Acórdão nº 04B627 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução18 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- A "Associação A" intentou, no dia 10 de Julho de 1997, contra B, acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a sua condenação a restituir-lhe a casa sita em Silves, Barragem do Arade, e respectivos móveis e utensílios, com fundamento na caducidade de um contrato de concessão para a exploração do "Restaurante ...", celebrado no dia 4 de Janeiro de 1982, entre o réu e a Câmara Municipal de Silves, a quem a autora o cedera por acordo entre ambas e a indemnizá-la em quantia a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos sofridos. O réu invocou na contestação não poder a acção proceder por haver celebrado com a Câmara Municipal de Silves um contrato de arrendamento do imóvel, e, prevenindo o caso da sua procedência, pediu a condenação da autora a pagar-lhe 11.000.000$ por benfeitorias realizadas no prédio, passando o processo a seguir a forma ordinária. A autora contestou a reconvenção, afirmando desconhecer a realização das obras e não as haver autorizado e, a terem sido feitas, o foram no período de cedência gratuita do prédio à Câmara Municipal de Silves, e requereu a intervenção acessória da última, que foi deferida. Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 17 de Novembro de 2000 que, com fundamento na caducidade do contrato de concessão para exploração do "Restaurante ...", condenou o réu, por um lado, a restituir o imóvel e utensílios existentes à data da celebração do contrato. E, por outro, quanto à reconvenção, julgando-a parcialmente procedente, condenou a autora a pagar ao réu 1.927.000$ relativos a benfeitorias necessárias de reparação eléctrica do edifício, incluindo a sala de dança e respectiva mão-de-obra, as obras de consolidação da falésia e de reparação de esgotos, e o que se liquidasse em execução de sentença quanto às benfeitorias úteis que não pudessem ser por ele levantadas. Apelaram a autora e o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 14 de Março de 2002, qualificando o contrato como de arrendamento, julgou procedente o recurso interposto pelo réu, absolvendo-o do pedido contra ele formulado pela autora, e declarou prejudicado o conhecimento do recurso de apelação pela última interposto. Interpôs a apelante "Associação A" recurso de revista, e o Supremo Tribunal de Justiça, qualificando o contrato como de concessão para exploração do "Restaurante ...", revogou o acórdão da Relação, declarando subsistir a sentença da 1ª instância, e determinou a baixa do processo àquele Tribunal a fim de conhecer do recurso de apelação interposto pela autora. A Relação, por acórdão proferido no dia 2 de Outubro de 2003. julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela autora, confirmando a sentença proferida nessa parte na 1ª instância. Interpôs a "Associação A" recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - é ilegal a posse do recorrido sobre o prédio desde 4 de Janeiro de 1986 sem qualquer pagamento, tendo-se limitado a depositar 35.000$ à ordem do processo no dia 2 de Julho de 1986; - a posse ilícita do prédio pelo recorrido impediu a recorrente de dele dispor, do que lhe resultaram prejuízos, dos quais devia ser indemnizada segundo juízos de equidade, no mínimo em € 24,94 mensais, que o primeiro pagava; - ao absolver o recorrido do pedido de pagamento de indemnização pela posse ilegal, o tribunal violou os artigos 4º, alínea a), e 566º, nº. 3, do Código Civil; - as obras/benfeitorias realizadas pelo recorrente infringiram a cláusula 4ª das condições especiais do contrato de concessão de exploração, porque as fez sem autorização da recorrente nem da Câmara Municipal de Silves, que as considerou prejudiciais; - essas benfeitorias não autorizadas não correspondem ao interesse da recorrente, pelo que se não pode dizer que, na falta de indemnização, existe um seu injusto locupletamento, por o prédio ser do Estado e a recorrente sua mera depositária, não podendo locupletar-se porque nada obtém à custa do empobrecimento do recorrido; - as benfeitorias executadas pelo recorrido em situação de posse ilegal não podem ser objecto de indemnização por inexistência de título justificativo da ocupação; - ao condenar a recorrente no pagamento de indemnização por benfeitorias necessárias e úteis, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os artigos 570º e 1273º do Código Civil; - deve o recorrido ser condenado no pagamento da indemnização pedida pela recorrente e esta absolvida do pedido de indemnização por benfeitorias. Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão: - como a recorrente não provou que a ocupação da casa pelo recorrido lhe causou prejuízos por não ter podido celebrar contratos com outrem, não podia ser condenado a indemnizá-la; - enquanto o recorrido esteve na posse do estabelecimento, nele realizou obras de construção, de reparação, de instalação de água e electricidade e de ampliação e consolidação do prédio, a quais, dada a sua finalidade são necessárias; - as obras necessárias exigidas para o funcionamento do restaurante, feitas com investimento próprio e exclusivo, são qualificáveis como benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas sem detrimento do prédio nem do restaurante, e foram impostas pela Direcção-Geral do Turismo ou autorizadas pela Câmara Municipal de Silves, na altura na posse do imóvel; - caso tenha de entregar à recorrente a casa benfeitorizada, a recorrente beneficia de enriquecimento sem causa à custa do recorrido possuidor; - o acórdão recorrido cumpriu o disposto no artigo 216º e 1273º do Código Civil. II- É o seguinte o declarado provado no acórdão recorrido ou constante de documentos para que remete: 1. A autora é uma pessoa colectiva de direito público, designada por "Associação A", e nunca autorizou o réu a proceder a quaisquer obras. 2. Do inventário de bens imóveis entregues à autora pelo Estado Português para a obra de rega das Campinas de Silves, Lagoa e Portimão, constam edifícios destinados à exploração, dos quais a autora ficou fiel depositária, continuando na propriedade do Estado, entre eles um imóvel situado em Silves, junto à Barragem do Arade, habitualmente destinado à morada do engenheiro residente, designado por Casa .... 3. A Casa ... era inicialmente composta por uma cozinha, quarto de criada, lavabos anexos ao quarto da criada, sala de jantar e estar, dois quartos, quarto de banho, recinto coberto de entrada e um pequeno terraço anexo, ocupando o conjunto a área de 147,90 m2. 4. As suas paredes, construídas em alvenaria, eram rebocadas exteriormente e estucadas a gesso interiormente, as paredes interiores eram de tijolo, os pavimentos eram de madeira de pinho, excepto a cozinha e o quarto de banho, que eram de mosaico, os rodapés eram de madeira de pinho, excepto na sala de estar, em que as paredes eram forradas de madeira de castanho até á altura de 1,5 metros, na cozinha, no quarto de banho e no quarto de banho da criada, em que o rodapé era de mosaico e as paredes revestidas de azulejo até à altura de 1,5 metros. 5. Os tectos eram de madeira de pinho pintados a branco, excepto na sala de jantar e estar e recinto de entrada, que eram de vigamento e forro à vista, pintados de castanho, e o telhado era formado por uma estrutura de madeira, com guarda-pó na sala de jantar e recinto de entrada, coberto com telha tipo Campos. 6. Na Casa ... havia autoclismo de nove litros, banheira esmaltada de 1,70 x 0,75 x 0,44, bidet tipo inglês de 1ª, chuveiro cromado de 1/5", depósito de fibrocimento para 1000 litros com tampa de 1,45 x 0,95 x 0,82, depósito com capacidade de 125 litros para aquecimento directo, lavatório de coluna tipo inglês, lavatório Jamor, lavatório de parede de 2ª, lava-louça em pedra Pêro Pinheiro, retrete com autoclismo modelo 2 branca e ferragem para a cisterna, retrete Caima com assento de madeira, torneira misturadora "Carbon" cromada para água quente e fria com chuveiro de coluna e tanque com tampa branco para 16 litros. 7. No recinto coberto de entrada, em caixa aberta na parede, com porta de ferro, estavam instalados os fusíveis e o interruptor geral de alavanca ligados directamente a um poste Cavan por meio de uma baixada em fio BT. 8. A iluminação eléctrica da casa era formada por um recinto coberto de entrada havia um candeeiro de ferro forjado suspenso do forro do telheiro por correntes, também de ferro forjado, com lâmpada de 60 W e, na sala de jantar e de estar, havia um candeeiro de madeira de castanho, suspenso do tecto, com 6 lâmpadas tipo chama e uma lâmpada central de 100 W e, nos restantes compartimentos, um globo branco com lâmpada de 60 W, três amarrados ao tecto e dois suspensos por haste metálica. 9. A instalação de águas era constituída por tubos de ferro galvanizado de diferentes diâmetros, embebido nas paredes, que ligam os depósitos de água fria e água quente aos sanitários, banheira, chuveiros e lava-louça da cozinha. 10. A utilização do referido imóvel, entregue pelo Estado à autora, foi cedida, por acordo verbal, gratuita e precariamente, à Câmara Municipal de Silves, que teve, assim, a posse do mesmo durante alguns anos. 11. Na vigência daquela cedência, em escritura feita no dia 4 de Janeiro de 1982, perante o notário privativo da Câmara Municipal de Silves, C, seu Presidente, em representação daquela, por um lado, e o réu, por outro, declararam, a primeira conceder ao segundo, por 5.000$ mensais, a exploração do "Restaurante ...", por três anos, prorrogável por períodos de um ano mediante requerimento do concessionário, com sujeição a revisão do preço e, por outro, que o último não podia fazer obras alterantes da estrutura ou do traço arquitectónico do edifício e que toda e qualquer alteração, por mais insignificante, não poderia ser executada sem parecer dos serviços técnicos da Câmara e não ser consentida a aplicação de caixilharia de alumínio no edifício. 12. A Câmara Municipal de Silves deliberou, no dia 25 de Fevereiro de 1982, concordar com a seguinte...

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