Acórdão nº 043162 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 1993 (caso None)

Magistrado ResponsávelAMADO GOMES
Data da Resolução23 de Junho de 1993
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Pelo Tribunal de Júri de Évora foi julgado o arguido A e condenado pela autoria de um crime previsto e punido pelo artigo 131 do Código Penal, na pena de 13 anos de prisão e a pagar a indemnização de 10800000 escudos a seus filhos. De tal decisão foram interpostos três recursos: dois pelo arguido e um pelo Ministério Público. O primeiro recurso do arguido foi interposto a fls. 459 do despacho proferido na acta de fls. 436 que indeferiu o seu pedido de desentranhamento dos documentos juntos a fls. 175 e 176. O segundo foi interposto a fls. 497 do acórdão condenatório. O recurso do Ministério Público foi interposto a fls. 476, do mesmo acórdão. Todos os recursos foram devidamente motivados, apresentando as seguintes conclusões que em síntese se indicam: 1 - No recurso de fls. 459 o arguido conclui que os documentos contêm uma declaração anónima e não são objecto nem elemento do crime, pelo que, nos termos do artigo 164 n. 2 do Código de Processo Penal, não é admissível a sua junção aos autos, devendo assim ser ordenado o seu desentranhamento. A este recurso respondeu o Ministério Público a fls. 494 manifestando a sua concordância com a motivação do arguido. Porém, visto que não se provou ter sido a vítima quem escreveu o que desses elementos consta, o conhecimento desta questão mostra-se prejudicado e não se vê que aqueles elementos tenham interesse para a decisão. 2 - Na motivação do recurso do acórdão condenatório o arguido conclui, em síntese, que: a) há falta parcial de fundamentação; b) há insuficiência da matéria de facto provada, para a decisão; c) há contradição insanável da fundamentação; d) perante os factos provados, devia ter sido condenado pelo crime de homicídio privilegiado; e) a medida da pena deve ser mais baixa; f) são exageradas as verbas fixadas; entende como correctas as seguintes: - dano de morte - 750000 escudos; - dano moral dos menores - 500000 escudos. Respondeu o Ministério Público com uma alegação bem elaborada e fundamentada, para concluir que o recurso do arguido não merece provimento. 3 - Na motivação do recurso do Ministério Público transparecem as mesmas qualidades de bom técnico de direito criminal do magistrado que elaborou todos os articulados destes recursos. Conclui que os factos provados integram não o crime simples mas o qualificado, punido nos termos do artigo 132 n. 2 alíneas c) e f) do Código Penal e considera adequada a pena de 16 anos de prisão. Respondeu o arguido pedindo a improcedência deste recurso. Apesar de o arguido ter referido que as alegações fossem produzidas por escrito, não apresentou alegações neste tribunal. Só o Exmo. Procurador-Geral Adjunto alegou por escrito, analisando com muita clareza e rigor técnico a matéria de facto, as questões postas pelo arguido e a matéria de direito para concluir que não se verificam os vícios alegados, que a conduta do arguido integra, o crime de homicídio simples e que o acórdão recorrido deve ser confirmado. Foram colhidos os vistos legais. Passa-se a decidir. I - Recurso do arguido de fls. 459. A assistente juntou com a acusação duas folhas de papel manuscritas, alegadamente escritas pelo punho da vítima, designando-as por documento n. 2. Dele não consta quem o escreveu. No requerimento em que ofereceu prova para o julgamento logo o arguido requereu o desentranhamento daquele documento por não ser admissível nos termos do artigo 164 n. 2 do Código de Processo Penal. Sobre tal requerimento decidiu o Tribunal que oportunamente se pronunciaria, o que só veio a suceder na primeira audiência de julgamento. Como se vê da acta da audiência de 12 de Maio de 1992, depois de o arguido ter respondido às perguntas sobre a sua identificação e antecedentes criminais, mas antes de prestar declarações sobre a matéria da acusação, o Tribunal Colectivo reuniu e proferiu a seguinte decisão: "O Tribunal considera que os documentos de fls. 175 e 176 devem continuar juntos ao processo, por reconhecer que os mesmos poderão interessar para apreciação da matéria em causa, sendo que poderão mesmo constituir elemento relevante do crime em apreço. Manter-se-ão, pois no processo". Preceitua o n. 2 do artigo 164 do Código de Processo Penal que não pode juntar-se documento que contiver declaração anónima, como no documento em apreço - salvo se for, ele mesmo, objecto ou elemento do crime. O documento em apreço não é nem objecto nem elemento do crime e é anónimo. É manifesto que não era legalmente admissível a sua junção. O Tribunal Colectivo, ao decidir admitir a sua junção ao processo não fundamentou de direito a sua decisão. Ora, de acordo com o preceituado no artigo 158 n. 1 do Código de Processo Civil, "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas". A falta da fundamentação de direito a justificar aquela decisão, é causa de nulidade da mesma - artigos 668 n. 1 alínea b) e 666 n. 3 do mesmo Código, aplicáveis por força do disposto no artigo 4 do Código de Processo Penal. Consequentemente há que declarar nulo o despacho que manteve o documento junto ao processo e ordenar o desentranhamento do mesmo. A consequência desta nulidade é a de que o Tribunal não podia conhecer desse documento, motivo porque serão tidas como não escritas quaisquer referências que o acórdão lhe faça ou quaisquer factos que dele tenham sido extraídos. Procede portanto este recurso. II - Vem provada a seguinte matéria de facto: O arguido e a vítima B haviam casado em 4 de Junho de 1983. Em 1987 o relacionamento do casal começou a deteriorar-se quando da aquisição de uma quinta destinada a ser reformada pelo arguido e, eventualmente, por um seu irmão. A partir...

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