Acórdão nº 03A1235 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelPONCE DE LEÃO
Data da Resolução17 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", residente na Venezuela, veio propor a presente acção de divórcio litigioso contra sua mulher B, residente em ....., Mira, tendo alegado que: está separado de facto por mais de 11 anos, que imputa a culpa da Ré. Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, tendo, ainda, deduzido pedido reconvencional. Pediu que o divórcio fosse decretado, com base na separação de facto por mais de 14 anos imputável ao Autor e ainda com base na violação culposa, por parte deste, dos deveres de respeito, fidelidade, coabitação e colaboração. Pediu ainda uma indemnização por danos morais provocados e uma pensão a título de alimentos provisórios. Foi apresentada réplica, onde o Autor impugnou a matéria de facto base da reconvenção e ainda os alimentos peticionados, pugnando pela improcedência de ambos os pedidos. Por despacho de fls. 101 verso, foi decidido que, para já, não se considerava oportuno, a fixação de quaisquer alimentos conjugais a favor da Ré. Foi proferido despacho saneador e organizados o rol dos factos assentes, bem como a base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta, findo o que foi proferida douta decisão sobre a matéria de facto controvertida. Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com fundamento na separação de facto por mais de três anos, mas sem culpa da Ré, julgando-se parcialmente procedente a reconvenção, com base na violação culposa pelo Autor, dos deveres de cooperação e assistência, mas sem direito a indemnização, sendo, assim, decretado o divórcio litigioso entre o Autor e a Ré, com culpa daquele. Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, limitando o objecto do recurso à absolvição do Réu do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos morais decorrentes da dissolução do casamento. Foram dados como provados os factos seguintes: 1. Autor e Ré casaram catolicamente em 22/01/1978, com convenção antenupcial na qual estipularam o regime de comunhão geral de bens (alª A)) 2. Na constância do matrimónio nasceram dois filhos: C, em 11 de Julho de 1978; D, em 2 de Outubro de 1981. (alª B)) 3. Há cerca de 19 anos (reportados a Dez. 99), o Autor emigrou para a Venezuela, para onde foi trabalhar, saindo de casa onde vivia com a Ré (resposta aos quesitos 1º e 8º). 4. Nos últimos 11 anos (reportados a Dez. 99) o Autor apenas veio a Portugal cerca de duas vezes, uma delas em período que coincidiu com a data em que sua mãe foi operada ( resposta ao quesito 2º). 5. O Autor, numa das últimas vezes que veio a Portugal, comunicou à Ré o seu propósito de se divorciar (resposta aos quesitos 4º e 12º). 6. A Ré, a seguir a isso, arranjou uma casa só para si (resposta ao quesito 5º). 7. Não há da parte de qualquer dos cônjuges o propósito de restabelecer a vida em comum (resposta ao quesito 7º). 8. O Autor, durante um período de cerca de 9 anos, não deu qualquer notícia (resposta ao quesito 9º). 9. Deixando, pelo menos nesse período, de prestar qualquer ajuda em dinheiro para os encargos da vida familiar da Ré e dos filhos (resposta ao quesito 10º). 10. E, pelo menos nesse período, não se interessando em saber quais as necessidades com alimentação, vestuário e saúde da Ré e filhos e educação e vida escolar destes (resposta ao quesito 11º). 11. A Ré sofre de depressão crónica, necessitando de tratamento permanente e consultas frequentes. Tem períodos de agravamento, ficando incapacitada e com necessidade de acompanhamento familiar (resposta ao quesito 13º). 12. A Ré foi sujeita a internamento de 24/07/99 a 29/07/99 no Hospital Sobral Cid, na sequência de alterações motivadas por privação alcoólica, constando da observação na urgência: "doente com história de alcoolismo crónico que vem à procura de ajuda para deixar o álcool. Está motivada para a desintoxicação" (resposta aos quesitos 14º e 25º). 13. Até ao facto referido em 5, a Ré nunca saiu do lar conjugal (resposta ao quesito 15º). 14. Numa das últimas vezes (reportadas a Jun. 2000 que o Réu veio a Portugal, esteve acompanhado de uma senhora, que foi tomada, por parte das testemunhas ouvidas, como sua companheira (resposta ao quesito 18º). 15. Vivendo sob o mesmo tecto e tomando juntos as refeições (resposta ao quesito 21º). 16. A Ré é pessoa de formação católica (resposta ao quesito 22º). Perante este quadro factual, feito que foi o respectivo enquadramento jurídico, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu douto acórdão, que por não nos merecer qualquer reparo ou censura, se passa a transcrever: " Na contestação/reconvenção deduzida, e na parte relativa à indemnização por danos morais, a Ré fundamentou a sua pretensão com a alegação dos factos seguintes : Da conduta do A. não pode inferir-se a eventual vontade de uma futura reconciliação com a R., antes traduzindo o mesmo a vontade inequívoca daquele pretender manter e estabelecer uma relação sólida com a sua companheira; Tal conduta não traduz um mero devaneio, mas antes a vontade de o A. romper definitivamente com o vínculo conjugal e constituir um novo lar; O comportamento do R. determinou na R. reconvinte um sofrimento profundo, a nível psíquico, exigindo-lhe até como já se referiu, internamento hospitalar, e no presente a exigência de medicação diária, já que muitas noites não consegue dormir nem descansar; Como consequência do descrito, a R. sofre ainda hoje os efeitos, já se tornou uma pessoa bastante traumatizada e ferida na sua sensibilidade e intimidade, entregue a uma vida de tristeza e solidão. Apesar do A. se ter comprometido a por toda a vida ser fiel à R. e com ela coabitar, prestando-lhe mútua e reciprocamente assistência nos bons e maus momentos da vida de ambos; A R. reconvinte com a idade de 40 anos, bastante doente e traumatizada, vê-se sem possibilidades de refazer a sua vida afectiva com outrem devido à conduta do Autor; A R. é pessoa de formação católica, estimando muito os seus valores, e bem assim de fortes convicções morais; Tal situação para a R. acarreta pesado dano moral e sobretudo, indiscutível e irreparável dano moral ; Sombrio e solitário é o futuro da R., estando a felicidade do A. a ser construída sobre os escombros e ruína afectiva daquela, a quem jurou acompanhar até à morte; Tal dano moral, sendo irreparável pode no entanto ser mitigado, arbitrando-se a favor da R. reconvinte e a pagar pelo A. reconvindo uma indemnização razoável, nunca inferior a Esc. 3.000.000$00; Tal quantia, de modo algum repara a profunda dor sentida e sofrida pela R. reconvinte e a solidão a que está votada ; Tal indemnização não compensará a perda do marido, nem a quebra de todos os princípios morais e religiosos da R.; Esta é uma pessoa profundamente católica, cujo estatuto de mulher divorciada vai afectar ainda mais a sua personalidade e maneira de ser. O Autor, replicando na parte relativa ao pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais, disse o seguinte : É falso o alegado no artº 37º, o A. não tem qualquer companheira; E o sofrimento psíquico com consequente internamento hospitalar alegado pela R. no seu artº 39º, deve-se, única e exclusivamente, à sua dependência do álcool; Não tendo o A. provocado qualquer dano moral na R., não lhe devendo qualquer indemnização. A posição expressa pelo Meritíssimo Juiz na sentença final, relativamente à peticionada indemnização por danos não patrimoniais, foi a seguinte : "Os danos morais que devem ser reparados numa acção de divórcio, são os causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento. Danos causados pela dissolução, não os causados pelas violações dos deveres conjugais invocados como causas de divórcio (art. 1792º, do C. Civil, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, págs. 688/689) . Ora, nenhuns danos causados pela dissolução se provaram, até porque nem sequer se provou que o estado de saúde da Ré se deva ao Autor ou à dissolução do casamento" (cfr. Fls. 151 verso). Por seu turno, a recorrente desenvolveu no texto das alegações apresentadas, essencialmente, a seguinte argumentação: "... : o casamento celebrado entre recorrente e recorrido não foi um contrato a prazo. Há expectativas legítimas e naturais de ser um contrato duradouro e, bem assim, o relacionamento pessoal que lhe está ligado. Há todo um projecto de vida comum que a recorrente viu ruir, tanto mais que só quando o recorrido lhe comunicou que se queria divorciar é que a recorrente arranjou uma casa só para si, até então, sempre residiu no lar conjugal, mantendo acesa a chama da esperança no casamento que celebrou. Além deste facto que causou danos a direitos e interesses da recorrente, consubstanciados no desmoronamento do projecto comum de vida, ficou demonstrado que a recorrente sofre de depressão crónica, necessitando tratamento permanente e consultas frequentes, tendo períodos de agravamento, ficando incapacitada e com necessidade de acompanhamento familiar. Tais factos não são, de todo, alheios ao divórcio, antes são a consequência de toda a conduta do recorrido ao longo dos anos e que culminaram com a decisão de ser decretada a dissolução do vínculo conjugal. Acresce outro facto que é a recorrente ser de formação católica, onde, como é consabido, os valores do casamento, da família são altamente valorados, sendo certo que o estatuto de mulher divorciada é encarado de uma forma negativa, até pelo simples facto de que se a recorrente pretendesse casar novamente, ficava-lhe vedado o direito ao casamento católico" (cfr. fls 166). Finalmente, o apelado defendeu, no essencial, com citação de vários acórdãos, a posição de que a violação dos deveres de...

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