Acórdão nº 04P2038 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução01 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. No primeiro juízo criminal do Seixal responderam em processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, os arguidos JAR, AMASPS e CMBAM, todos devidamente identificados, o primeiro acusado de autoria de crime de abuso sexual de crianças (art.º 172.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal) e crime de aborto (art.º 140.º, n.º 1, do Código Penal), a segunda de crime de aborto agravado (arts. 140.º, n.º 1 e 141.º, n.º 2, do Código Penal) e a terceira de crime de aborto (art.º 140.º, n.º 1, do Código Penal).

Efectuado o julgamento foram dados como provados os seguintes factos: Durante cerca de sete anos, entre o ano de 1994 e o verão de 2001, os arguidos JR e CM mantiveram entre si uma relação amorosa e, nesse contexto, viveram por diversos períodos juntos, como se de marido e mulher se tratasse; Residiram inicialmente, durante cerca de três anos na Rua Miguel Bombarda, Alto do Seixalinho, Barreiro e depois, desde finais de 1999 e até Agosto de 2001, na residência sita à Rua das Flores, n.º ....., ...., Paivas, Seixal; Nesse lapso de tempo, LSMS, nascida a 27 de Junho de 1988, filha da arguida CM, viveu sempre com a mãe; A arguida CM trabalha como empregada de mesa num estabelecimento de restauração, actividade que já desenvolvia quando vivia no Barreiro, com horário nocturno, prolongando-se o seu trabalho, em regra, até cerca das duas horas da madrugada, chegando a casa cerca de uma hora e meia depois; A sua filha L, nos períodos em que o arguido J viveu com a C, ficava até essa hora na companhia dele; Aproveitando essa circunstância, em momentos concretos não apurados, mas a partir de meados do ano de 1996, na residência sita à Rua Miguel Bombarda, Alto do Seixalinho, Barreiro, na ausência da arguida CM, o arguido passou a procurar LS e, numa das ocasiões sob ameaça de uma faca de cortar presunto, ordenou-lhe que mexesse no seu pénis, ao mesmo tempo que a acariciava; Assustada com o que lhe poderia acontecer, LS acedeu e fez o que lhe era ordenado, mantendo o arguido J a sua própria mão agarrada à dela; O arguido J, repetiu esse procedimento pelo menos uma vez por semana, sempre na ausência da arguida CM; Fê-lo de noite e de dia, mas sempre no período em que a arguida CM trabalhava, aproveitando a ausência dela, a presença da menor e a flexibilidade do seu próprio horário de trabalho, já que sempre trabalhou por conta própria; Para o efeito, procurou sempre LS e levou-a ora para a cozinha, ora para o quarto do casal, ora para o sofá da sala; Além da referida ocasião em que utilizou uma faca de cortar presunto, o arguido J agiu sempre com ameaças, dizendo à L que a mataria caso não fizesse o que ele queria, de que não veria mais a sua mãe, de que convidaria os seus colegas de escola e na presença deles faria o que era hábito, repetindo em seguida o referido procedimento, obrigando a L a mexer no seu pénis até se dar por satisfeito; Em datas concretas não apuradas, mas entre a data em que o arguido passou a viver com a C na Rua das Flores, n.º ...., ...., Paivas, em finais de 1999 e até meados de Maio de 2001, pelo menos uma vez por semana, o arguido introduziu o seu pénis na vagina da L e teve com ela relações de cópula completa; Isso aconteceu sempre contra a vontade da menor L, recorrendo o arguido sempre a ameaças similares às supra referidas; O arguido JR sempre soube a idade de LS e agiu em todo esse contexto no intuito de satisfazer as suas pulsões sexuais; No decurso do mês de Maio de 2001, o arguido JR soube que LS estava grávida, como ela efectivamente estava; Supondo que seria ele o autor dessa gravidez, tomou a resolução de lhe pôr fim; No decurso do mês de Junho de 2001, o arguido JR contactou a arguida AMS, que conhecera antes, em circunstâncias concretas não apuradas e propôs-lhe que interrompesse a gravidez de LS; Para o efeito, dirigiu-se a Setúbal com a L, onde os dois se encontraram com a arguida AM, num apartamento desta, sito na Rua Roberto Ivens, n.º ...., .... B, Setúbal; Aí a arguida AMS avaliou o estado da gravidez de LS e combinou com o arguido JR que faria a interrupção da gravidez no dia 9 de Junho de 2001, pelo preço de cento e cinquenta mil escudos; O arguido JR regressou a casa e convenceu a arguida CM a consentir no que ele projectara, a colaborar consigo nesse propósito e a acompanhar, para o efeito, a L ao local onde faria a interrupção da gravidez, já que a arguida AMS havia exigido a presença da mãe da menor para realizar o aborto; Tendo conseguido quer esse assentimento, quer essa colaboração, no dia 9 de Junho de 2001, cerca das 15h., estes dois arguidos levaram LS à referida casa pertencente à arguida AMS; Nessa casa encontrava-se a arguida AMS, que recebeu os outros dois arguidos e a LS; O arguido JR retirou-se e ficaram nessa casa as arguidas AMS e a CM, assim como a LS; A arguida AMS conduziu então LS a um dos quartos da casa, enquanto a arguida CM aguardava noutro aposento, onde ficou até à manhã do dia seguinte; Nesse primeiro quarto, a arguida AMS instruiu LS para que desnudasse a zona púbica e se deitasse, o que ela fez, após o que desinfectou a vagina da menor com Betadine e lhe administrou, por injecção, substância não apurada, mas indutora do trabalho de parto; Em consequência, LS, entrou em trabalho de parto, que se prolongou desde pouco depois das 15h. desse dia até às 6 horas do dia seguinte, momento em que o feto foi expelido, sem vida, por força das contracções que LS teve devido à substância que lhe fora administrada; O feto, do sexo masculino, tinha então cerca de vinte e oito semanas de gestação; Os arguidos JR e AM conheciam aquele tempo de gestação; Na sequência desses factos, por telefone, o arguido JR foi chamado à casa onde se encontravam a sua companheira, a filha desta e a arguida AMS; Esta última entregou-lhe um saco que continha o feto e disse-lhe que ele deveria desfazer-se dele; Depois de transportar a C e a L até à residência nas Paivas, o arguido deslocou-se a uma zona de aterros e areais, perto da Quinta da Conde, local onde colocou o saco com o feto, tapando-o com alguma terra; Para garantia do pagamento dessa interrupção da gravidez, o arguido JR entregou à arguida AMS um cheque emitido pelo valor de cento e cinquenta mil escudos; Mais tarde deu-lhe cinquenta mil escudos em dinheiro, para abatimento desse montante; A arguida AMS agiu de forma descrita apenas no intuito de obter o referido provento económico, o que era do conhecimento dos co-arguidos; Os arguidos sabiam que LS não era capaz, por força da sua idade, que conheciam, de consentir na interrupção da gravidez; Os arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; O feto foi encontrado enterrado, no local onde fora colocado pelo arguido J, após indicação deste, dentro de um saco preto, por sua vez colocado dentro de outro saco branco com letras verdes onde se lê AKI, tal como havia sido enterrado pelo JR; Efectuado exame pericial ao feto, pelo Instituto de Medicina Legal de Lisboa, o JR foi excluído da paternidade do feto e a menor LS não foi excluída como pretensa mãe do feto, concluindo esse exame por uma probabilidade de maternidade da Leila Simões de 99,9999996%, valor característico de uma maternidade verdadeira; A menor L teve relações sexuais, em datas diferentes, com mais do que um indivíduo; A menor L chegou a querer fazer crer que o pai da criança era NG, com quem namorou durante cerca de dois meses, no período de Abril e Maio de 2001; Provou-se, ainda: Os arguidos são primários; O arguido J trabalhava como serralheiro civil; Desenvolvia essa actividade no âmbito da sociedade Indser, L.da., com oficina própria, dois empregados e dois veículos pesados; Era considerado pessoa responsável e respeitadora, tanto nas relações profissionais como pessoais; Desde a sua prisão, a sociedade não desenvolve qualquer actividade; Separado, tem duas filhas, uma de menoridade, ambas aos cuidados da mãe; Em audiência, manifestou-se arrependido; A arguida AM é enfermeira desde há cerca de trinta e dois anos, trabalha por turnos, desenvolvendo a sua actividade em duas unidades hospitalares de Setúbal, do que retira cerca de €5.000/mês líquidos; Vive com o marido e três filhos, já de maioridade; É proprietária de dois andares em Setúbal; A arguida C é empregada de balcão, num estabelecimento de restauração, auferindo cerca de €400/mês; Vive com duas filhas; As arguidas AM e C são naturais de Guiné-Bissau; Não se provou: De entre os alegados, os...

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