Acórdão nº 03P852 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução08 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS (1) "A" e B foram casados entre si e, apesar de divorciados, continuam a fazer vida em comum. São pessoas abastadas, que investiram dezenas de milhares de contos no mercado bolsista. Em 1988 conheceram o arguido, que, à data, era funcionário na Agência da Av. dos Aliados da ...s e se encarregou de vários assuntos relacionados com aplicações financeiras suas. Entre o casal e o arguido desenvolveu-se, então, uma relação de grande amizade, concretizada no convívio frequente entre as famílias de ambos, visitas recíprocas e viagens conjuntas. Paralelamente, e devido à plena confiança que depositavam no arguido, o casal foi-lhe confiando quantias avultadas para investimento, tanto mais que o arguido era considerado, nos meios financeiros, como um "expert" em assuntos da Bolsa, exercendo as funções de director da ... , a partir de 1990. Era o arguido que lhes sugeria as aplicações de capital mais favoráveis e lucrativas e que tratava de todas as operações de compra e venda de títulos mobiliários. Nas ocasiões propícias à aquisição ou venda de acções, na residência deles, o arguido explicava-lhes o investimento a fazer. O arguido, relativamente às transacções já efectuadas, elaborava um manuscrito que continha o preço por acção e o total a pagar, e que servia também para acerto de contas. Nesse mesmo papel, o arguido consignava o valor que por eles lhe era entregue para pagamento e o eventual saldo, e, normalmente, rubricava o documento. (...) (2) Em Janeiro de 1998, a assistente B, igualmente a conselho do arguido, deu ordem para a compra de 8.000 acções do .... O arguido calculou o custo global de 30.168.480$ e ela entregou-lhe dois cheques, um com o nº 3002532599 sacado sobre o ... no montante de 25.000.000$, e outro, com o nº 1577173612 sacado sobre o ... no montante de 5.168.480$. Em 30/01/98, o arguido vendeu as referidas acções pela quantia de 32.492.629$, que recebeu em nome dela, e aconselhou-a a reinvestir na aquisição de 9.600 acções do .... Com a concordância de B e com a referida quantia, o arguido comprou as acções do ... por 32.379.227$, e depositou a diferença entre a venda e a compra - 113.420$ - na conta dela no .... Em 26/02/98, o arguido vendeu as 9.600 acções do ..., com isso obtendo a quantia de 33.134.465$, conforme escrito por si lavrado e a ela entregue. Mas, ao invés de lho entregar, o arguido aconselhou-a a reinvestir o referido montante em acções da ... e da .... Assim, a assistente deu a ordem de compra de 8.000 acções da ... e 13.000 acções da .... Para a compra das acções da ..., seriam despendidos aqueles 33.134.465$, que o arguido já tinha na sua posse, deduzidos de 10.547$ que devolveu, tendo-lhe esta entregue ainda um cheque, no valor de 977.862$, destinado à aquisição das acções da ..., de acordo com as contas efectuadas por ele. Além disso, a assistente entregou ainda um outro cheque do ..., com o n.º 7717374, no valor de 9.000.000$, destinado à aquisição de mais 2175 acções da .... O arguido ficou na posse da quantia global de 43.101.880$ (3), não tendo, até à data, entregue à assistente nem as acções da ... e da ... nem o valor destinado à aquisição de tais títulos. (...). Entre 5 e 7Jun99, o escritório da fábrica dos assistentes, sito na Maia, foi objecto de um assalto, tendo sido especificamente remexida uma pasta que continha os manuscritos referidos, bem como outros documentos relacionados com transacções efectuadas pelo arguido em nome deles. O autor do assalto destruiu, com uma tesoura, os referidos manuscritos, cortando-os em inúmeros bocados. Com paciência e minúcia, o empregado de escritório dos assistentes, C, conseguiu recolher esses pedaços e reconstituir os documentos originais, por meio de colagem. (...) O arguido apoderou-se do montante de 43.101.880$ pertencente à assistente, não tendo, até à data, entregue a esta tal montante ou as acções que tal montante se destinava a adquirir, ciente de que agia sem o consentimento e contra a vontade da assistente. Com a descrita conduta, causou à assistente B um prejuízo de 43.101.880$. Agiu livre e voluntariamente, ciente de que a sua conduta era proibida por lei. Em 6.10.98 o arguido depositou na conta nº 200011704, de que o assistente era titular no ..., a quantia de 2.500.000$; em 6.11.98, a quantia de 2.500.000$; em 7.12.98, a quantia de 2.500.000$; em 7.01.99, a quantia de 2.500.000$; em 8.02.99, a quantia de 2.500.000$; em 8.03.99, a quantia de 2.500.000$; em 8.04.99, a quantia de 2.500.000$; em 10.05.99, a quantia de 2.500.000$ (4) (5) ; em 1.06.98, o arguido depositou a favor da assistente a quantia de 209.323.287$; em 6.07.98, a quantia de 1.212.500$; em 6.08.98, a quantia de 1.212.500$; em 6.08.98, a quantia de 1.212.500$; em 7.09.98, a quantia de 1.212.500$; em 7.09.98, a quantia de 2.500.000$; em 6.10.98, a quantia de 1.212.500$; em 6.10.98, a quantia de 2.500.000$; em 6.11.98, a quantia de 1.212.500$; em 6.11.98, a quantia de 2.500.000$; em 7.12.98, a quantia de 1.212.500$; em 7.12.98, a quantia de 2.500.000$; em 7.01.99, a quantia de 1.212.500$; em 7.01.99, a quantia de 2.500.000$; em 8.02.99, a quantia de 1.212.500$; em 8.02.99, a quantia de 2.500.000$; em 8.03.99, a quantia de 1.212.500$; em 8.03.99, a quantia de 2.500.000$; em 8.04.99, a quantia de 1.212.500$; em 8.04.99, a quantia de 2.500.000$; em 10.05.99, a quantia de 1.212.500$; em 10.05.99, a quantia de 2.500.000$ (6) (7). O processo de crescimento e desenvolvimento do arguido decorreu de uma forma equilibrada, no seio de um agregado que lhe proporcionou acompanhamento e afecto. Com o estatuto de trabalhador estudante obteve a licenciatura em história e, posteriormente, em direito. Da família que constituiu há 22 anos tem 2 filhas, existindo no seio do agregado familiar um relacionamento harmonioso e pautado pela entreajuda. A mulher é doméstica. O arguido exerce a advocacia, tendo avenças com algumas empresas. Da referida actividade aufere rendimento liquido mensal de 600.000$. O arguido confirmou parte dos factos constantes da acusação e dados como provados, o que teve relevância, embora não decisiva, para a descoberta da verdade. Nada consta do seu CRC. 2. A condenação Com base nestes factos, a 4.ª Vara Criminal do Porto (8), em 30Abr02, condenou D, como autor de um crime de abuso de confiança (art. 205.1 e 4.b do CP), na pena de três anos de prisão suspensa por quatro anos, sob a condição de pagamento, em um ano, da quantia de 43.101.880$ e respectivos juros de mora (9): Diferentemente do furto, o abuso de confiança consiste em o agente fazer sua (apropriar-se) uma coisa móvel alheia que já detém (10). A apropriação não acompanha a posse ou detenção da coisa, sucedendo antes a essa mesma posse ou detenção. Com efeito, o agente começa por receber a coisa validamente, passando a possui-la ou a detê-la de forma licita, embora a título precário ou temporário, só que, a posteriori, vem a alterar, arbitrariamente, o título de posse ou detenção, passando a dispor dela ut dominus. Deixa, pois, de possuir em nome alheio, fazendo entrar a coisa no seu património ou dispondo dela como se fosse sua, em qualquer dos casos com o propósito de não a restituir (11). Vistos os elementos típicos do crime de abuso de confiança e tendo em conta os factos dados como provados, em particular que o arguido se apoderou do montante de 43.101.780$ pertencente à assistente B, não tendo, até à data, entregue a esta nem o referido montante nem as acções que tal montante se destinava a adquirir, ciente que agia sem o consentimento e contra a vontade da assistente, entendemos que estão preenchidos aqueles elementos típicos, quer os objectivos quer os subjectivos. Praticou, pois, o arguido o crime de abuso de confiança pelo qual veio acusado. Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar...

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