Acórdão nº 03B3841 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "A" intentou, no dia 10 de Dezembro de 1996, contra B e C, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária a pagar-lhe 42 158 037$ e juros à taxa legal sobre 42 158 037$ a partir de 18 de Dezembro de 1996, com fundamento em aval dado pelos réus ao reembolso da indemnização que tivesse que pagar com base em contrato de seguro caução celebrado com D-Cerâmica Técnica SA a favor de E-Centro para o Desenvolvimento e Inovação Tecnológicos, e no pagamento de 31 697 772$ e juros moratórios na sequência de sentença que a condenou. Os réus, em contestação, afirmaram que a sua declaração de aval não assume natureza contratual, não poder valer como negócio jurídico unilateral por não estava previsto na lei, ser tal declaração é inválida por não ter sido inserida em letra, e ser nula por indeterminabilidade, acrescentando que na data da referida declaração já não estar em vigor o contrato de seguro caução, e pediram o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de preparos e custas. Na réplica, a autora afirmou que a declaração de aval deve ser entendida como declaração de fiança, haver no caso bilateralidade contratual, ser válida a fiança prestada por negócio jurídico unilateral, dever entender-se que os réus assumiram a obrigação de reembolsar até ao limite da responsabilidade garantida pelo contrato de seguro caução, estar este em vigor à data da declaração dos réus de prazo prorrogado, serem os últimos, como fiadores, obrigados a pagar juros de mora, e ampliaram a causa de pedir relativa à entrega do referido título de declaração fazendo-lhe crer ser um negócio válido e eficaz, criando-lhe expectativas, emitindo declaração não séria sob reserva mental e, com base nisso, fundando-se no artigo 227º do Código Civil, alicerçando no seu direito de indemnização o montante do pedido. Na tréplica, os réus negaram ter agido com reserva mental e o entabulamento de negociações com a autora com vista à celebração de qualquer contrato, acrescentando que se limitaram a emitir uma declaração de aval. Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 14 de Julho de 2001, que julgou a acção procedente, condenou os réus a pagar à autora € 210 283, 4, acrescidos de € 63 373,00 de juros mora vencidos até 17 de Dezembro de 1996 e dos vencidos desde então à taxa anual de 7% e, por litigância de má fé, condenou-os no pagamento da multa correspondente a sessenta unidades de conta. Interpuseram os réus recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no conhecendo do mérito, julgou-o improcedente e, por litigância de má fé no recurso de apelação, condenou-os na multa correspondente a trinta unidades de conta. Indeferido pela Relação o pedido de reforma do acórdão formulado pelos apelantes na parte relativa à deserção do recurso de apelação, interpuseram recurso de revista, afirmando, em jeito de conclusões de alegação, o seguinte: - nos termos dos artigo 150º do Código de Processo Civil e 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, as alegações do recurso de apelação foram apresentadas tempestivamente; - como o documento intitulado aval contém uma situação de indefinição e de indeterminação da obrigação a prestar pelos recorrentes, ocorre a nulidade prevista no artigo 280º do Código Civil; - a declaração unilateral subscrita pelos recorrentes não assume feição contratual nem vale como negócio jurídico unilateral por não estar como tal prevista na lei; - a lei não permite que a declaração de aval seja interpretada como declaração de fiança; - a recorrida não provou terem sido interpelados, a prova desse facto desrespeitou a lei, não estariam em mora até à citação para a acção, pelo que não podiam ser condenados nos juros de mora desde 20 de Julho de 1994; - não omitiram factos relevantes para a decisão da causa, não deduziram oposição cuja falta de fundamento não podiam ignorar, não invocaram factos que sabiam não serem verdadeiros e não protelaram o trânsito em julgado da decisão final, pelo que não podiam ser condenados como litigantes de má fé; - o acórdão recorrido violou os artigos 456º e 698º do Código de Processo Civil e 280º, 457º e 805º do Código Civil; - deve declarar-se a tempestividade das alegações do recurso de apelação, a nulidade do aval, a invalidade e a ineficácia da declaração em causa, julgar-se a acção improcedente e revogar-se a sua condenação por litigância de má fé. II A) É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso no que concerne à deserção do recurso de apelação: 1. O recurso de apelação interposto pelos recorrentes foi admitido pelo juiz por despacho proferido no dia 31 de Outubro de 2001, o qual foi notificado aos recorrentes por carta registada no correio no dia 31 de Outubro de 2001. 2. Os recorrentes requereram, no dia 15 de Novembro de 2001, cópia do aludido despacho, invocando a sua ilegibilidade, o qual foi deferido por despacho de 22 de Novembro de 2001, notificado aos requerentes por carta registada no correio no dia 22 de Novembro de 2001. 3. No dia 7 de Janeiro de 2002 pediram os requerentes uma cópia da fita magnética com a gravação das provas, que lhes foi entregue naquela data pelos serviços judiciais. 4. No dia 18 de Janeiro de 2002, os recorrentes apresentaram as alegações por telecópia e, no dia 30 de Janeiro 2002, entregaram o original respectivo com transcrição de depoimentos. B) Na primeira instância e na Relação foi considerado terem os recorrentes afirmado na contestação, com relevo para a problemática da litigância de má fé, ser o documento por eles assinado anterior ao contrato de seguro caução invocado pela recorrida, ter a sua vontade sido no sentido de se vincularem a garantir o reembolso resultante dos seguros caução existentes à data do mesmo e não haverem sido interpelados antes da citação para a acção para pagarem fosse o que fosse. C) É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. No decurso do primeiro trimestre de 1990, "D-Cerâmica Técnica SA" candidatou-se à atribuição de subsídio financeiro destinado à execução de um projecto para economia de energia. 2. A entidade financiadora exigia uma garantia para a concessão do referido subsídio e, para satisfazer essa exigência, o réu contactou a autora, que se dedica à actividade seguradora, com vista à obtenção de um seguro caução, formulando a respectiva proposta, e a segunda emitiu a apólice n.º 96/62695, válida no período de 31 de Julho de 1990 a 31 de Julho de 1991, sendo o segurado e beneficiário da apólice o "E-Centro para o Desenvolvimento e Inovação Tecnológicos". 3. Os réus emitiram, no dia 31 de Dezembro de 1990, uma declaração escrita, que intitularam como aval, na qual declararam: "se comprometem ambos, pessoal e ilimitadamente, a reembolsar a Fidelidade Grupo Segurador SA" de todas as quantias que esta seja obrigada a pagar a terceiros relativamente a todos os contratos de seguro do F em que figure como tomador do seguro a sociedade D-Cerâmica Técnica SA, por incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações que os referidos contratos de seguro caucionem. Deste modo, e porque declaram desde já renunciar ao benefício da excussão prévia dos bens da sociedade D-Cerâmica Técnica SA, nos termos das disposições combinadas dos artigos 638 e 513º do Código Civil, assumem a responsabilidade de responderem solidariamente com a referida sociedade perante a Fidelidade, por todas as dívidas que aquela perante esta contraia. 4. D-Cerâmica Técnica SA recebeu o capital do financiamento no dia 1 de Agosto de 1990. 5. Os réus, na qualidade de administradores de D-Cerâmica Técnica SA, propuseram à autora a celebração de um contrato de seguro do F, titulado pela apólice n.º 65 334, nos termos e condições constantes de folhas 4 a 11, que mais não era do que a renovação da referida sob 2, com início em 1 de Agosto de 1991, tendo sido renovada por igual período, com um capital de 43 806 875$$, isto porque D-Cerâmica Técnica SA havia celebrado, no decorrer do primeiro semestre de 1991, um contrato de financiamento com o E-Centro para o Desenvolvimento e Inovação Tecnológicos, nos termos e condições que constam dos documentos insertos a folhas 12 a 26. 6. A celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 96/65 334, bem como a prorrogação seguinte foram precedidas de negociações entre os representantes da autora, e da D-Cerâmica Técnica SA na pessoa do réu, e a primeira só aceitou as referidas prorrogações da garantia porque os réus emitiram e lhe entregaram o documento mencionado sob 5. 7. Através de tal contrato, a autora garantia as indemnizações ao beneficiário resultantes do incumprimento das obrigações da D-Cerâmica Técnica SA perante aquele organismo derivadas do contrato de concessão de incentivos financeiros ao abrigo do Decreto-Lei n.º 188/88, até ao montante de 49 900 000$. 8. Ao expressarem-se como o fizeram no documento mencionado sob 5 os réus quiseram responsabilizar-se pelo reembolso de todas as quantias que a autora fosse obrigada a pagar a terceiros relativamente a todos os contratos de seguro caução da D-Cerâmica Técnica SA, assim também tendo sido entendido pela autora, declaração que tinha subjacente os ditos contratos de seguro e comparticipação financeira, tendo a declaração dos réus sido emitida com referência ao teor desses contratos. 9. D-Cerâmica Técnica SA não propôs à autora nem esta celebrou com aquela quaisquer outros contratos de seguro caução que não o referido, nem foi referenciada a eventualidade de existência de financiamentos pedidos ou concedidos à primeira que não respeitassem à execução do mesmo. 10. Em Janeiro de 1992, o plano de pagamentos do capital mutuado foi renegociado entre D-Cerâmica Técnica SA e o E-Centro para o Desenvolvimento e Inovação Tecnológicos, propondo-se a primeira pagar seis prestações, a primeira no valor de 10 000 000$, a pagar até 31 de Janeiro de 1992, e o montante remanescente em...

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