Acórdão nº 04B3808 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUCAS COELHO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I"A", empresária, residente na cidade de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Brasil, instaurou no Tribunal da Relação de Lisboa, em 4 de Abril de 2003, contra B, comerciante, residente na Póvoa de Santa Iria, acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira da 2.ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional III - Jabaquara/Saúde da Comarca da Capital do Estado de S. Paulo (cfr. fls. 59), datada de 6 de Agosto de 2001, com trânsito no subsequente dia 21, que decretou a dissolução por «divórcio consensual» do casamento da requerente e do requerido, com subordinação às «cláusulas e condições fixadas no acordo» dos cônjuges, entre as quais a partilha de bens do casal, incluindo certo número de bens imóveis sitos no concelho de Mirandela (cfr. o «formal da partilha» a fls. 12 e segs.).

O requerido não contestou, mas na oportunidade prevista no artigo 1099.º, n.º 1, deduziu o Ministério Público por seu lado oposição à pretensão, justamente porque a sentença procedera também à partilha de bens imóveis sitos em território português, configurando-se, por conseguinte, à luz do disposto na alínea a) do artigo 65.º-A, a falta do requisito especificado na segunda parte da alínea c) do artigo 1096.º, todos do Código de Processo Civil.

Procedendo-se a julgamento, a Relação de Lisboa negou a revisão e confirmação da sentença em apreço.

Do acórdão neste sentido proferido, em 9 de Março de 2004, traz a requerente a presente revista, cujo objecto, considerando as alegações, à luz da decisão em recurso, consiste na questão de saber se a acção de divórcio por mútuo consentimento, na qual foram partilhados entre os cônjuges bens imóveis sitos em Portugal, merece ou não a qualificação de «acção relativa a direitos reais sobre bens imóveis» na acepção da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º-A, conducente à recusa de revisão e confirmação da sentença estrangeira nela proferida por versar «matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses», nos termos da segunda parte da alínea c) do artigo 1096.ºII1. A Relação considerou provados os factos seguintes: 1.1. «A requerente, A, e o requerido, B, contraíram casamento entre si, no dia 29 de Setembro de 1962, no Registo Civil de Vila Maria, no 36.º Subdistrito da cidade e do Estado de S. Paulo - Brasil; 1.2. «Por sentença, homologatória (1) do dia 6 de Agosto de 2001, proferida pela 2.a Vara de Família e Sucessões do Foro Regional III - Jabaguara/Saúde da Comarca da Capital do Estado de São Paulo/Brasil, foi decretado o divórcio da requerente A e do requerido B; 1.3. «No âmbito da respectiva acção de divórcio e constando da sentença revidenda foram partilhados vários bens imóveis, uma grande parte destes situados na área do concelho e comarca de Mirandela; 1.4. «A sentença revidenda respeita a cidadãos portugueses.» 2. A partir desta factualidade, considerando o direito que teve por aplicável, o acórdão sub iudicio recusou, por conseguinte, a revisão e confirmação da sentença brasileira em apreço, aduzindo, após sumário excurso descritivo dos artigos 65.º-A, 1096.º, alínea c), e 1100.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o fundamento seguinte: «(...) dizendo a sentença estrangeira respeito a cidadãos portugueses, como é o caso, a sua revisão pressupõe e exige a não ofensa das disposições do direito privado português, pelo que, atentos os factos acima descritos e dados como assentes, não é legalmente admissível o deferimento da pretensão da requerente» (2) ..

  1. Do julgado dissente, porém, a requerente mediante a presente revista, rematando a alegação nas conclusões seguintes: 3.1. «A acção de divórcio por mútuo consentimento não se compreende nas acções previstas na alínea a) do artigo 65.°-A do Código de Processo Civil porque as acções aí previstas dizem respeito a direitos reais (propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície e servidões prediais) em que se pede o reconhecimento da existência do direito sobre uma coisa imóvel situada em território português a favor do seu titular, e a sua consequente restituição nos termos dos artigos 1311.° e 1315.° do Código Civil (acção de reivindicação) ou pessoais de gozo, em que o autor, com base num contrato de arrendamento e num facto susceptível de fazer cessar os seus efeitos, pretende que a coisa locada lhe seja devolvida nos termos do R.A.U.; 3.2. «O tribunal português não tem competência internacional nos termos da alínea b) do artigo 65.° do Código de Processo Civil, porque ao tempo do propositura da acção nenhum dos cônjuges tinha domicílio ou residência habitual em território português, exigível nos termos do artigo 75.° do Código de Processo Civil; 3.3. «A anterior redacção do artigo 1096.° do Código de Processo Civil tinha uma alínea g), e, de acordo com o seu conteúdo, fazia sentido saber a nacionalidade do requerido, saber se a sentença lhe era desfavorável (não é aplicável na acção de divórcio por mútuo consentimento pela natureza conjunta da apresentação do pedido, sem revelar a causa do divórcio, e o consenso entre os cônjuges na elaboração dos acordos para o tribunal homologar, limitando-se a outorgar valor jurídico a estes acordos) e fazia sentido saber se a sentença ofendia disposições de direito privado português, porque a decisão não podia violar disposições de direito substantivo, civil ou comercial, deixando fora de causa o direito público, em que se inclui o direito processual; 3.4. «O tribunal português não tem competência internacional nos termos da alínea c) do artigo 65.° do Código de Processo Civil, porque nas acções de divórcio por mútuo consentimento não é necessário revelar a causa do divórcio e, ainda que fosse preciso alegar e provar o facto que serve de causa de pedir na acção - separação de facto há mais de dois anos - tal facto não foi praticado em território português; 3.5. «O tribunal português não tem competência internacional nos termos da alínea d) do artigo 65.° do Código de Processo Civil, em virtude do tribunal brasileiro se declarar competente e não cabe igualmente na alínea a) do artigo 65.° do Código de Processo Civil, não só por não fazer sentido falar em autor e réu numa acção de divórcio por mútuo consentimento, como por não ter nenhum dos cônjuges domicílio m território português ao tempo da propositura da acção em 2 de Agosto de 2001; 3.6. «O raciocínio jurídico subjacente à interpretação da alínea a) do artigo 65.°-A do Código de Processo Civil do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aplicado à 2.ª parte da alínea a) do artigo 65.º determinaria a incompetência do tribunal português e da Conservatória do Registo Civil portuguesa se o processo fosse intentado em Portugal depois de l de Janeiro de 2002 ao abrigo dos artigos 12.° e 19.° do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13 de Outubro, o que era impossível em virtude de nenhum dos cônjuges ter ao tempo domicílio ou residência em Portugal, para homologar o acordo sobre o destino da casa de morada de família situada no Brasil, e a consequente incompetência do cartório notarial português para efectuar por escritura pública a partilha da totalidade dos bens imóveis situados no Brasil; 3.7. «Aliás não há qualquer obstáculo a que seja a sentença revista e confirmada quanto ao divórcio propriamente dito, sendo a restante uma mera homologação de um contrato quanto à separação dos bens que, a nosso ver, não é suficiente para caracterizar uma acção como real ou pessoal de gozo sobre bens imóveis, sendo o acordo um acto translativo negocial de direitos reais, e não uma acção real ou pessoal de gozo sobre esses direitos; 3.8. «Deve assim ser revogado o douto acórdão do Tribunal da Relação por violação dos artigos 65.°, 65.°-A, 75.º, 1096.°, alínea c), 1100.°, n.° l, do Código de Processo Civil, artigos 12.° e 19.° do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, e dos artigos 13.° e 36.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.» 4. Em contra-alegação, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público reitera a...

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