Acórdão nº 04A2668 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução02 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 21/8/95, "A-Administração de Patrimónios, S.A.", "Companhia de Cervejas B", e "C-Administração de Patrimónios, L.da", propuseram contra o Estado Português acção com processo ordinário, pedindo seja fixada em 10.879$50 por acção, a valores de 30/8/1975, a indemnização confessadamente devida pelo Estado às autoras pela nacionalização das acções que a estas pertenciam na CUFP, seja condenado o Estado a pagar-lhes, por dação em cumprimento com títulos de tesouro da classe XII da Lei 80/77, as importâncias correspondentes à diferença entre o que lhes pagou até hoje e a reposição do correspondente valor aquisitivo em 30/8/75 (data da nacionalização operada pelo Dec. - Lei n.º 474/75), nos montantes de 2.726.710 contos, 2.686.350 contos, e 701.023 contos, respectivamente para as 1ª, 2ª e 3ª autoras, e, subsidiariamente, para a hipótese de se entender que a irrisoriedade da indemnização se deve corrigir com a aplicação aos títulos do tesouro, já dados em cumprimento, das taxas de juro que vigoraram para as obrigações do tesouro em geral, as importâncias em dinheiro de, respectivamente, 1.074.886 contos, 1.056.711 contos, e 472.886 contos, sempre com juros legais de mora a contar da citação.

Em contestação, o Estado começou por invocar incompetência material, prescrição, pagamento integral da indemnização legalmente devida, extinção da CUFP como ente jurídico personalizado em consequência da nacionalização, e impugnou, concluindo pela sua absolvição, da instância ou do pedido.

Em réplica, as autoras rebateram a matéria de excepção.

Proferido a fls. 389 a 394 despacho que, por considerar competentes para a presente acção os Tribunais Administrativos, julgou procedente a excepção de incompetência material e absolveu o Estado da instância, recorreram as autoras, tendo a Relação proferido acórdão que, a fls. 457 a 467, negou provimento ao agravo, confirmando a decisão ali recorrida.

De novo recorreram as autoras, agora para o Tribunal de Conflitos, que, a fls. 519 a 529, proferiu acórdão que concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido, e declarou materialmente competente para a causa o Tribunal Cível em que esta pendia.

Tendo os autos voltado à 1ª instância, aí foi proferido despacho saneador, a fls. 549 e segs., que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, e que julgou improcedente a excepção de prescrição, - parte esta de que o Estado, após notificado da decisão de uma reclamação do questionário, veio a interpor recurso, inicialmente não admitido por ter sido considerado extemporâneo mas que acabou por o ser, como agravo, em resultado do decidido em reclamação para o Ex.mo Presidente da Relação -, acompanhado de especificação e questionário. Foi deste que reclamou o Estado, tendo a sua reclamação, após oposição das autoras, sido deferida.

Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido dadas as respostas aos quesitos, a fls. 615-616.

Apresentadas a fls. 929 e segs. e 1164 e segs. alegações de direito respectivamente pelo réu e pelas autoras, foi a fls. 1245 a 1258 proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.

Após indeferimento de um requerimento de aclaração apresentado pelas autoras e a que o réu se opôs, apelaram aquelas, tendo na Relação, após observância do contraditório, o Ex.mo Desembargador relator proferido a fls. 1508 a 1511 despacho que julgou findo o recurso de agravo do despacho saneador por não conhecimento do seu objecto, por entender que foi interposto fora de tempo. O Estado reclamou desse despacho para a conferência, que, após resposta das autoras, o confirmou, por acórdão de fls. 1533, datado de 6/5/03.

E desse acórdão o Estado Português agravou para este S.T.J., vindo a apresentar, a fls. 1538 e segs., alegações que culminou com as seguintes conclusões: 1ª - O presente agravo vem interposto do acórdão de 6/5/2003, proferido a fls. 1533 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, remetendo para o despacho do Ex. mo Desembargador relator, julgou findo o recurso de agravo, pelo não conhecimento do seu objecto, por ter sido interposto fora de prazo; 2ª - Porém, como decorre do art.º 16º do Dec. - Lei n.º 329-A/95, de 12/12, na redacção do Dec. - Lei n.º 180/96, de 25/9, a regra sobre aplicação das leis no tempo das alterações introduzidas no Cód. Proc. Civil é a de que só se aplicam aos processos iniciados após 1/1/97; 3ª - Ora, a presente acção foi instaurada em 21/8/95, ou seja, no domínio do Cód. Proc. Civil anterior à reforma de 1995/1996; 4ª - Sendo-lhe aplicável a versão do Cód. Proc. Civil vigente à data da propositura da acção, por força da regra geral contida naquele art.º 16º; 5ª - Na contestação, o Estado Português arguiu a excepção da prescrição do pedido de indemnização formulado pelas autoras; 6ª - Em 7/6/99, foi proferido o despacho saneador, com organização da especificação e questionário, o qual seguiu o modelo e o regime do Cód. Proc. Civil anterior à dita reforma; 7ª - Desse despacho foi notificado o M.º P.º em 9/6/99; 8ª - Em 16/6/99, o M.º P.º, em representação do Estado Português, apresentou reclamação contra o questionário, ao abrigo do disposto no art.º 511º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, na redacção anterior à dita reforma; 9ª - A reclamação foi notificada à parte contrária; 10ª - Em 25/10/99 foi deferida a reclamação do Estado Português, por despacho que mandou proceder às correspondentes alterações ao questionário; 11ª - O qual foi notificado ao M.º P.º em 28/10/99; 12ª - Em 5/11/99, o Estado Português interpôs recurso do despacho saneador, na parte que desatendeu a excepção de prescrição; 13ª - O recurso não foi admitido por intempestivo, por despacho de 7/12/99, que entendeu serem de aplicação imediata aos processos pendentes as alterações relativas a prazos e recursos introduzidas pela dita reforma; 14ª - Entendimento que veio a ser sufragado pelo acórdão recorrido; 15ª - Porém, a acção foi instaurada em 1995, e decorrendo do art.º 16º do Dec. - Lei n.º 329-A/95 que a regra geral sobre a aplicação no tempo das modificações introduzidas no Cód. Proc. Civil é a de que a lei nova só se aplica aos processos iniciados após 1 de Janeiro de 1997, será a versão originária do Cód. Proc. Civil a aplicável ao caso concreto, conclusão que se retira não só da interpretação do art.º 16º mas também da ponderação da filosofia e desiderato que presidiram às profundas alterações no sistema processual introduzidas no Cód. Proc. Civil com a reforma de 1995/1996; 16ª - Alterações com as quais as partes não podem, inopinadamente, ser surpreendidas, o que acontece por via da aplicação parcial da lei nova subitamente enxertada num processo que, instaurado na vigência da lei anterior, a ela se vinha atendo e por ela se vinha regulando, aliás por imperativo legal; 17ª - Já que o sistema - seja o anterior, seja o actual -, tem uma filosofia de conjunto, de bloco, e que, portanto, as alterações dos normativos que o integram se inserem nesse conjunto de forma lógica e coerente e não de forma desarticulada; 18ª - E a tal não obsta a opção consagrada no Dec. - Lei n.º 180/96, de 25/9, a qual, mitigadamente, estabeleceu dois níveis diferenciados de aplicação da lei nova aos processos pendentes, designadamente, o constante das disposições dos art.ºs 16º a 27º, traduzindo a aplicação de determinados preceitos ou blocos normativos às acções pendentes, naquelas situações em que se considerou que "certas soluções constantes da lei nova, por não contenderem, de forma decisiva, com a estrutura essencial e com a filosofia profunda que regia o processo desde o seu início, podiam ser transplantadas, sem dificuldades significativas de adequação, para os processos em curso" (Lopes do Rego, "As disposições transitórias referentes à aplicação no tempo da reforma do processo civil operada pelos Decretos - Lei n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro"; 19ª - Sendo certo que decorre do art.º 25º, n.º 1, do citado Dec. - Lei, referente à impugnação das decisões judiciais, a aplicação em bloco das disposições da lei nova sobre recursos, com excepção dos preceitos que implicam restrições ou limitações de tal direito em causas pendentes (ob. cit.); 20ª - Importando, pois, atentar em que a regra geral relativa à alteração introduzida pela reforma de 1995/1996 é a de que a nova lei só se aplica aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 1997 e devem ser ponderados e impedidos os resultados nocivos que adviriam da aplicação imediata e descriteriosa do novo regime processual a acções pendentes que vêm seguindo o modelo antigo, na medida em que neste foram inseridas alterações estruturais na filosofia e tramitação dos processos; 21ª - Ora, o modelo processual em que se inseria o despacho saneador da versão originária do Cód. Proc. Civil, vigente à data da instauração da acção, foi substancialmente alterado com a reforma de 95/96; 22ª - Já que o despacho saneador do Cód. Proc. Civil de 1961, nos casos em que não punha termo ao processo, abrangia a especificação e o questionário, os quais, assim, se integravam no despacho saneador, constituindo uma unidade de grande amplitude e abrangência e com uma lógica própria; 23ª - Por tal motivo, o prazo para interposição de recurso do despacho saneador contava-se, antes da reforma de 1995/1996, não a partir da notificação do próprio despacho, mas sim a partir da notificação a cada uma das partes de que a outra não reclamara (art.º 511º, n.º 4), ou, havendo reclamações do questionário, a partir da notificação do despacho que as decidisse (art.º 511º, n.º 6); 24ª - Ou seja, integrando o despacho saneador (na versão anterior à reforma) o questionário e a especificação, tal despacho só iniciava o percurso para a estabilidade (para o trânsito) após a notificação da decisão sobre as reclamações (ou, não as havendo, a notificação a cada uma das partes de que não tinha havido reclamações); 25ª - Daí resultando que, para...

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