Acórdão nº 03B3786 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A, Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, SA" intentou, no 7º Juízo Cível do Tribunal de Lisboa, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra B, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 2.015.275$00, acrescida de juros moratórios vencidos, no montante de 159.268$00, e vincendos

Alegou, para tanto, que: - o réu comprou à "C", a prestações, um veículo Opel, modelo Astra 1.7 TD, tendo na mesma data a vendedora e a ora autora celebrado contrato de financiamento e contrato de cessão de créditos, sendo assim financiada pela autora a referida aquisição e cedidos pela vendedora à autora os seus direitos de crédito sobre o réu, bem como as inerentes garantias, do que tudo o réu tomou conhecimento e aceitou; - ora aquele réu, a partir da 2ª prestação, deixou de pagar, vencendo-se assim, com aquela, as demais prestações; - veio o réu a entregar o veículo na A, como dação pro solvendo; - resultando, após a venda de tal veículo, a quantia em dívida do crédito da autora de 2.014.275$00; - sendo devidos juros de mora, à taxa convencional de 24% ao ano

Contestou o réu: - arguindo a nulidade, por falta de forma, do contrato de mútuo, em que se resolve o invocado financiamento, celebrado entre o réu e a autora, sustentando não poderem assim ser exigidos juros, na parte relativa ao mútuo; - sustentando serem tais juros, em qualquer caso, usurários, dado que existia uma verdadeira garantia real, por o negócio de compra e venda ter sido com reserva de propriedade; - para além de o valor em dívida, após a segunda venda da viatura, ser, em função do informado pela própria autora quanto ao preço daquela, no montante inferior ao ora peticionado, de 927.918$00; - por outro lado, a cláusula 5ª, alínea a), do contrato de compra e venda em causa, ao ligar o valor do veículo ao preço obtido pela autora na sua revenda, é nula por contrária à boa fé; - pelo que o réu terá apenas de devolver o veículo, como já fez, e deverá receber o valor da 1ª prestação por si paga, no montante de 70.225$00; - o valor do carro aquando da sua entrega à autora somado com a entrada inicial dada pelo réu perfaz o preço a contado do veículo; - posto o que é a autora quem, feitas as contas ao valor que entregou e ao que recebeu, é devedora do réu, por 506.770$00; - considerando-se o disposto na sobredita cláusula 5ª, a), quanto à resolução do contrato pela vendedora, o valor venal do veículo aquando da resolução, a entrada inicial e as prestações pagas, tem-se que ainda é a autora quem tem de pagar ao réu a quantia de 1.223.265$00; - não podendo a autora pedir juros sobre juros

Deduzindo reconvenção pediu a condenação da autora a pagar-lhe aquele último quantitativo, ou, caso se entenda que tal cláusula ou o próprio contrato são nulos, a quantia de 506.770$00

Replicou a autora, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelo réu e, bem assim, pela sua absolvição do pedido reconvencional

Seguindo o processo os seus ulteriores termos, com saneamento e condensação, veio, discutida que foi a causa, a ser proferida sentença que: - a) julgou a acção procedente e provada, condenando o réu a pagar à autora a pedida quantia de 2.015.275$00, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 159.268$00 e juros vincendos à taxa de 24%, a partir de 18/09/97, até integral pagamento; - b) julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido reconvencional

Inconformado, apelou o réu, com parcial êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 8 de Maio de 2003, julgou a apelação parcialmente procedente e alterou a decisão recorrida, no tocante aos juros moratórios, assim condenando o réu a pagar à autora, acrescidamente à pedida quantia de 2.015.275$00 (10.052,15 Euros) juros às sucessivas taxas de 20% ao ano, desde o 3° dia útil subsequente a 19/09/97, até 20/04/99, e de 17%, desde 21/04/99, até efectivo pagamento

Ainda insatisfeito, interpôs agora o réu recurso de revista, pugnando pelo respectivo provimento em conformidade com as conclusões que formulou

Em contra-alegações sustentou a autora a bondade do decidido. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir. O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O valor venal do veículo não pode ser determinado pelo preço pelo qual a autora o vendeu à revelia do réu

  1. Uma tal decisão ofende o Princípio da Confiança no Estado de Direito ínsita no art. 2° da Constituição

  2. Para determinar o montante em dívida após a resolução do contrato, ter-se-á que aplicar o critério acordado, para o efeito, pelas partes na al. a) do n° 5 das Condições Gerais do Contrato

  3. A autora não pode exigir o pagamento dos juros remuneratórios do capital após a rescisão do contrato e depois exigir ainda sobre o montante desses juros não vencidos, juros moratórios

  4. A interpretação do art. 810° do Código Civil, no sentido de transformar o montante dos juros remuneratórios que se venceriam em 60 meses, numa cláusula penal imediatamente exigível é materialmente inconstitucional, no sentido em que viola o disposto no art. 2° da Constituição, isto é, o Princípio da Confiança no Estado de Direito

  5. O acórdão cuja revista se pediu violou, assim, os arts. 406° e 810° do C.Civil, bem como um dos Princípios Fundamentais da Constituição, o da confiança no Estado de Direito, plasmado no respectivo art. 2°

Foi considerada assente pelas instâncias a factualidade seguinte: i) - o réu e "C", com sede na Rua Cidade da Beira, n° ....., em Lisboa, celebraram um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, o qual tinha por objecto o veículo de marca OPEL, modelo ASTRA, matrícula EI e que foi entregue ao réu e sujeito às seguintes cláusulas gerais: A VENDEDORA a) vende ao comprador o identificado bem ou serviço nas condições de preço e forma de pagamento indicadas nas condições particulares; b) já recebeu do comprador, por conta do preço desse bem ou serviço, o montante da entrada inicial indicado em Condições Particulares, pelo que lhe confere a correspondente quitação; c) reserva para si a propriedade do bem alienado até integral pagamento, por parte do COMPRADOR do remanescente do respectivo preço a prestações convencionado; d) recebeu da D o montante que, adicionado à entrada inicial, perfaz o preço a contado do bem alienado ou do serviço prestado, pelo que confere a correspondente quitação; e) por força do disposto na alínea anterior, cede à D os seus direitos de crédito sobre o COMPRADOR, emergentes deste CONTRATO, bem como as inerentes garantias, gerais e especiais, estas últimas consubstanciadas na reserva de propriedade e na fiança eventualmente prestada; f) por força do disposto na alínea anterior confere à D os poderes necessários para, no caso de esta ter que agir em seu nome, proceder ao cancelamento do registo de reserva de propriedade ou executar essa reserva em acção judicial de resolução deste CONTRATO, por motivo de incumprimento praticado pelo COMPRADOR; O COMPRADOR: a) aceita a venda que lhe é efectuada pela VENDEDORA, nos termos constantes deste CONTRATO; b) toma conhecimento e aceita, sem reservas, a cessão de créditos e inerentes garantias, efectuada pela VENDEDORA à D; c) confessa-se devedor e obriga-se a pagar à D as prestações do preço do bem ou serviço, nas respectivas datas de vencimento e por débito na conta bancária identificada em Condições Particulares, que se obriga a manter provisionada para o efeito; A D aceita efectuar o financiamento de venda do bem ou serviço objecto deste contrato, nos termos nele constantes; A falta ou atraso de pagamento, por parte do COMPRADOR na data do respectivo vencimento, de qualquer das prestações convencionadas...

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