Acórdão nº 04B2296 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Setembro de 2004
Magistrado Responsável | ARAÚJO BARROS |
Data da Resolução | 23 de Setembro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" e B intentaram, no Tribunal Judicial de Portimão, acção declarativa, com processo ordinário contra C pedindo a condenação do réu a pagar-lhes a quantia de 15.000.000$00 acrescida de 3.572.053$00 de juros vencidos e dos vincendos à taxa legal até integral pagamento ou, subsidiariamente, a entregar-lhes idênticas quantias a título de enriquecimento sem causa.
Para o efeito alegaram em resumo que: - o falecido pai dos autores celebrou com o réu um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma sita na Praia da Rocha pelo preço de 4.500.000$00, integralmente pago; - porém, o réu não cumpriu o contrato e em vez disso transmitiu a fracção a terceiro, sendo de 15.000.000$00 o seu valor à data da resolução negocial, em 18/08/97.
Contestou o réu invocando a ilegitimidade dos autores e sustentando a inexistência da obrigação de indemnizar.
Exarado despacho saneador, julgando a excepção improcedente, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento, com gravação da audiência, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar aos autores a quantia de 49.879,79 euros (correspondente a 10.000.000$00) acrescida de juros à taxa legal desde 18/08/97 até integral pagamento.
Inconformado, apelou o réu, sem êxito embora, já que o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 15 de Janeiro de 2004, negando provimento à apelação, confirmou a sentença recorrida.
Interpôs, então, o mesmo réu recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão recorrido, decretando-se a sua absolvição de todos os pedidos formulados pelos autores.
Em contra-alegações pugnaram os recorridos pela manutenção do decidido.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.
Nas alegações do presente recurso formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei aos factos provados na 1ª instância e mantidos na íntegra pelo citado aresto.
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Assim, estando demonstrado nos autos que o pai dos autores tinha pleno conhecimento de que o réu carecia de legitimidade para realizar a transacção do imóvel identificado no contrato promessa de compra e venda celebrado em 27/04/82, por tal imóvel não lhe pertencer, está o mesmo contrato ferido de nulidade, por força dos arts. 410º, n° 1, 280º, n° 1, e 892° do Código Civil.
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Contudo, a alegada nulidade não obriga o réu a restituir aos autores a importância recebida nos termos do contrato promessa de compra e venda, por virtude de este direito dos autores há muito se encontrar prescrito pelo decurso do prazo de três anos estabelecido no art. 482° do Código Civil.
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Não obstante, ainda que, porventura, se rejeite, como o fez o acórdão recorrido, a tese da nulidade, certo é que não consta dos autos que tenham chegado a verificar-se as condições as que os outorgantes subordinaram a eficácia do aludido contrato, como sejam: a) o pai dos autores e promitente comprador aceitou que a celebração do contrato definitivo ficasse dependente da celebração de um outro contrato de promessa respeitante ao mesmo apartamento celebrado entre "D" e "E" (resposta ao art. 10° da base instrutória); c) o pai dos autores e promitente comprador também aceitou que a celebração do contrato definitivo ficasse dependente da transmissão, a favor do réu, do apartamento 201 mediante escritura pública de dação em pagamento por conta do preço de outros prédios urbanos que o réu havia vendido a "E" (resposta ao art. 11° da base instrutória).
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Assim, para além do mais, mesmo a considerar-se válido o contrato promessa, as partes aceitaram que o mesmo tivesse carácter aleatório (art. 880°, n° 2, do Código Civil) e, salvo o devido respeito pelo que sobre esta questão se decidiu no acórdão recorrido, a dependência do contrato promessa de uma escritura de compra e venda do apartamento prometido, a celebrar entre "E" e o réu, é mesmo relevante, porquanto, conforme ficou provado, esta escritura nunca se realizou e, como resulta dos autos, o réu acabou por comprar o apartamento não à "E", como dação em pagamento de outros prédios urbanos que havia vendido a esta sociedade, mas sim à "D, L.da" sua legítima proprietária.
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Por outro lado, o pai dos autores e estes próprios não alegaram, nem provaram terem alguma vez interpelado o réu ou requerido a fixação judicial de um prazo para celebrar a escritura pública de compra e venda do apartamento objecto do contrato promessa de compra e venda celebrado em 27/04/82, e, por isso, também por esta razão, não é imputável ao réu a não celebração do contrato definitivo de compra e venda a favor do pai dos autores ou deles próprios.
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Todavia, o pai dos autores e promitente comprador declarou expressamente, na cláusula 6ª do referenciado contrato de promessa, que "renuncia expressamente a qualquer indemnização ou juros por incumprimento do primeiro outorgante que não seja da sua única e exclusiva culpa ou negligência (resposta ao art. 13° da base instrutória).
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Ora, para além de o pai dos autores ou estes mesmos nunca terem interpelado o réu para a celebração da escritura pública de compra e venda, também ficou provado que o réu abordou a sociedade "D, L.da" proprietária da fracção autónoma prometida, para que esta fizesse a escritura a favor do pai dos autores (resposta ao art. 15º da base instrutória), não sendo, pois, imputável ao réu a não celebração daquela escritura, e por isso não deverá ele ser condenado a pagar qualquer indemnização aos autores.
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Também contrariamente ao decidido pelo acórdão recorrido, a tradição da coisa operada aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda não pode relevar para efeitos do disposto no art. 442°, n° 2, do Código Civil, pelas razões explanadas na conclusão seguinte.
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Na verdade, os efeitos da traditio rei tinham cessado com a retirada da posse do apartamento ao pai dos autores, levada a efeito pela "E", em Maio de 1990, e, muito embora aquele tenha instaurado procedimento cautelar de restituição provisória da posse, não propôs ele a acção de restituição definitiva da posse no prazo de um ano após o esbulho, pelo que o respectivo direito caducou e operou-se a inversão do título de posse a favor do esbulhador (art. 1267° do C.C.).
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Assim, contrariamente ao decidido nas instâncias, não se verifica a condição exigida pelo citado n° 2 do art. 442° do Código Civil para a condenação do réu a devolver aos autores o valor do apartamento prometido à data do pretenso não cumprimento do contrato por parte do réu, uma vez que os efeitos da "tradição da coisa" e o consequente alegado "direito de retenção" se extinguiram com a renúncia ao direito à restituição definitiva da posse, ou pelo menos pelo não atempado exercício desse direito.
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A apontada e comprovada inacção do pai dos autores e deles próprios em exercer os alegados direitos sobre o apartamento em causa durante longos anos, bem como a não verificação, sem culpa do réu, das condições a que as partes subordinaram a eficácia do contrato promessa, fizeram o réu acreditar na alegada perda de interesse no apartamento por parte pai dos autores e deles próprios e daí que tenha decidido comprá-lo à "D, L.da" e posteriormente vendê-lo a F (resposta aos arts. 24° e 25° da base instrutória).
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Ora, a presente acção só veio a ser proposta 18 anos após a celebração do contrato promessa de compra e venda e 4 anos após o réu ter comprado e inscrito o referido apartamento em seu nome na Conservatória do Registo Predial de Cascais e de ter conseguido a sua desocupação voluntária por parte do esbulhador, com óbvios encargos financeiros.
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Deste modo, julga-se que a pretensão dos autores constitui um manifesto abuso do direito, nas figuras de "venire contra factum proprium" e "supressio" (art. 334° do Código Civil).
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Decidindo de modo contrário ao exposto, quer a douta sentença da 1ª instância, quer o acórdão recorrido, decidiram contra o próprio clausulado do contrato-promessa e, outrossim, contra o disposto nos arts 270°, 280°, n° 1, 334°, 442°, n° 2, 482°, 755°, alínea f), 880°, 892°, 893°, 1267°, alínea d), e 1283° do Código Civil.
Vêm considerados assentes os factos seguintes: i) - por contrato promessa outorgado em 27/04/82 o pai dos autores prometeu comprar ao réu uma fracção autónoma sita no 2º andar, correspondente à letra A, fracção T, do prédio Panorama, apartamento ....., sito na rua Francisco José Bivar, Praia da Rocha; ii) - no contrato o preço convencionado foi de 4.500.000$00; iii) - em Maio de 1990 foi retirada a posse do imóvel ao pai dos autores; iv) - na...
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