Acórdão nº 03A935 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução01 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I - "A, SPA" intentou acção com processo ordinário contra "B, Lda." e "C, Lda.", pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe 2.798.233$00 e juros. Alegou que se encontra em dívida a importância peticionada, resultante de um acerto de contas entre o material vendido pela autora à ré e os serviços prestados por esta àquela. Contestando, as rés sustentaram que nada deve a ré "B, Lda." e só deve parte do pedido a outra ré. O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção. Apelaram as rés. O Tribunal da Relação confirmou o decidido. Inconformadas, recorrem as rés para este Tribunal. Formulam as seguintes conclusões: - Por evidente lapso material foi omitido do facto dado como provado no nº. 6 o montante de 210.000$00, correspondente à factura nº. 1837, de 20.03.97, o que pode e deve ser rectificado; - A primeira questão fundamental dos autos, face à decisão recorrida, é a de saber se houve ou não novação, uma vez que as instâncias, e designadamente o acórdão recorrido acabaram por considerar de todo discipienda a alegação e a prova de tudo o que não fosse o documento constante dos autos a fls. 36; - A novação objectiva consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar dela; - Quer pelo teor do artigo 859º do CC, quer face à elaboração que o precedeu, conclui-se que só há novação quando as partes tenham directamente manifestado a vontade de substituir a antiga obrigação pela criação de uma outra em seu lugar não bastando, assim, os simples facta concludentia, em que as declarações tácitas se apoiam; - Afasta-se, por conseguinte, em relação a este efeito negocial específico - a substituição de uma obrigação antiga por uma nova obrigação - a doutrina geral do artigo 217º do C. Civil, segundo a qual a declaração negocial tanto pode ser expressa, como tácita; - O facto de a declaração de substituição de uma obrigação antiga por uma nova obrigação ter sempre de ser expressa justifica que a lei tenha prescindido de afastar a presunção de novação, como fazia o Anteprojecto Vaz Serra, nos casos de simples alteração dos elementos acessórios da obrigação e da inclusão do crédito numa conta corrente ou de reconhecimento do saldo num negócio de liquidação de contas - tal afastamento seria inútil uma vez que a novação não se presume nem nos casos apontados nem nunca; - Afigura-se de todo em todo inexistente a fundamentação da decisão do acórdão recorrido que concluiu pela verificação de novação, uma vez que não foram devidamente analisadas as manifestações de vontade das partes, e se há algo que de todo em todo, não é patente no documento de fls. 36 (qualquer que seja o método interpretativo escolhido) é precisamente a vontade de extinguir uma obrigação e constituir uma nova em sua substituição; - Tal como acontece relativamente à lei, também quanto às declarações negociais o primeiro estádio da interpretação é a interpretação literal, com ela se significando que o texto da declaração forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete, e o sentido das palavras estabelece-se com base no uso linguístico - regra geral das palavras devem entender-se no seu sentido usual comum, salvo se da matéria tratada ou da conexão do discurso resultar um significado especial técnico. Para além disso, as palavras hão-de entender-se na sua conexão umas com as outras; - Do ponto de vista da interpretação literal e teleológica não restam dúvidas que não foi manifestada pelas partes uma vontade de extinguir a anterior obrigação e de a substituir por uma nova obrigação, uma vez que as partes falam não em substituição mas sim em compensação e em saldo, e porque resulta da conexão do discurso que o sentido da palavra compensação é o sentido jurídico de extinção de dívidas recíprocas mediante declaração de uma parte à outra - sentido jurídico esse, aliás, que é também acessível e perfeitamente compreendido por qualquer pessoa, não implicando o seu uso corrente na linguagem falada e escrita especiais conhecimentos jurídicos; - Da leitura do documento de fls. 36 retira-se que o mesmo apenas traduz que, consideradas todas as facturas pendentes, foram extintas por compensação parcial as obrigações de pagamento a cargo da autora e foi apurado um saldo ou diferença entre a soma das facturas emitidas pela autora em nome da ré "C, Lda." e a soma das facturas emitidas por cada uma das rés em nome da autora, estabelecendo-se um novo prazo para ser paga a referida diferença, ou seja, para cumprir uma obrigação antiga; - Consequentemente, do documento de fls. 36 apenas se pode entender que as partes quiseram regularizar as contas entre elas e conceder um novo prazo para pagamento de uma obrigação pré-existente (discutindo embora as recorrentes, como se verá, o exacto conteúdo desta obrigação); - De acordo com o disposto no artigo 236º do CC a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, e nesse documento não se descortina a vontade expressa de extinguir a primitiva obrigação e de criar uma nova em substituição daquela; - Não só não foi alegada nos autos qualquer manifestação expressa da vontade de algum dos contraentes no sentido de se constituir numa nova obrigação em substituição da antiga, nem foi invocado qualquer acordo expresso, como autor e rés estão de acordo em que não houve novação, o que desde logo resulta dos respectivos articulados e ainda da discussão do aspecto jurídico da causa por parte da autora, que entende, no ponto 3, que a ré "B, Lda." é responsável pelo pagamento da quantia peticionada porque a autora lhe vendeu (e à ré "C, Lda.") o material usado que originou a emissão de facturas, e sempre seria responsável por esse pagamento por força do artigo 595º do C. Civil; - As partes estão numa posição privilegiada para conhecer a sua vontade real e o teor das declarações que emitiram, pelo que há que ter por certo pelo menos uma coisa - é que não houve novação; - Não foi alegada e muito menos provada a existência do animus novandi expresso (quer o acordo novatório, quer a vontade de qualquer dos contraentes, isolado, de substituir a antiga obrigação por uma nova), nem sequer a existência de uma nova obrigação, pelo que faltam os elementos essenciais de novação, e consequentemente nunca o acórdão poderia condenar as recorrentes com fundamento nesta figura; - E também não se trata de uma novação com fundamento legal, pois que a causa de pedir da presente acção, tal como configurada pela recorrida autora, não é um contrato de conta corrente; - Ao entender que se verifica no caso em apreço uma novação válida, o acórdão recorrido interpretou erradamente o artigo 217º e 236º ambos do C. Civil e ao aplicar ao caso o artigo 857º do CC errou na...

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