Acórdão nº 03S192 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelVÍTOR MESQUITA
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório "A", residente na Rua Amílcar Cabral, nº .... - r/c ..., em Lisboa, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar, com sede na Avenida 25 de Abril, nº ........, na Pontinha, formulando os seguintes pedidos: - ser a sua mudança de categoria considerada ilícita e a R. condenada a repô-la na categoria de chefe de divisão de coordenação das acções internas com efeitos retroactivos desde 1 de Fevereiro de 1990 e a proporcionar-lhe condições de trabalho adequadas à sua categoria; - ser a R. condenada a pagar-lhe as diferenças salariais desde então até à data da reposição no cargo que, à data de 23 de Fevereiro de 1999, ascende a Esc. 3.007.641$00 e - ser a R. condenada a pagar-lhe juros à taxa legal supletiva sobre as quantias em dívida e até integral pagamento, ascendendo os juros vencidos em 23 de Fevereiro de 1999 a Esc.1.724.719$00. Para tanto alegou, em síntese: que trabalha para a R. desde 1987, tendo no início exercido as funções de engenheira zootécnica; que em Abril de 1988 passou a exercer as funções de chefe de divisão de coordenação de acções internas, cargo para o qual foi convidada, passando a auferir em consequência da promoção mais 20% de subsídio de isenção de horário e Esc.10.000$00 de subsídio de transporte, em senhas de gasolina, auferindo Esc.165.280$00 líquidos e tendo exercido estas funções até 31 de Janeiro de 1990; que a direcção da R. informou os seus trabalhadores, incluindo a A., através de comunicado, de que não mais a A. exerceria as funções de chefe de divisão; que passou a exercer a partir de 1 de Fevereiro de 1990 as funções de programadora-formadora, para as quais tinha sido contratada ab initio; que a partir de Maio de 1997, a R. lhe atribuiu um gabinete de reduzidas dimensões, sem acesso ao seu sistema informático e que, desde Fevereiro de 1990, não mais lhe proporcionou qualquer acção de formação. O R. contestou a acção impugnando parte do alegado pela A. e invocando no seu articulado, em síntese: que é um centro de formação profissional e um dos outorgantes do protocolo da sua constituição foi o Instituto de Emprego e Formação Profissional; que no referido Instituto os funcionários são nomeados para os cargos de responsabilidade em regime de comissão de serviço e o R., conhecedor das virtualidades de tal regime, passou a aplicá-lo antes do trabalho em regime de comissão de serviço ter sido instituído no direito laboral; que a A. votou favoravelmente o regime de comissão de serviço e aceitou exercer nesse regime o cargo de chefe de divisão de coordenação de acções internas; que foi a própria A. que se demitiu dessas funções e que pediu para voltar ao seu lugar de origem; que a atribuição de uma quantia para compensar a isenção de horário e de subsídio de transporte, foi retirada à A. após a sua demissão, dado que o exercício das funções de programadora não justificavam a atribuição destas verbas e que não discriminou a A. no seu local de trabalho. Conclui pugnando pela improcedência da acção e pedindo a condenação da A. como litigante de má fé, dado que tem perfeito conhecimento do facto de ter pedido a demissão, pois trata-se de facto por si praticado, no pagamento de uma indemnização de valor não inferior a 500.000$00 assim como no pagamento de todas as despesas do processo. A A. respondeu à contestação nos termos de fls. 58 a 60. Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e controvertida, a qual foi objecto de reclamação, oportunamente decidida. Designado dia para o julgamento, a este veio a proceder-se com observância das formalidades legais, após o que foi decidida a matéria de facto em litígio e proferida sentença que, julgando ilícita a mudança de categoria da A. efectuada pelo R., condenou este a: - repôr a A. na categoria de chefe de divisão de coordenação das acções internas com efeitos retroactivos desde 1.2.90 e a proporcionar-lhe condições de trabalho adequadas à sua categoria; - a pagar-lhe as diferenças salariais desde 1.02.90 até à data da reposição no cargo, que à data de 23.02.99 já ascende a 3.007.641$00 e, - a pagar-lhe juros à taxa legal sobre as quantias em dívida, desde a data do seu vencimento, até integral pagamento. Inconformado o R. recorreu de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por douto acórdão de 2 de Outubro de 2002, concedeu parcial provimento à apelação e alterou a sentença da 1ª instância no sentido de relegar para execução de sentença o apuramento das diferenças salariais devidas à A.. De novo inconformado o R., veio recorrer de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando nas alegações as seguintes conclusões: 1ª - As expressões "atitude de desabafo', "pressionar os superiores hierárquicos" para "optimizarem o funcionamento", apresentar "um alerta" para alguns "problemas de serviço", "relançamento da discussão" e "debate" sobre os referidos "problemas de serviço', constituem conceitos jurídicos e têm um carácter conclusivo, sendo que a Recorrida nem se deu ao trabalho de articular qualquer facto que as suporte, o que torna impossível a sua consideração como factos susceptíveis de quesitação, pelo que, nos termos dos arts. 511, n. 1 e 653, ambos do CPCivil, deverão considerar-se não escritos os quesitos 18º, 19º e 20º da Base Instrutória, ficando prejudicadas as respostas que aos mesmos foram dadas, e, ainda, ficando prejudicada a resposta dada ao quesito 21º da Base Instrutória, que a eles está intrinsecamente ligado. 2ª - O acórdão recorrido afirma a contradição de os referidos quesitos, terem a virtualidade de, simultaneamente, integrar matéria factual com interesse para a decisão da causa, contemplar realidades que não foram concretizadas, e não ter interesse de maior dentro da matéria alegada. 3ª - O Tribunal, podendo embora convidar as partes a suprir deficiências de alegação, não se pode substituir a elas na formulação de alegações que não foram pensadas, nem queridas, nem, por isso, feitas nos articulados. 4ª - A Recorrente não conseguiu explicar nem o motivo do seu pedido de demissão, nem o destino que teve tal pedido, pois, à mingua de factos, o Tribunal não pode saber por que razão se demitiu a Recorrida, nem qual o destino daquele seu pedido. 5ª- O Recorrente sustentou que existem no processo documentos que sem dúvida provam que a Recorrida quis exercer as funções de chefe de divisão em comissão de serviço e referiu expressamente os documentos que estão nos autos, escritos e assinados pela Recorrida, que impõem decisão diversa da que erradamente foi tomada, pelo que não violou o disposto no artigo 690-A, do CPCIVIL, nem o que alega contende com o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655º do C. P. C.). 6ª - E, sendo assim, resulta clara e directamente do alegado pelo Recorrente que este entende que o quesito 2º da Base Instrutória deve ser dado como provado. 7ª - O arquivamento, pelo seu Director Adjunto do Recorrente, do pedido de exoneração da Recorrida do seu cargo de chefe de D.I.I., foi ineficaz, por não ter o acordo do Conselho de Administração do Recorrente, termos em que a sentença recorrida, ao julgar assente tal arquivamento, violou o Estatuto anexo à Portaria n.º 446/87, de 27 de Maio. 8ª - Quando foi confrontado com tal arquivamento, através de documento junto pela Recorrida só depois da Contestação do Recorrente, este foi aos autos, em 15 de Julho de 1999, sustentar, designadamente, que só com a notificação da respectiva junção tomara contacto com tal documento, que nunca lhe fora entregue. 9ª - Se nenhuma prova se fez, porque nada foi quesitado, relativamente à questão controvertida de saber em que momento o Conselho de Administração do Recorrente conheceu aquele arquivamento, é injusto imputar ao Recorrente o ónus de tal omissão, pois tal significaria que o princípio do in dubio pro reu não tinha aplicação neste caso concreto. 10ª - A Recorrida não alegou, e tinha interesse evidente em fazê-lo, qualquer ratificação, pelo Recorrente, do processado pelo seu Director Adjunto. 11ª - Ao não considerar tal ónus da Recorrida, a sentença recorrida violou o disposto no art. 342º do CCivil. 12ª - É óbvio que a consequência de o arquivamento ordenado pelo Director Adjunto ser ineficaz, é, necessariamente, que o tribunal não pode julgar que tal arquivamento produziu efeitos jurídicos, antes deve considerar que nenhum efeito produziu. 13ª - Ao determinar que a Recorrida fosse classificada como Chefe de Divisão de Coordenação das Acções Internas, cargo que, aliás, não consta da P.R.T. para os Trabalhadores Administrativos, aplicável às entidades sem fins lucrativos, como é o caso do Recorrente, não se considerou que ela quis exercer tais funções, temporariamente, em regime de comissão de serviço e - o que é mais -, não considerou que a ela expressamente pediu para abandonar o exercício dessa chefia, para regressar às suas funções de técnica. 14ª - Por outro lado, ao determinar que a Recorrida fosse classificada como Chefe de Divisão de Coordenação das Acções Internas, isto é, Chefe Divisão que especificamente tem por objectivo a coordenação das acções internas, limitou-se injustificadamente o poder de direcção do Recorrente pois que este tem, "o poder de transferir o trabalhador para outro departamento", em violação do disposto no art.º. 1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL 49.408, de 24 de Novembro de 1969. 15ª - E como em nenhuma parte do acórdão recorrido foi apreciada a questão específica referida na conclusão anterior e suscitada pelo então Apelante, (sendo manifesto o interesse da mesma para a decisão da causa, pois uma coisa é ser-se Chefe de Divisão de Coordenação das Acções Internas; outra, bem diferente, é ser-se Chefe de Divisão, isto é, da divisão que a entidade patronal definir...

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