Acórdão nº 04P254 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | PEREIRA MADEIRA |
Data da Resolução | 26 de Fevereiro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O Ministério Público acusou o arguido A, devidamente identificado, imputando-lhe a prática de dois crimes, em concurso real, um de burla, p. e p. pelo art.º 217.°, n.º 1; outro de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.°, n.º 1, a) e n.º 3, todos do C.Penal, porquanto, em síntese, num estabelecimento comercial adquiriu artigos (antenas parabólicas e descodificadores) para cujo pagamento entregou um cheque de terceira pessoa que assinou como se fosse ele o seu titular legítimo. Efectuado o julgamento veio a ser proferido acórdão em que, além do mais, foi decidido julgar totalmente procedente, por provada, a parte respectiva da acusação do Ministério Público, e, em consequência, condenar o arguido como autor material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.°, n.ºs 1, alínea b) e n°. 3, C. P., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Inconformado, recorre o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça assim delimitando o objecto do seu recurso: 1. O presente recurso cinge-se a uma questão de direito, a de saber se a comprovada conduta do arguido, que assina com o seu próprio nome, um cheque alheio, não sendo titular da conta integra um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256° , n.º 1 alínea b) e n.º 3 do Código Penal. 2. O Tribunal a quo entendeu, que sim, que esta conduta seria punível. 3. O arguido entende que não, porquanto: 4. Ficou provado que o arguido apôs no cheque a sua assinatura sem qualquer disfarce. 5. Quando alguém que não é titular da conta sacada, emite um cheque, nele inscrevendo a sua assinatura, sem disfarce e sem sequer pretender imitar a assinatura do titular da conta sacada, não comete o crime de falsificação de documento. 6. Sustentando esta opinião está o acórdão da relação do Porto de 21 de Abril de 1999 in CJ ano XXIV, 1999, tomo II, pág. 232 e B, cheque sem provisão, 1998, Coimbra editora, pág. 119 e 120. 7. Em face do disposto pelo art.º 1.°, n° 6 da lei do cheque, a assinatura do sacador é elemento essencial do cheque, o qual não poderá valer enquanto tal, se carecido deste elemento. A assinatura é um facto jurídico relevante. 8. O cheque dos autos foi assinado por quem não é titular da conta, por quem não tem legitimidade para dar a ordem de pagamento ao Banco sacado. 9. In casu o nome que consta do rosto do cheque é de uma senhora e foi o arguido que o preencheu e assinou, como resulta provado. 10. E o que a lei designa por um "falso grosseiro". 11. Há um preenchimento abusivo do cheque, mas não se verifica a incriminação por falsificação. 12. A assinatura constante do cheque não consta da ficha de assinaturas do Banco, logo tal cheque nunca seria pago. O Banco não iria ser convencido a pagar o cheque. 13. O documento não produz efeitos como cheque. 14. Não cria este cheque um facto juridicamente relevante. 15. Não produz com ele qualquer ordem e pagamento. 16. A viciação era facilmente perceptível tanto para o Banco sacado (que não iria proceder ao pagamento de qualquer importância) como também para a aqui ofendida. 17. A empregada da loja que aceita como meio válido de pagamento tal cheque, tem que aferir da titularidade da conta, se o titular que figura do cheque corresponde a quem o assina, cabe-lhe a ela aceitar ou não o cheque como meio de pagamento. 18. Um cheque assinado por quem não é titular, não afecta nem mais nem menos a credibilidade do título, do que a existência ou não de fundos para proceder ao seu pagamento. 19. E o risco normal do tráfico jurídico, risco que o aceitante do cheque quer assumir ou não. 20. Não afecta em nada a circulação cambiária. 21. Não há sequer prejuízo patrimonial, o banco sacado nunca iria proceder ao pagamento do cheque. 22. Não actuou o arguido com a intenção de obter para si ou para outrem benefícios ilícitos. 23. Situação diferente se o arguido tentasse imitar a assinatura de um titular da conta. 24. O arguido entende que não estão preenchidos os requisitos do crime de falsificação, logo não há crime. 25. Assim, sendo certo que perante terceiros, o arguido assume falsamente, a qualidade de sacador do cheque, não é menos certo que tal comportamento representa fraude a que se reporta o crime de burla. 26. A aposição da assinatura, não tem a intenção de falsificar o documento, mas tão só de astuciosamente provocar o erro e o engano a quem o recebe. 27. O comportamento do arguido enquadra-se na previsão do crime de burla. 28. Os ofendidos que decidam aceitar estes cheques sempre estariam protegidos pelo crime de burla. 29. O arguido a ser condenado teria que sê-lo pelo crime de burla e não pela falsificação de documento. 30. Crime esse em que houve desistência de queixa. 31. O arguido terá assim que ser absolvido do crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256°, n.ºs 1 alínea b) e no 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Pelo que revogando-se a douta decisão recorrida se fará Justiça. Respondeu o MP em defesa do julgado. Subidos os autos, manifestou-se a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no sentido de as primitivas conclusões do recorrente não obedecerem ao preceituado na lei, pelo que promoveu e foi atendida, a notificação do recorrente para as corrigir, o que aconteceu, nos termos descritos. A única questão sobre que importa tomar posição consiste em saber se com o comportamento provado foi ou não preenchido o tipo de crime de falsificação pelo qual veio a ser condenado. No despacho preliminar foi avançado o entendimento de que o recurso deveria ser rejeitado por manifestamente improcedente. Daí que os autos tenham vindo à conferência. 2. Colhidos os vistos legais em simultâneo, cumpre decidir. Vejamos, antes de mais, os factos provados: 1. - Na posse do impresso de cheque n.º 2662213377, relativo à conta n.º ......., da Caixa Geral de Depósitos, pertencente - como sua única titular - a C, e que a esta tinha...
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Acórdão nº 193/10.9TAMLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Junho de 2013
...falsificação, em que o arguido apõe a sua assinatura num módulo de cheque que sabe não ser seu, consultar o Ac. do STJ de 26-02-2002, proc. n.º 04P254, e a vasta jurisprudência nele citada. Numa situação, também considerada integradora do dito crime, traduzida na circunstância de o agente a......
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