Acórdão nº 03P984 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Abril de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução03 de Abril de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O arguido LCCV, devidamente identificado foi julgado pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Loures e, a final, na procedência da acusação pública, condenado, como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. nos artigos 131º, 132º, n.º 2, d), e 22º do Código Penal, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; como autor material de um crime de ofensas corporais previsto no artigo 143º, n.º 1, do mesmo Código, na pena de 8 meses de prisão; em cúmulo jurídico daquelas penas, na pena única de 5 anos de prisão. Na procedência do pedido cível, foi ainda condenado a pagar ao assistente, a título de danos patrimoniais, a quantia de 30.000$00 e a título de danos não patrimoniais, 1.000.000$00, tudo com juros à taxa de 7% desde a citação até integral pagamento. Inconformado, o arguido recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, mas como o recurso não versava exclusivamente matéria de direito, foi reencaminhado para a Relação de Lisboa. Naquele recurso o recorrente delimitava assim conclusivamente o âmbito do seu recurso: 1- O Douto Acórdão ora recorrido revela insuficiente matéria de facto dada por provada. Faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são absolutamente necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação do arguido. 2- Não foi indagada com a necessária profundidade e rigor qual a intenção do arguido no momento da ocorrência dos factos e não foram reunidos elementos de facto suficientemente indiciadores da intenção do arguido em tirar a vida do assistente. 3- É evidente que o Douto Tribunal ficou convencido, pelos elementos de prova que lhe foram apresentados em audiência, de que o arguido terá agido com a intenção de matar o assistente. No entanto, claudicou o Tribunal ora recorrido em explanar no seu acórdão, com suficiente clareza, exactidão e segurança qual a matéria de facto que o levou achegar a essa conclusão. 4- O Tribunal a quo, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante. No cumprimento do dever da descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340º do C.P.P, o Tribunal podia e devia ter ido mais longe, ficando por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa. 5- Nomeadamente, ficou investigação por fazer sobre: a - o estado de exaltação ou não do arguido b- as razões que existiram ou não para tal exaltação c- os pormenores concretos sobre o negócio da venda do automóvel que motivaram a discussão. d- a verificação ou não de provocação sobre o arguido. f- a análise da arma branca utilizada pelo arguido, bem como a sua aptidão para matar . g- o tempo exacto que sobreveio entre a primeira agressão sobre o assistente (cabeçada) e a segunda (dois golpes nas costas). 6- O Douto Acórdão ora recorrido não aborda a questão do tipo de dolo que o arguido terá manifestado na sua acção, pelo que se depreende que a medida da pena terá sido escolhida à revelia de tais considerações. 7- A insuficiência da matéria de facto trazida à colação pelo Tribunal a quo, que determinará a repetição do julgamento para ampliação da mesma, traduziu-se necessariamente numa condenação do arguido injusta, por presumir onde deveria justificar e excessiva, por condenar quando deveria investigar. 8- Mesmo que se entenda ser suficiente a matéria de facto apurada no Douto Acórdão recorrido, não parece que esta indicie a prática de um crime de homicídio na forma tentada. 9- Na realidade, o ilícito aqui cometido pelo arguido parece antes preencher os pressupostos do crime consumado de ofensa à integridade física grave p.p. pelo art.º 144º, alínea d) do C.Penal (talvez até qualificada nos termos do art.º. 146º do C.Penal), mas nunca preenchendo o crime de tentativa de homicídio (ainda para mais qualificado).(1) 10- O Tribunal a quo, em jeito de conclusão lacónica e precipitada, ensaia uma resposta tão simples quanto perigosa: dúvidas não subsistem de que o arguido tinha a intenção de matar o assistente. Agora os quês e os porquês de tal convicção permanecem misteriosamente selados. 11- A arma utilizada pelo arguido não causou maiores danos porque não era meio idóneo para os provocar e a hipótese de o arguido sabê-lo quando a utilizou levanta dúvidas sobre a sua intenção de matar que não são de desprezar . 12- No presente caso, ou não foi atendida toda a prova (explicando-se por isso a insuficiência da matéria de facto) ou se foi atendida, não foram afastadas as dúvidas que surgem ao tentar compatibilizar uma inequívoca intenção de matar com as respectivas consequências que não apresentam gravidade proporcional à tal suposta intenção. 13- De uma forma ou de outra, resulta desta conclusão que não ficou demonstrado para além de qualquer dúvida a certeza de que o arguido, quando agrediu o assistente da forma que consta dos autos, tenha querido matá-lo, mas tão somente feri-lo com gravidade. 14- Mesmo que se admita que o arguido tenha querido matar o assistente e que só não logrou atingir os seus objectivos por circunstâncias alheias à sua vontade, manifesta-se como de muito difícil aceitação que tal intenção seja especialmente censurável e merecedora da qualificação expressa no art.º 132º do C.Penal. (2) 15- A exaltação foi o estado de espírito patente em todos os intervenientes na altura do acontecimentos e foi essa a razão que determinou a conduta do arguido e não o simples motivo de ter sido excluído de uma conversa. A "cabeça quente" de todos os intervenientes, o que se disse e o que se fez, apesar de não patente nos autos, foi a razão determinante dos acontecimentos . 16- Neste circunstancialismo, será pernicioso considerar como especialmente censurável por motivação fútil a conduta do arguido, ainda para mais quando não nos encontramos perante um crime na forma consumada, mas apenas tentado, com as dificuldades lógico-jurídicas daí decorrentes. (3) 17- Também o modo como o arguido atacou o assistente foi mais determinado pelo seu estado de exaltação do que pela sua vontade de agir de forma sub-reptícia ou dissimulada. Se o assistente se dirigia para o seu veículo e o arguido o seguiu, atacando-o logo que chegou ao pé dele, sem lhe dar tempo para se defender, foi porque os seus sentimentos de raiva e fúria o impeliram a agir o mais rápido possível e não porque pretendesse surpreender de forma desleal excessiva, por e dissimulada o assistente. 18- Este circunstancialismo poderá influenciar uma agravação da medida da pena, mas não será suficiente para qualificar o crime cometido pelo arguido. 19- Da mesma maneira que não se verifica o preenchimento da qualificação das ofensas à integridade física simples, também se não verifica tal qualificação da tentativa de homicídio, mas apenas um agravamento da penas em sede de tentativa de homicídio simples. (4) 20- O beneficio de perdão previsto no art.º 1º n.º 1 da Lei 29/99 deveria ter sido aplicado à pena de prisão de oito meses a que o arguido foi condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física simples ainda antes de ser efectuado o cúmulo jurídico das duas penas, pois assim o prevê o n.º 3 do art.º 2º da Lei 29/99. 21- A tentativa do crime de homicídio não se encontra abrangida pela letra da restrição constante da alínea a) do n.º 2 do art.º 2º da Lei 29/99. E também o não pode ser pelo espírito da lei, quer por analogia ou por interpretação extensiva, pois tal raciocínio violaria flagrantemente o princípio da legalidade no Direito Penal. 22- Parece desproporcionada por excessiva a pena de oito meses de prisão prática do crime de ofensa à integridade física simples. 23- Quanto ao crime de homicídio qualificado na forma tentada também a respectiva pena a...

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