superveniência de despedimento, que lhe foi comunicado em 20 de Setembro de 1999, mas que reputa ilícito e abusivo, veio aditar novo pedido e causa de pedir (cfr. fls. 155 e seguintes), pedindo a condenação da ré a: (i) pagar-lhe a quantia de 4875260$00 (3750000$00 de reparação de danos não patrimoniais, 358500$00 de salários intercalares, 500000$00 de indemnização por litigância de má fé e 266760$00 de redução do seu subsídio de desemprego); (ii) pagar-lhe as importâncias referentes às retribuições mensais correspondentes ao período decorrente até à sentença, incluindo subsídios intercorrentes; (iii) reintegrá-lo ou, caso assim venha a optar, pagar-lhe indemnização por antiguidade; e (iv) pagar-lhe juros de mora, vencidos e vincendos, sobre as importâncias em dívida, calculados à taxa legal e devidos desde as datas em que deviam ter sido pagas e o efectivo pagamento
Contestou a ré o pedido inicial (fls. 31 a 48) e o aditado (fls. 174 a 187), concluindo pela improcedência total da acção e formulando pedido reconvencional, visando a condenação do autor no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença, em montante não inferior a 10000000$00, acrescido de juros vencidos desde a liquidação, por danos (quebra na facturação) derivados de comportamentos do autor violadores dos seus deveres profissionais. A impugnação deduzida assentou, em suma, no facto de, em Fevereiro de 1999, ter sido necessário proceder a uma reestruturação da empresa, com extinção das funções de vendedor externo, tendo o autor inicialmente acedido a passar a exercer as suas funções internamente, mas depois reivindicou a restauração de prestações (uso de automóvel e computador portátil) que constituíam instrumentos de trabalho específicos dos vendedores externos e não componentes da retribuição. Os alegados "recuos" quanto a marcação de férias e cessação de contrato por caducidade do termo deveram-se a deficiente informação da ré, devido à saída de um Chefe de Divisão, mas, logo que detectados, esses erros foram corrigidos. O autor recusou propostas de ocupar a única vaga de vendedor externo, no Porto, e de cessação do contrato por mútuo acordo. Não lhe são devidas comissões por nunca ter atingido os objectivos trimestrais fixados. Nega ter submetido o autor a qualquer perseguição causalmente adequada a provocar-lhe os danos não patrimoniais reclamados. Na contestação apresentada na sequência da ampliação do pedido, sustenta a validade do processo disciplinar, a existência de justa causa para o despedimento e o carácter não abusivo desta sanção
Foi proferido despacho saneador (fls. 302 a 305), que não admitiu o pedido reconvencional, e elencaram-se os factos assentes e a base instrutória (fls. 305 a 312), que não suscitaram reclamações
Realizada audiência de julgamento, foram dadas à base instrutória as respostas constantes de fls. 456 a 462, que também não suscitaram reclamações, após o que, em 16 de Julho de 2001, foi proferida a sentença de fls. 466 a 485, que julgou a acção apenas parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia referente ao valor da utilização do veículo que lhe atribuíra, desde 8 de Junho de 1999 (data em que o autor entregou a viatura a pedido da ré) até cessação do contrato de trabalho (20 de Setembro de 1999), com montante a apurar em sede de execução de sentença, acrescida de juros de mora desde a data do respectivo vencimento até efectivo pagamento, no mais absolvendo a ré do pedido. Nessa sentença considerou-se, sucessivamente, em síntese, que: (i) o vínculo jurídico existente entre autor e ré é qualificável como um contrato de trabalho sem termo, atenta a nulidade do termo inicialmente nele aposto; (ii) não existiu justa causa para rescisão do contrato por iniciativa do autor; (iii) o valor do uso da viatura assume carácter retributivo, pelo que a ré devia pagar esse valor ao autor, relativamente ao período decorrido desde a sua privação até à cessação do contrato; (iv) não ocorreu nulidade do processo disciplinar conducente ao despedimento; (v) existiu justa causa para o despedimento do autor; (vi) não há lugar à condenação da ré no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais; e (vii) não há lugar à condenação da ré no pagamento das diferenças entre o subsídio de desemprego a receber pelo autor e aquele que receberia se a ré lhe tivesse pago a retribuição mensal devida e tivesse procedido aos correspondentes descontos
Contra esta sentença apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa - suscitando as questões da nulidade da sentença, da alteração da sua categoria profissional, do direito a comissões, da ilicitude do despedimento por nulidade do processo disciplinar e por inexistência de justa causa, do direito a indemnização por danos não patrimoniais e do direito às diferenças do subsídio de desemprego -, mas, por acórdão de 6 de Fevereiro de 2002 (fls. 534 a 573), foi negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, embora com fundamentação não totalmente coincidente, designadamente quanto à questão da categoria profissional
Ainda inconformado, interpôs o autor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 580 a 598) com a formulação das seguintes conclusões: "1.ª - Enquanto a douta sentença de primeira instância considerou legal e legítima a atitude da recorrida de proibir ao recorrente o desempenho das funções e actividade de vendedor externo e imposição de desempenho de apenas funções de vendedor interno, o também douto acórdão recorrido decide que essa atitude consubstancia verdadeira alteração da categoria profissional e traduz violação de cláusula contratual pela alteração das funções e da actividade do recorrente
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- Trata-se de matéria de fundamental transcendência para o trabalhador e para a própria relação laboral, sendo certo estar a falar-se da realização da pessoa humana numa das suas dimensões fundamentais - a realização pessoal através da realização profissional pelo exercício do direito ao trabalho
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- Está hoje inequivocamente consagrado, jurisprudencial e doutrinariamente, que o trabalhador tem na sua esfera o direito à ocupação efectiva, que tem por natural e necessário contraponto o dever de a entidade patronal o ocupar efectivamente
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- Perante as supra referidas duas decisões opostas - com a inerente substituição da sentença pelo acórdão - e tendo em conta a matéria provada, não pode o acórdão recorrido concluir da mesma forma que o fez a sentença de primeira instância que partiu de conclusão diferente e oposta
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- Isto porque muita da matéria provada nos autos foi considerada lícita e legal pela sentença mas agora não o pode ser, uma vez que o acórdão considera ilícito e ilegal o que a sentença considerara lícito e legal (dão-se aqui por reproduzidas as contradições assinaladas de fls. 2/verso a 3/verso)
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- Os factos provados nos autos relevantes na matéria e a...
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