Acórdão nº 02S4069 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução29 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório. "A", com os sinais dos autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra "B - Transportadora Nacional de Camionagem, SA", com sede em Sacavém, peticionando certas retribuições que eram devidas por aplicação da cláusula 74ª, n.º 7, do Contrato Colectivo de Trabalho, e uma indemnização por antiguidade, nos termos previstos no artigo 36º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), por rescisão unilateral do contrato de trabalho com justa causa. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da prescrição dos créditos laborais, que havia sido invocada pela ré, com base no entendimento de que a cessação do contrato de trabalho, que constituía o termo inicial do prazo prescricional, ocorreu, não por rescisão unilateral do trabalhador, mas por via do ulterior despedimento determinado pela entidade patronal. Por sua vez, a sentença final julgou procedente o pedido relativo às reclamadas diferenças salariais, mas negou provimento quanto à pretensão indemnizatória fundada em justa causa de rescisão por iniciativa do trabalhador, por entender - em consonância com o já decidido na fase de saneamento quanto à prescrição de créditos - que a cessação do contrato de trabalho se operou por decisão da entidade patronal, configurando-se, por isso, como uma modalidade de despedimento. A ré interpôs recurso do despacho saneador, o qual foi recebido com efeito devolutivo e subida diferida, e impugnou também a decisão final na parte em que julgou procedente o pedido relativo às diferenças salariais. O Tribunal da Relação da Lisboa negou provimento a ambos os recursos, mantendo a condenação proferida na sentença no tocante à matéria das retribuições e confirmando o julgado quanto à questão da prescrição dos créditos laborais, nesta parte, com os seguintes fundamentos: (a) a ré age com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, ao invocar a prescrição de créditos laborais com base na rescisão unilateral do contrato por parte trabalhador, quando reconheceu que a relação laboral se manteve, mesmo após o envio da comunicação do trabalhador, e apenas cessou com a ulterior decisão de despedimento; (b) a decisão de primeira instância que, para declarar improcedente a pretensão indemnizatória formulada pelo autor, julgou cessada a relação laboral por efeito de despedimento promovido pela entidade empregadora, não foi objecto de recurso jurisdicional, pelo que constitui caso julgado, mormente quanto à fixação do termo a quo do prazo prescricional. É contra tal decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões úteis: a) O Autor enviou à Ré uma declaração de rescisão unilateral do contrato de trabalho em 25 de Fevereiro de 1994, que apesar de recusada pela Ré, produziu todos os seus efeitos por aplicação do disposto no artigo 224.°, n.º 2, do Código Civil; b) Tal entendimento não foi, porém, aceite pelas instâncias que sobre o assunto se pronunciaram: c) Assim, na primeira instância, entendeu-se que a não recepção da carta por parte da Ré não poderia relevar para efeitos da aplicação do artigo 224°, n.º 2, por não ter sido alegado nem provado que essa atitude se destinou a evitar a recepção da declaração negocial que a mesma continha para efeitos do disposto no n.º 2; d) Tal entendimento não é correcto: lei apenas exige que a não recepção se tenha ficado a dever a culpa do destinatário e não que este manifeste de qualquer modo a intenção subjacente à não recepção. e) Por sua vez, o douto acórdão ora recorrido, recusa a aplicação do artigo 224º, n.º 2, argumentando que o contém uma medida de protecção do declarante: no caso vertente a aplicação da norma em causa apenas prejudicaria o declarante, já que conduziria à prescrição do crédito; assim sendo, e tendo em vista não prejudicar os interesses do declarante, não seria aqui possível a aplicação do preceito. f) Salvo o devido respeito, não se pode aderir a este entendimento: a eficácia da declaração é independente de qualquer prescrição que possa ou não ocorrer em momento posterior bem como dos interesses que o trabalhador possa vir a deter no futuro. g) O trabalhador, conforme então pretendia, cessou o seu vínculo à empresa a partir daquela data e foi esse interesse do trabalhador que a lei quer proteger por força da aplicação do artigo 224.°, n.º 2; h) Uma outra leitura implicaria uma nova forma de aplicação do artigo, passando a admitir-se a eficácia da declaração se e apenas enquanto tal eficácia fosse do interesse do declarante e gerando uma situação de evidente incerteza que o legislador não quis de forma alguma contemplar e que não tem qualquer reflexo no texto legal. i) Pelo que o entendimento acolhido no acórdão viola o disposto no artigo 224.°, n.º 2, do Código Civil, bem como o artigo 9.° do Código Civil. j) No acórdão recorrido é ainda referido a este respeito, que teria ocorrido má fé por parte da ora Recorrente em invocar a cessação do contrato por efeito da declaração do trabalhador, considerando a contradição entre essa posição e a que resulta da comunicação de cessação do contrato por abandono do posto de trabalho. l) Não é verdade: a ora Recorrente apenas pretendeu fazer cessar o contrato por abandono por não estar ciente da anterior resolução unilateral operada pelo trabalhador, que apenas conheceu com a presente acção. m) No douto acórdão recorrido é ainda feita menção a um suposto caso julgado que sobre a matéria a sentença formulada em primeira instância conteria. n) Não é verdade: a decisão relativa à prescrição foi tomada na primeira instância no despacho saneador, momento a partir do qual se esgotou o poder jurisdicional que ao Mmo. juiz cabia. o) Qualquer referência ao assunto na sentença final é irrelevante, não tem efeito jurisdicional e muito menos é susceptível de constituir caso julgado. p) O entendimento perfilhado no acórdão viola o disposto nos artigos 510.°, n.º 3, e 666.°, n.º 1, do Código de Processo Civil. q) Por outro lado, independentemente da prescrição, a retribuição em causa não tem carácter certo e fixo, pelo que nada seria devido ao réu. r) O C.C.T.V. prevê dois acréscimos remuneratórios para os trabalhadores que efectuem serviço no estrangeiro: um primeiro, de atribuição certa e montante fixo, designado prémio TIR, que premeia a disponibilidade para o serviço internacional, previsto na cláusula 47.ª, A, alínea c). s) Por sua vez, a cláusula 74.ª, n.º 7, prevê uma outra retribuição, atribuída no final de cada mês, correspondente a duas horas extraordinárias por dia. t) Esta não pretende compensar o...

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