Acórdão nº 03A2827 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório No dia 9.1.01, cerca das 8,25 horas, quando se deslocava para a zona da freguesia das Feteiras, o navio draga "Areiaçores" encalhou na zona das Pedrinhas, junto à costa sul do aeroporto João Paulo II (Ponta Delgada). Do encalhe resultou a morte de três dos cinco tripulantes e a perda total da embarcação. A sociedade "A", proprietária do navio, accionou a Companhia de Seguros B, com quem celebrara um contrato de seguro marítimo-casco titulado pela apólice nº 88102176, visando obter o pagamento da indemnização correspondente à perda da embarcação segurada. A ré contestou, alegando factos tendentes a demonstrar que o seguro não cobria o sinistro verificado. Após o regular processamento da causa foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora 399.038,32 € (correspondentes a 80 mil contos) e juros legais de mora desde a citação. A ré apelou. A Relação de Lisboa, por acórdão de 18.3.03, deu provimento ao recurso, absolvendo a ré do pedido. Agora é a autora que, inconformada, pede revista, concluindo em resumo que: 1) O acórdão faz errada apreciação e interpretação dos factos dados como provados e dos que o não foram, extraindo deles ilações deturpadas, decorrentes, designadamente, do desprezo a que votou grande parte da prova documental existente nos autos e da omissão da leitura do despacho de resposta aos quesitos e dos fundamentos que presidiram à convicção do tribunal de 1.ª instância; 2) Da acta da audiência de julgamento consta o depoimento de parte do representante legal da recorrente (armador), que confessa que o "elemento não marítimo" C desempenhava as funções de pintor ao serviço da recorrente, acrescentando, porém, que não o autorizara a ir para o mar nem sabia que ele embarcara; 3) Afirma ainda que sabia que a embarcação não tinha motorista naquele dia porque dera baixa da matrícula dele no dia anterior; mas também acrescenta que não sabia que a embarcação iria para o mar naquele dia, decisão que não foi sua; 4) Atenta a indivisibilidade da declaração confessória, foi violado o artigo 360º do CC, ex vi do artigo 563º, nº 1 do CPC: o armador não actuou com "dolo eventual", como pretende o acórdão recorrido, pois, nesse dia, de nada tinha conhecimento; 5) É a autoridade marítima - no caso, a Capitania do Porto de Ponta Delgada - não o armador, que tem competência para fixar o rol de tripulação, fazendo constar daquele documento as funções e categoria de cada tripulante; e o rol de tripulação do "Areiaçores" estava perfeitamente legal à data do sinistro marítimo porque o capitão do porto verificou previamente as assinaturas, as qualificações da tripulação e homologou a respectiva matrícula e subsequente prestação de serviços a bordo; 6) Preocupando-se em demasia com o certificado de lotação, o acórdão recorrido esqueceu-se das competências da autoridade marítima constantes do Regulamento Geral das Capitanias e do artigo 1.º, n.º 1, do DL 384/99, de 23 de Novembro, que dispõe ser a tripulação constituída pelo conjunto de todos os marítimos, recrutados nos termos da legislação aplicável, para exercer funções a bordo, em conformidade com o respectivo rol de tripulação; 7) O "C", a quem o acórdão recorrido persiste em atribuir a categoria de pintor, era titular - embora não portador à data do sinistro - de cédula marítima emitida pela Capitania de Hamburgo - Alemanha, bem como curricularmente habilitado com o grau de primeiro piloto/oficial da Marinha Mercante, podendo pilotar embarcações até 1600 toneladas, licença, aliás, que se encontrava válida, conforme pode ver-se do texto do original da mesma que ora se junta no termos do art.º 727º do CPC (e permite dar resposta aos quesitos 19º, 20º e 21º, não respondidos ex vi do art.º 646º, n.º 4 do CPC); 8) Era, assim, um marítimo altamente qualificado para ficar na ponte de comando em funções de vigilância, situação que, por certo, terá sido solicitada pelo capitão D, por breves minutos, a fim de ir à casa de banho que se situava mesmo por debaixo da ponte de comando no convés inferior da embarcação; 9) A ausência do motorista de 3ª classe em nada concorreu para o deflagrar do sinistro marítimo porquanto as suas funções - que não são nem nunca foram de governo ou comando da embarcação, como pretende o acórdão recorrido, mas apenas de reparação, conservação e manutenção do motor - estavam perfeitamente asseguradas pelo ajudante de motorista que ali seguia (cfr. art.º 35º, n.º 1, da Portaria nº 251/89, de 6 de Abril), assim resultando violados os art.ºs 3.º, n.º 3 do DL 384/99, de 23 de Setembro e 31º, nº 3, a contrario daquela Portaria, na redacção da Portaria n.º 1052/91, de 15 de Outubro; 10) Nenhuma avaria houve no motor, que trabalhou sempre, mesmo até depois de estar encalhada a embarcação; 11) Assim, inexiste nexo de causalidade entre a falta do motorista ou a existência na ponte de comando de elemento, afinal, altamente qualificado em funções de mera vigilância, e o deflagrar do sinistro marítimo; 12) A saída para o mar sem o motorista e com aquele elemento qualificado não configura, pois, qualquer barataria negligente do capitão, que actuou com a diligência (mais que) normal, pois que, por um lado, tinha o ajudante de motorista a bordo e, por outro, elemento qualificado na ponte por escassos minutos, o qual não deixaria de actuar, como actuou, em caso de necessidade; 13) Ainda que assim não se entendesse, nunca poderia concluir-se, no apontado quadro, que foram "causa determinante do sinistro", pelo que o acórdão recorrido viola o art.º 487º, n.º 2, do CC e o art.º 604º, parágrafo 1º, do Código Comercial; 14) O artigo 604º do Código Comercial Português é inconstitucional quando interpretado no sentido de que o conceito de barataria ali referido abrange a negligência simples, por violar o art.º 8º, nº 2 da CRP - ou, ao menos, por violação do princípio constitucional da primazia do direito internacional - face às disposições genéricas de carácter substantivo constantes de convenções internacionais (art.º 721.º, nº 2 do CPC), como sucede, v.g. com a Convenção de Bruxelas, nomeadamente, art.º 4.º, n.º 2, alínea a); 15) No caso dos autos, a barataria simples é equiparada à falta náutica e acha-se coberta pela apólice como consta da "extensão de cobertura" do art.º 7º, n.º 1, das Condições Gerais, já que a barataria dolosa vem referida, ao lado do dolo e da fraude, nas "Exclusões" de que trata o art.º 8º das mesmas Condições Gerais, concretamente, na sua alínea c), disposições estas que resultam igualmente violadas pelo acórdão; 16) A ré/recorrida, contrariamente ao que afirma o acórdão recorrido, não provou o que quer que fosse que excluísse a sua responsabilidade, atentas as circunstâncias de "algo imprevisto" que terá levado a embarcação a guinar bruscamente em direcção das rochas (provavelmente por trancamento do leme, como o perito naval da ré sugere no respectivo relatório), pelo que foi violado o art.º 342º, n.º2 do CC; 17) De facto, provado que ficou terem sido efectuadas as manobras constantes dos quesitos...

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