Acórdão nº 03B3898 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2004
Magistrado Responsável | ARAÚJO BARROS |
Data da Resolução | 26 de Fevereiro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação contra B, C, e "D - Sociedade Editora, SA", pedindo a condenação destes no pagamento de 5.000.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros vincendos, à taxa legal
Alegou, para tanto, em resumo, que: - nas suas edições de 30 de Março, 13 de Julho e 20 de Julho de 1996, os réus publicaram, na denominada "Coluna do Dantas" do jornal "D", notícias alusivas a um alegado envolvimento amoroso entre E e a sua esposa; - as alusões feitas à esposa do autor são caluniosas, dada a sua total falsidade; - a esposa do autor, de seu nome F, utiliza profissionalmente o nome abreviado de ..., sendo, ao tempo dos factos, uma das directoras da agência "..."; - as notícias publicadas pelo D mereceram um comentário jocoso da revista Visão, na sua edição de 11 de Abril de 1996; - acha-se, nessa medida, lesado na sua honra, bom nome e estima pessoal, uma vez que, em consequência de tais notícias, viu a sua vida pessoal e profissional completamente desfeitas; - após a publicação das notícias pelo D, sendo comissário de bordo da TAP, passou a ser alvo de observações jocosas dos seus colegas de trabalho e até de passageiros; - perante os vexames a que foi sujeito após a publicação das notícias, o autor pediu uma licença de serviço sem vencimento, que lhe foi concedida, após o que se ausentou para Angola, onde permaneceu durante largo período de tempo; - devido a constantes discussões, consequência das notícias publicadas pelo D, o casal constituído pelo autor e por F acabou por se separar definitivamente, levando esta consigo a filha do casal; - em face do conteúdo das notícias publicadas pelo referido periódico, o autor viu, assim, o seu bom nome, estima e dignidade moral prejudicados no meio social em que vivia e trabalhava, tendo sido vexado, humilhado e achincalhado na sua honra e dignidade, sofrendo, por isso, danos de natureza não patrimonial
Citados os réus, a primeira pessoalmente e os restantes por éditos, não contestaram, sendo que o representante do Ministério Público, citado para os representar, igualmente não contestou
Exarado despacho saneador tabelar, procedeu-se, mais tarde, a julgamento com decisão acerca da matéria de facto, vindo depois a ser proferida sentença em que, julgada a acção improcedente, foram os réus absolvidos do pedido
Inconformado apelou o autor, sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 26 de Junho de 2003, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Interpôs, então, o autor recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por decisão que julgue a acção totalmente procedente. Não houve contra-alegações. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir. O recorrente findou as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. A questão essencial e determinante, objecto do presente recurso, consubstancia-se, por um lado, na necessidade imperativa de averiguar se as notícias escritas e publicadas pelos ora recorridos são ofensivas do direito de personalidade - honra, bom nome, reputação e estima pessoal - do recorrente, e por outro lado, e consequentemente, determinar a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual. 2. Na verdade, no âmbito dos direitos especiais de personalidade, entre outros, distingue-se o direito à inviolabilidade pessoal que, na sua projecção moral, se consubstancia no Direito à Honra
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Ora, o conceito de honra, em sentido amplo, abrange ainda a honra extrínseca, ou seja, o bom nome e a reputação de cada indivíduo, sendo o conceito de reputação entendido como o apreço social e a imagem que os outros dão e atribuem a cada pessoa, atendendo às suas qualidades e valores pessoais
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De resto, é consensual na doutrina que o artigo 70º do Código Civil, reconhecendo um direito geral de personalidade, abarca um número de direitos especiais de personalidade não taxativo, englobando, nomeadamente, a tutela de bens da vida, da liberdade, da honra, da intimidade pessoal, da identificação pessoal, da história pessoal, da verdade pessoal
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Assim, quem ofender a honra alheia, entendida esta em toda a sua extensão e globalidade, e consequentemente violar o direito especial de personalidade de outrem, ficará sujeito às sanções legais previstas nos artigos 70°, n° 2, 483° e 484° do Código Civil
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E para que haja efectivamente essa violação basta que o lesante, por qualquer modo ou actuação, ameace ou tenha uma conduta meramente negligente que ofenda a honra alheia
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Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido é o retrato ou a imagem fiel do total desconhecimento ou alheamento da situação actual relativa aos comportamentos relacionais, atendendo ao modus vivendi nas modernas sociedades
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As falsas notícias escritas e publicadas pelos recorridos descrevem, de modo ofensivo e jocoso, uma eventual ligação amorosa entre a então mulher do ora recorrente e E
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Pelo que dos referidos textos retira-se, imediata e directamente, que o recorrente estaria a ser publicamente "enganado" e humilhado pela sua mulher
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Na verdade, ao serem divulgadas tais notícias, de modo sistemático e exaustivo, o recorrente viu violada a intimidade da sua vida privada e prejudicada a sua honra e reputação
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Ora, é evidente que os recorridos agiram de forma gravemente ofensiva dos direitos do recorrente, unicamente com objectivos de humilhação e vexame público, e é inquestionável que o conteúdo das referidas notícias lesou directa e intimamente a honra e reputação do recorrente
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De facto, como é do conhecimento público e da experiência comum, tal situação vexatória e pública, gera em toda a sociedade um sentimento e consciência de reprovação social e chacota geral, levando a que o ofendido seja de tal forma pressionado, que acaba por resultar numa inevitável lesão da sua reputação, bom nome e honra
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Na verdade, como consequência directa das notícias publicadas, o recorrente não só foi afectado na sua vida privada, como também sofreu graves abalos na sua vida profissional, e é manifesto que, com a publicação dos textos, o recorrente ficou, gravemente, desmerecido na consideração do seu círculo de relações pessoais e laborais
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De resto, tal desastroso resultado, da exclusiva responsabilidade dos recorridos, afigurava-se como consequência óbvia, e portanto, inevitável
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Sendo que os danos não patrimoniais - resultantes das ofensas à honra, bom nome e reputação - sofridos pelo recorrente são o resultado directo, imediato e inevitável das notícias elaboradas e divulgadas pelos recorridos
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Por todo o exposto, e atento o artigo 484° do CC que se subordina ao princípio geral do artigo 483° do mesmo diploma, verifica-se que os recorridos actuaram de forma voluntária, dolosa e ilícita, existindo, inequivocamente, um nexo de imputação dos factos aos recorridos, a verificação de danos sofridos pelo recorrente e, por fim, o nexo de causalidade entre os factos descritos e aqueles danos
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Assim, ao decidir de modo diferente, o acórdão recorrido violou lei substantiva, por erro de interpretação dos artigos 70° e 484° do Código Civil
Encontra-se assente a seguinte matéria fáctica: i) - os réus B e C são jornalistas do jornal "D", publicação com periodicidade semanal, sendo a 3ª ré a proprietária do mesmo periódico; ii) - na sua edição de 30 de Março de 1996, os réus publicaram na denominada "Coluna do Dantas" do jornal D, um artigo intitulado "E", com o seguinte teor: "E anda encantado com F, a moreníssima ex-modelo que é irmã de G". Uma aproximação «radical» que lhe poderá valer na estratégia a adoptar, este fim de semana, no Congresso do PPD/PSD. Para já, três dias de reflexão do par em Madrid. Em caso de fracasso, e dado que F é hoje uma das directoras da agência Elite, talvez o «charme» santanista abra a E uma brecha como modelo. Com H e I ao lado, nas «passereles» da fama"; iii) - ainda na mesma edição do "D", a fls. 47, na denominada "Notícias ...", os réus publicaram um artigo com o seguinte teor: "Agora que E está solteiro, iremos ver o dirigente social-democrata discursar com este ar lavadinho? Com o fato impecável e bem passado? Ou será que a sua mais recente conquista já tratou do assunto? É que num congresso que define lideranças, a instabilidade dos casamentos de E pode ter algo que se diga. Nota-se logo se o fato está amarrotado"; iv) - na sua edição de 13 de Julho de 1996, os réus publicaram na denominada "Coluna do Dantas" do jornal "D", um artigo intitulado "E apaixonado", com o seguinte teor: "Uma vizinha de F disse-me que viu E nas escadas. Há tempos. O ex-presidente do ... está agora firme ao lado da grande paixão da sua vida, J"; v) - na sua edição de 20 de Julho de 1996, os réus publicaram na denominada "Coluna do Dantas" do jornal D, um artigo intitulado "Sem abrigo", com o seguinte teor: "E ficou furioso com uma nota aqui publicada na semana passada. Tem razão. Até porque o local deu azo a mais uma zanga com a sempre emocional J. E, desculpe estar sem abrigo, mas a culpa é da vizinha de F que, por acaso, também está sem abrigo"; vi) - a mulher do autor, F, utiliza profissionalmente o nome abreviado de F; vii) - a mulher do autor era, ao tempo da publicação dos artigos referidos, uma das directoras da agência "..."; viii) - na sua edição de 11 de Abril de 1996, a revista "Visão" publicou um artigo com o seguinte teor: "As irmãs .. são vítimas de perseguição, não há dúvida: depois da boataria a respeito de E e G, vem o D (edição de 30 de Março) revelar que o presidente do Sporting andaria "encantado" com F, a irmã mais velha - e muito mais interessante... de G. Mas...; ix) - o jornal "D" é um periódico que cobre todo o território de...
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