Acórdão nº 04B4063 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução13 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A Santa Casa da Misericórdia do Porto intentou, no 4º Juízo Cível do Porto, acção declarativa comum, com processo ordinário, contra "A" pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 51.860.400$00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de 825.504$00 bem como juros vincendos até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em resumo, que: - por escritura de permuta de 30 de Maio de 1995 adquiriu à ré 54 fracções do prédio urbano sito na Rua Professor Bento de Jesus Caraça nº s .... a ..., Guilhermina Suggia n°s ... a ... e na Alameda Eça de Queirós n°s ... a ..., freguesia do Bonfim, no Porto; - as referidas fracções correspondem tanto a aparcamentos como a lojas, escritórios e habitações; - nos termos da referida escritura de permuta, a autora deu à ré um prédio urbano denominado "Quinta do Lima", composto de um terreno para construção urbana; - mais ficou assente nos termos da referida escritura de permuta que a ré se obrigava a proceder ou mandar proceder à sua custa a todas as obras de reparação que fossem necessárias para eliminar quaisquer deficiências ou defeitos de construção que fossem detectados e denunciados pela Santa Casa da Misericórdia, obrigando-se ainda a ré a dar inicio à execução das ditas obras de reparação no prazo máximo de um mês após a recepção da comunicação, que para o efeito lhe fosse efectuada pela autora; - decorridos dois meses sobre a celebração da referida escritura de permuta, ou mais precisamente, em finais de Julho de 1995, começaram a surgir alguns defeitos e vícios em quase todas as fracções adquiridas pela autora, bem como nas zonas comuns do edifício em questão, sendo que tais defeitos consistiam em infiltrações de chuva na caixilharia de janelas, tectos e paredes, levantamento dos tacos do soalho nos escritórios; - a partir daqui, funcionários da ré foram fazendo face às reclamações da autora e de outros proprietários sobre os defeitos que foram surgindo e após as intervenções/reparações levadas a cabo pela ré, em resposta à reclamação da autora surgiram de novo defeitos como infiltrações de água e levantamentos de soalho; - desde a data da aquisição dos escritórios pela autora em 30 de Maio de 1995, a situação dos escritórios impediu a sua normal fruição pela autora até às datas aí apontadas, sendo de sublinhar que dos onze escritórios adquiridos pela autora em 30/05/95 apenas seis deles, correspondentes às fracções "BT", "BU", "BV", "BX", "BS"e "CH" (com a numeração respectiva de 1, 2, 3, 5, 18 e 20), foram entregues pela ré à autora em Dezembro de 1998, os escritórios 6, 7 e 21, correspondentes às fracções "BY", "Z" e "CI" apenas foram entregues pela ré à autora em Setembro de 1999 e no que toca ao escritório nº 4 ("BW") somente em Fevereiro de 2000 veio ele a ser entregue pela ré à autora; - assim, desde 30/05/95 até às datas em que os escritórios foram entregues à autora esta não pôde deles usufruir qualquer rendimento nomeadamente através do seu arrendamento, o que lhe causou prejuízo pelo não recebimento das rendas nos períodos referidos, verificando-se que desde 01/01/96 até 03/02/2002 e tendo por base o preço de 1.900$00/m2 nos escritórios com áreas até 100 m2 e de 1.600$00/m2 nos que têm uma área inferior os referidos escritórios representariam em termos de arrendamento um rendimento de 51.860.400$00, quantia que a autora em 03/02/2003 reclamou da ré.

Citada, contestou a ré, sustentando, em síntese, que: - a situação descrita não corresponde à realidade quanto ao âmbito e extensão dos defeitos em apreço; - em qualquer caso, tal situação nunca impediu a autora de fruir as fracções descritas; - sendo que a sua não colocação no mercado de arrendamento radica em razões a que a ré é alheia; - para além da autora nunca ter comunicado qualquer problema ao nível dos escritórios, o que criou na ré a convicção de que os problemas surgidos estariam definitivamente solucionados.

Exarado despacho saneador, condensado e instruído o processo, procedeu-se a julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, vindo, depois, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 258.678,58 Euros, acrescida de juros, à taxa legal de 7% desde 31/05/2000 até 30/04/2003 e depois desta data à taxa de 4% até integral pagamento..

Inconformada, apelou a ré, sem êxito embora, já que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 20 de Maio de 2004, decidiu julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Interpôs, então, a ré recurso de revista, pretendendo, no provimento do recurso, que seja revogado o acórdão proferido e, em consequência, absolvida a recorrente do pedido.

Não houve contra-alegações.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações da revista formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O peticionado está sujeito aos princípios gerais da responsabilidade civil, estando assim a génese da respectiva obrigação sujeita às regras que disciplinam tal instituto, entre as quais se destaca a adequação do comportamento do devedor à causalidade do dano alegado, o comportamento do credor, analisado objectivamente à luz dos princípios da boa-fé e o nexo de causalidade exigível entre o prejuízo havido e a inadimplência do devedor, requisitos que no caso concreto, não se verificam.

  1. As decisões proferidas estabelecem um ilegítimo nexo de causalidade entre a constatação da existência de defeitos e a não celebração de contratos de arrendamento, ignorando em absoluto que a reparação dos defeitos em causa nunca poderia justificar tanto tempo sem colocar no mercado a fracção em causa.

  2. Para a existência do nexo de causalidade entre o facto e o dano é necessário que aquele seja condição deste. Constatada esta condicionalidade (matéria de facto) há que apurar se a condição foi causa adequada, pois se não foi conditio sine qua non do dano, a responsabilidade civil fica desde logo excluída.

  3. Os verificados defeitos nunca poderiam ser causa adequada para o dano alegado e a cujo ressarcimento se condena agora a recorrente.

  4. As partes estão obrigadas a respeitar um princípio de confiança que implica uma sua vinculação. Com a presente demanda age a recorrida em termos perfeitamente enquadráveis na figura de venire contra factum proprium, uma das manifestações mais evidentes do abuso de direito, violando uma situação objectiva de confiança da contraparte que levou a um investimento de boa-fé e irreversível nessa confiança.

  5. As decisões proferidas ignoraram as regras que presidem ao instituto da responsabilidade civil, violando, nomeadamente, as disposições contidas nos artigos 563° e 334° do Código Civil.

Encontra-se assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica: i) - por escritura de permuta de 30/05/95, outorgada na...

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