Acórdão nº 03B1816 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução09 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Póvoa de Varzim, contra "B, acção com processo ordinário, na qual pede sejam declaradas nulas - ou, se assim se não entender, sejam anuladas - as seguintes deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré, de 8 de Setembro de 1999: - de destituição da gerência (que era constituída pelos dois únicos sócios, a autora e C; - de nomeação de nova gerência (o dito C e a mulher deste, D); - de remuneração da gerência (fixada em 900.000$00 mensais). Alegou, para tanto, em substância, ser sócia da ré, com uma quota representativa de 1/3 do capital social, tendo, na referida assembleia geral, votado contra, relativamente às três deliberações tomadas. A primeira delas viola o direito especial da autora à gerência, e viola também o pacto social, já que, tendo sido votada somente pelo sócio C, que dispõe apenas de 2/3 do capital social, não obteve a maioria necessária, legalmente exigida para a destituição de gerente - - dos votos correspondentes ao capital social. A segunda deliberação, cometendo a gerência também a não sócios e implicando a violação da obrigatoriedade da assinatura também da autora para que a sociedade fique obrigada, e não tendo sido votada por maioria necessária à alteração do pacto social, é também nula ou, quando menos, anulável. A última das deliberações está conexionada com anteriores deliberações, tomadas em assembleia geral de 30.04.99 e de 31.05.99 - que são objecto de acções para declaração da sua invalidade - e com as duas anteriores, ora referidas, cujos vícios foram apontados, pelo que a declaração de invalidade daquelas determinará igual sorte para esta, agora considerada. As deliberações foram tomadas com abuso de direito, sendo apropriadas para satisfazer o propósito do sócio C de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si e para terceiros, em prejuízo da sociedade e da autora, sendo, também por isso, anuláveis. A ré contestou, sustentando, com interesse, que não foi atribuído a nenhum dos sócios um direito especial à gerência, pelo que a autora podia ser destituída da gerência por maioria simples dos votos representativos do capital social, não tendo igualmente ocorrido violação do pacto social. Acrescentou que a deliberação de nomeação de nova gerência não enferma de qualquer vício, pois que a necessidade de assinatura de ambos os sócios para obrigar a sociedade, constante do pacto social, resultou apenas do facto de ambos terem sido nomeados gerentes. Com a destituição, passam a ser exigidas as assinaturas dos novos gerentes, cessando a possibilidade de a ré se vincular mediante a assinatura da autora. E finalizou com a alegação de que foi o sócio C quem, com o seu trabalho, sacrifício e investimento, logrou "aguentar" a sociedade, e que a deliberação respeitante à remuneração dos gerentes nada tem a ver com deliberações anteriores. Quanto ao invocado abuso de direito, ele não se verifica. Concluiu, assim, pela improcedência da acção. Seguiu-se a réplica da autora, reiterando o afirmado na petição inicial e concluindo como nesse articulado. Já depois de designada data para a realização da audiência preliminar, veio a ré arguir a incompetência em razão da matéria do tribunal poveiro, sustentando ser competente para a acção o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia. Na audiência preliminar, o Ex.mo Juiz da Póvoa de Varzim, apreciando a arguida excepção, julgou-a procedente, declarando o tribunal incompetente, em razão da matéria, e absolvendo a ré da instância. Mas a autora requereu, de imediato, que, nos termos do art. 105º/2 do CPC, se declarasse o aproveitamento dos articulados oferecidos, e se remetesse o processo ao tribunal competente, o que, com o acordo da ré, foi deferido. Recebidos os autos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia e aí operada a selecção da selecção da matéria de facto, seguiu o processo a sua normal tramitação, vindo a efectuar-se a audiência de discussão e julgamento e a ser proferida sentença, na qual o Ex.mo Juiz declarou anuladas as deliberações sociais em causa, por inquinadas de abuso de direito. A ré interpôs, da sentença, o pertinente recurso de apelação. Sem êxito, porém, pois a Relação do Porto, julgando improcedente a apelação, confirmou a sentença recorrida. De novo inconformada, a ré traz agora, a este Supremo Tribunal, recurso de revista, finalizando as respectivas alegações com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª - Os factos elencados sob os n.os 50 a 54 da sentença da 1ª instância são pretensa resposta aos quesitos 10º a 15º da base instrutória, os quais contêm, nuns casos, simples conclusões - pois não assentam em factos concretos - e, noutros, claros juízos de valor (factos esses que deveriam ser a conclusão obtida através de factos instrumentais da vida real que permitissem fazer aquela asserção, não tendo sido feita qualquer tipo de prova desses factos); 2ª - Existe, assim, erro na fixação dos factos materiais da causa, sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência, o que se invoca ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 722º do CPC; 3ª - Há omissão de pronúncia do Tribunal da Relação ao não ter apreciado a questão suscitada no ponto 7º das alegações da apelação, onde se invocou não existir qualquer fundamento, nem prova produzida, para que na sentença da 1ª instância se ampliasse a resposta ao quesito 8º da base instrutória; 4ª - Deve confirmar-se o acórdão recorrido no sentido de não se terem por anulados os pontos 1 e 2 da deliberação impugnada ou, se assim se não entender, considerar-se que há omissão de pronúncia do acórdão recorrido, nessa matéria; 5ª - Para que exista abuso de direito é necessário que a deliberação exceda os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social, tornando-se escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico; 6ª - Só pode ter-se como abusiva a deliberação susceptível de causar dano à sociedade ou aos outros sócios que traduza essa ideia na forma de um excesso manifesto; 7ª - Na deliberação impugnada não ocorreu qualquer abuso de direito; 8ª - A deliberação que consistiu na destituição de gerente da autora, ocorreu dentro do normal exercício societário de livre destituição de gerentes, previsto no art. 257º/1 do CSC; 9ª - Dizer que da deliberação ocorreu prejuízo para a autora ou vantagem especial para o outro sócio, com os elementos factuais disponíveis, não passa de mera conjectura; 10ª - Acresce que da matéria factual dos autos resulta evidente que, ainda que tivesse existido abuso de direito - o que não se admite - a deliberação teria sido tomada mesmo sem o voto abusivo, face à posição maioritária do sócio C , o que obstaria à anulação da deliberação, face ao disposto no art. 58º, n.º 1, alínea b), 2ª parte do CSC; 11ª - Decidindo-se como se decidiu, foi violado ou feita errada interpretação do disposto nos arts. 58º/1.b) e 257º/1 do CSC, e dos arts. 511º e 646º/4 e 668º/1.d) do CPC. Em contra-alegações, a autora sustenta a total falta de fundamento das questões suscitadas pela recorrente. Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.2.Vem, das instâncias, assente o seguinte quadro factual: I - A autora instaurou contra a ré, em 15.09.99, no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, como preliminar desta acção - processo apenso; II - Tal procedimento foi julgado improcedente, por decisão de 07.02.00, do Ex.mo Juiz do 2º Juízo do aludido...

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