Acórdão nº 03P515 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em processo comum colectivo do Tribunal Judicial da comarca da Mealhada, e depois de longo e penoso percurso processual, foi enfim proferido acórdão que absolveu os arguidos PMGP, JAM, FMMF e RPF, todos devidamente identificados, de um crime de associação criminosa, tendo-os condenado: A - O PMGP: a) Como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena de 9 anos de prisão; b) Como autor de um crime de detenção ilegal de arma na pena de 5 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena de 9 anos e 2 meses de prisão; B - O JAM: a) Como autor de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 6 anos de prisão; b) Como autor de um crime de detenção ilegal de arma na pena de 4 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena de 6 anos e 1 mês de prisão; C - O FMMF, como autor e reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena de 11 anos de prisão; D - O RPF, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, na pena de 10 anos de prisão (1). Inconformados, dele interpuseram recurso para a Relação de Coimbra os arguidos PMGP, FMMF e RPF, recursos visando a matéria de facto e de direito, na sequência dos quais foi decidido alterar pontualmente a matéria de facto provada e negar, no mais, provimento aos recursos. De novo irresignados, recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça os arguidos PMGP, por um lado, e, em peça conjunta, FMMF e RPF, por outro, culminando terminando as respectivas motivações do seguinte modo: A) O primeiro 1. A decisão proferida pelo Mmo. Juiz da primeira instância, que indeferiu o pedido de inquirição duma testemunha arrolada por um co-arguido, não integra uma nulidade, mas, diferentemente, um erro de julgamento. 2. A situação processual em avaliação não se reconduz a simples omissão duma diligência reputada essencial ao esclarecimento da verdade, antes preenche um quadro totalmente distinto, de recusa explícita de execução da diligência . 3. O Tribunal tomou uma decisão expressa sobre a necessidade da diligência, recusando-a por ponderar que não tinha interesse para a descoberta da verdade. Decidiu mal, mas decidiu. 4. Neste contexto, não faria qualquer sentido invocar a nulidade (que só poderia ser da decisão) e colocar o Tribunal perante a hipotética situação de contradizer uma decisão que acabava de ser tomada. 5. A partir do momento em que o Tribunal decidiu que a diligência não tinha interesse para a descoberta da verdade, o problema deslocou-se imediatamente do campo das nulidades para o do julgamento. 6. A decisão proferida pode, por isso, ser impugnada pela via do recurso. 7. A entender-se, não obstante, que a questão se situa, no singelo domínio das nulidades, não pode deixar de considerar-se que ao requerer a inquirição da testemunha como diligência essencial para o esclarecimento da verdade, o Recorrente estava, por definição, a arguir a nulidade da respectiva omissão. 8. E, visto de outro ângulo, a decisão que indeferiu a diligência estava, por seu turno, a indeferir a arguição da nulidade. 9. Ao decidir, como decidiu, de modo contrário, o douto acórdão em mérito fez errada interpretação e aplicação do disposto na al. d) do nº 2 e na al. a) do nº 3 do art. 120º 10. Até porque a invocação da al. a) do nº 3 daquele preceito - que impõe a arguição da nulidade "antes que o acto esteja terminado", se o interessado a ele estiver presente - pressupõe que, no caso em apreço, estaríamos perante uma nulidade da audiência, o que não pode aceitar-se. 11. Do que se trata, nessa hipótese, é de uma nulidade do processo, enquanto conjunto de actos pré-ordenados, no seu todo, à justa decisão do caso, não da nulidade do simples acto da audiência de julgamento. 12. Terminada a audiência de discussão e julgamento, "o presidente declara encerrada a discussão, pelo que estava esgotada a possibilidade de a nulidade ser arguida perante o próprio tribunal. 13. Daí que, salvo melhor opinião, não faça qualquer sentido trazer à colação o disposto no art. 105º, n.º 1, demais a mais esquecendo, como se verifica no douto acórdão em mérito, o disposto no artigo 150º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Sem prescindir: 14. A afirmação de que o Arguido pretendia auferir uma avultada compensação remuneratória, sem que se tenha apurado minimamente o respectivo valor, integra um mero juízo de valor, portanto, matéria de direito, que não podia constar do elenco dos factos provados, pois contraria o nº 2 do art. 374º (que se reporta apenas a factos) e, por essa via, integra o vício da al. a) do nº 1 do art. 379º ou, no mínimo, da al. a) do nº 1 do art. 380º . 15. O douto acórdão impugnado considerou, no entanto, que "a nulidade da sentença prevista na al. a) do n.º 1, do art. 379º, verifica-se, exclusivamente quando aquela não contém as menções referidas no art. 374º, nos 2 e 3, al. b), pelo que não constitui aquela nulidade a inclusão na sentença, designadamente na decisão de facto, de matéria conclusiva ou consubstanciadora de um juízo de valor", pois "o que constitui nulidade (...) é a omissão ou - insuficiência de fundamentação (...) e não a inclusão na fundamentação de matéria conclusiva ou juízos de valor", 16. além do que "no foro criminal, ao contrário do que sucede no foro civil, ao tribunal compete apurar da verificação dos elementos constitutivos do crime - de todos os elementos - dando-os como provados ou não provados, pelo que lhe compete investigar da ocorrência de elementos não puramente factuais, mas também da ocorrência de elementos normativos, os quais, atenta a sua complexidade e dificuldade ou impossibilidade de tradução em puros factos, acarretam as mais das vezes a formulação de juízos, com as correspondentes conclusões, juízos e conclusões que o tribunal não pode deixar de incluir na decisão" . 17. O Recorrente não se conforma com esta decisão, porque nela se confundem dois planos que podem e devem ser rigorosamente separados: o plano da decisão de facto e o plano da aplicação do direito. 18. Os factos consubstanciam-se em ocorrências individuais e concretas; as normas ou juízos, em quadros gerais e abstractos. 19. Os juízos ou conclusões assentam sempre sobre premissas, que são precisamente os factos. 20. O elemento da factualidade típica agora em questão ("avultada compensação remuneratória") tem um inegável conteúdo normativo. 21. O legislador decidiu não tipificar os parâmetros que permitem qualificar uma determinada compensação remuneratória como "avultada", remetendo a decisão para o prudente arbítrio dos Tribunais. 22. Mas não pode aceitar-se o entendimento subjacente ao douto acórdão de que, além de não tipificar os parâmetros daquele conceito, o legislador prescindiu totalmente desses parâmetros, ficando o Tribunal dispensado de explicitar o valor ou valores concretos que permitem considerar uma determinada remuneração como avultada. 23. Aquele - e qualquer outro elemento normativo do tipo assenta e só pode assentar em factos concretos que se reconduzem, na circunstância, a valores concretos. 24. A falta de enunciação desses valores concretos que, no caso vertente, é completa - consubstancia, além do mais, o vício da al. a) do nº 2 do art. 410.º e, como o Recorrente sustentou e sustenta, ofende o art. 374º, nº 2, e importa a nulidade da al. a) do nº 1 do art. 379º. 25. Mais importante do que isso: prescindir desses valores implica uma interpretação ostensivamente inconstitucional da al. c) do art. 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, porque violadora do princípio da tipicidade do direito penal e, portanto, do n.º 1 do art. 29º CRP . Termos em que, revogando o douto acórdão impugnado, farão Vossas Excelências a habitual Justiça! B) Os segundos: Por seu turno concluem os recorrentes FMMF e RPF: 1 - O acórdão recorrido é nulo por ter omitido pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto vertida nas conclusões 3 a 8 do recurso interposto para a Segunda Instância. 2 - E é nulo visto o disposto no artigo 379º, n.º 1, al. c) do CPP . 3- Face à matéria apurada, não pode ser imputada aos recorrentes a autoria de um crime p. e p. pelos artigos 210º e 24º, al. c) do DL 15/93, e o recorrente FMMF não pode ser considerado reincidente. Na verdade, 4 - E no que à alínea c) concerne, a materialidade apurada é rigorosamente o teor da norma. Não foram aduzidos factos que possam integrar-se na mesma. 5 - O recorrente FMMF foi condenado como reincidente invocando-se para o efeito decisão proferida em país estrangeiro, que, no entanto, não consta do CRC. 6 - Assim, não pode ser condenado como tal. 7 - Vistos os critérios do artigo 71º do CP, bem como a moldura penal abstracta, adequa-se aos recorrentes a pena de cinco anos de prisão. 8 - Ao ter decidido de outra forma, violou a decisão recorrida os normativos citados em 3,4 e 7. 9 - Assim, impõe-se a sua revogação, nos termos reclamados, com o que se fará Justiça. Respondeu o MP junto do tribunal recorrido defendendo em suma: 1. Por força do disposto nos artigos 432º, b), e 400º, n.º 1, al. c), do CPPenal, não é de conhecer o recurso de PMGP interposto do despacho que indeferiu a inquirição de uma testemunha durante a audiência de julgamento. 2. Não existe a pretensa nulidade do acórdão recorrido, pois este pronunciou-se sobre a matéria de facto impugnada e justificadamente considerou legítima a inclusão na mesma do facto de os arguidos terem agido com a intenção de obterem elevada compensação remuneratória (art. 379º, n.º 1, als. a) e c), do CPPenal). 3. Por força do disposto no artigo 75º, n.º 3, do CPenal, é de atribuir relevo jurídico à condenação de 8 anos de prisão sofrida pelo arguido FMMF em 1996 em Espanha, pela prática de um crime de tráfico de droga, pelo que não merece reparo a sua condenação como reincidente. Assim, negando provimento aos recursos, farão V. Ex.as inteira Justiça. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nada requereu. As questões a decidir são essencialmente estas: 1. A questão prévia da alegada...

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