Acórdão nº 04B2064 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução06 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e B intentaram, no Tribunal Judicial do Funchal, contra C e D acção com processo ordinário pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento do r/c do prédio sito no Funchal, ao sítio dos Louros, na Rua Pedra Sina, ... e ... por falta de pagamento de rendas e, subsidiariamente, se declare a denúncia do mesmo contrato de arrendamento, bem como a condenação destes a entregar-lhes o andar e a pagar-lhes 1.428.900$00 acrescidos de 43.300$00 por cada mês até à respectiva entrega.

Alegaram, em síntese, que são proprietários do referido r/chão, que os réus deixaram de pagar a renda do locado em Fevereiro de 2000, e ainda que são emigrantes em Inglaterra, pretendem regressar à Madeira para aí se radicarem e só possuem o prédio onde o locado se situa.

Contestaram os réus, invocando, além do mais, a excepção de caso julgado por já ter corrido contra eles acção de despejo por falta de comunicação do falecimento da anterior inquilina, sustentando que foram os autores que cancelaram a conta onde as rendas eram depositadas, e que os autores possuem o 1º andar do prédio onde podem perfeitamente viver.

Deduziram reconvenção peticionando que os autores sejam condenados a pagar-lhes 2.600.000$00 por obras de conservação que tiveram de efectuar no andar por os autores e anteriores proprietários se recusarem a fazê-las.

Após resposta à contestação, foi exarado despacho saneador julgando improcedente a excepção de caso julgado, tendo sido fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Procedeu-se, depois, a julgamento vindo a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, declarou a denúncia do contrato de arrendamento e condenou os réus a despejarem o locado no termo do prazo de renovação contra o pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos e meio de rendas à data do despejo, e condenou os autores a pagarem aos réus a quantia que se vier a apurar em execução de sentença referente às obras de conservação custeadas por estes.

Inconformados, apelaram os réus, com êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 22 de Janeiro de 2004, decidiu conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, absolvendo os réus do pedido e os autores do pedido reconvencional.

Interpuseram, agora, os autores recurso de revista, pugnando pela procedência do pedido de denúncia do arrendamento, decretando-se o despejo fundamentado na necessidade do locado e, não obstante isso, pela improcedência da reconvenção absolvendo-se totalmente os autores do pagamento de quaisquer eventuais benfeitorias.

Em contra-alegações sustentaram os recorridos dever ser mantida a decisão impugnada.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações da revista formularam os recorrentes as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3, do C.Proc.Civil): 1. Face aos factos provados e ao direito aplicável, o acórdão recorrido, ao decidir que os autores não necessitam do locado, não só contraria aqueles e toda a abundante jurisprudência e doutrina citadas no texto como nem se fundamenta em Aragão Seia ao contrário do que aparentemente quer dar a perceber.

  1. Mas sim em conjecturas, suposições e exigências ilícitas e até impossíveis ou quase, aliás nem sequer alegadas ou invocadas, como são as respeitantes "aos projectos da vida na Madeira dos autores", "quais os proventos que irão viabilizar a vida do agregado familiar em termos económicos", "que não terão facilidades de obter emprego na Madeira ...", "os autores nada dizem sobre a necessidade de abandonarem a Inglaterra", etc.

  2. Com salvaguarda do respeito devido por quem julgou diversamente, os autores entendem que o pensamento e citações do Ilustre Conselheiro Aragão Seia, expressos e transcritos de fls. 8 a 12 no texto supra, devidamente aplicadas se harmonizam perfeitamente com a factualidade provada por forma a que de uns e outra emerge com evidência a necessidade séria, premente e mais que próxima do locado para a habitação sua e do seu referido agregado familiar.

  3. Como é notório, o Funchal é uma cidade que vive essencialmente do turismo e onde a maioria deste seu mercado é oriunda da Inglaterra e onde por isso quem fala inglês e trabalha nesse sector tem a vida facilitada no que respeita ao exercício da sua profissão.

  4. Por outro lado, não só no Funchal mas em todo o País, qualquer cozinheiro arranja trabalho com toda a facilidade e bem pago e sendo o autor cozinheiro emigrado na Inglaterra desde há muitos anos deve falar fluentemente inglês e saber do seu ofício.

  5. O que se vem dizendo dele mutatis mutandis vale para ela como arrumadora de quartos, sendo também notório abundarem os hotéis, residenciais e casas particulares no Funchal onde essa gente tem emprego à vista e cuja falta até vem sendo remediada com mão-de-obra não qualificada dos emigrantes principalmente de Leste e Brasil, aliás tal como sucede em quase todo o Portugal, deixando este e a Madeira, nos últimos anos, de serem Região e País de emigração para passarem a ser de imigração.

  6. Tanto é dizer, sem sombra de dúvidas, que os autores não têm qualquer problema ou dificuldade em arranjar trabalho na cidade onde têm a sua casa e para onde depois de emigrados em Inglaterra há muitos anos querem vir de vez para junto da sogra e dos seus dois únicos 2 filhos, com 16 e 15 anos, mal o locado esteja despejado.

  7. Só não regressaram definitivamente porque na Madeira entretanto não têm onde ficar e quando aqui vêm têm de dormir no chão e num colchão e talvez por estas evidências é que o Mmo. Juiz da 1ª Instância não levou à matéria assente nem à base instrutória o que a propósito havia sido alegado no artigo 12º da petição inicial com este conteúdo: "Ambos estão fartos de serem emigrantes, de estarem e trabalharem fora das suas terras".

  8. Agora ou depois disso o que não se lhes pode é exigir - como o acórdão dá a entender - é o impossível ou quase como seria o caso de obrigatoriamente terem à espera desde aquela propositura da acção um empregador ou algum estabelecimento seu para lhe garantir trabalho ou para abrir ao público até que pudessem regressar, tanto mais que entre aquela e o despejo decorrem anos e que no caso presente apesar de já lá terem ido dois e meio ainda aqui vamos.

  9. Nem para demonstrarem a sua séria, premente e mais que próxima precisão do locado, e já devidamente comprovada, tenham ainda e também essa outra "necessidade" de terem de confessar no processo "os projectos de vida na Madeira" como também lhe é exigido no acórdão recorrido.

  10. E tendo ou não os autores pequeno ou grande aforro, que lhes permita viver na Madeira sem trabalhar, têm o direito de o fazer e de virem viver definitivamente para junto dos dois filhos e sogra sem que isso ensombre ou prejudique a necessidade da casa para os efeitos da procedência desta acção e indirectamente deixarem de dormir no chão da sala em colchão, como vem acontecendo quando vêm à Madeira, e onde não têm para ficar mesmo que transitoriamente.

  11. É certo que quando os autores adquiriram o locado em Abril de 1996 já estava arrendado aos pais dos réus, mas então ainda não havia para eles data do regresso, os filhos só tinham 11 e 9 anos e a sogra ainda...

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