Acórdão nº 04P3259 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução11 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I1.1.

O Tribunal Colectivo da Maia (proc. n.º 878/03.6JAPRT), por acórdão de 9-6-2004, condenou o arguido JASC, com os sinais nos autos, nas seguintes penas: - 8 anos de prisão pela prática de cada um dos dois crimes de violação, p. e p. pelo artº 164º, nº 1, do CP; - 13 anos de prisão pela prática de um crime de violação p. e p. pelos artºs 164º, nº 1, 177º, nº 3, e 18º, do CP.

- 3 anos de prisão pela prática de um crime de rapto, p. e p. pelo artº 160º, nº 1, do CP; - 2 anos e 6 meses pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CP; - 7 meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº 3º, nº 2, do DL 2/98 de 03-01.

- Em cúmulo jurídico, considerando que a pena a aplicar terá, por força do disposto no artº 77º, do CP, como limite mínimo a pena mais elevada - 13 anos - e como limite máximo a soma das penas aplicadas - 35 anos e 1 mês, reduzido a 25 anos, por força preceituado no nº 2, do referido artº 77º, do CP - e ponderados os ditames do mesmo preceito legal, na pena única de 19 anos de prisão.

E o arguido HFFM, com os sinais nos autos, nas penas de: - 8 anos de prisão pela prática de cada um dos 3 crimes de violação, p. e p. pelo artº 164º, nº 1, do CP; - 3 anos de prisão pela prática de um crime de rapto, p. e p. pelo artº 160º, nº 1, do CP; - 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CP; - Em cúmulo jurídico, considerando que a pena a aplicar terá, por força do disposto no artº 77º, do CP, como limite mínimo a pena mais elevada - 8 anos - e como limite máximo a soma das penas aplicadas 29 anos e 6 meses, reduzido a 25 anos, por força preceituado no nº 2, do referido artº 77º, do CP - e ponderados os ditames do mesmo preceito legal, na pena única de 15 anos de prisão.

Foram ainda os arguidos condenados no pagamento da quantia de 100 870,59 €, acrescida dos juros legais, à taxa em cada momento em vigor e a partir da notificação - 30-03-2004, à assistente e de 141,10 €, acrescida de juros legais, à taxa em cada momento em vigor, a partir da notificação - 09-06-2004 ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social.

1.2 Inconformados recorrem os arguidos.

1.2.1.

O HFFM dirigiu-se a este Supremo Tribunal, requerendo, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 4 do art. 411º CPP, a produção de alegações escritas, e concluiu na sua motivação: 1 - A omissão de qualquer exposição, ainda que concisa, sobre os motivos de direito que levaram o Tribunal "a quo" a condenar o recorrente pela prática de um crime de roubo e um de rapto constitui, ao abrigo e nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 3?9º do CPP, fundamento para declaração de nulidade da sentença e consequente correcção da mesma.

2 - Os meritíssimos juízes "a quo", ao consideraram, remetendo para os artigos 164º n.º 1 e 30º do CP, que o recorrente praticou três crimes de violação dizendo: "No caso dos autos terá de se considerar que o arguido JASC cometeu um crime quando introduziu o pénis na vagina da ofendida e outro quando o introduziu na boca da mesma. É que, no caso, não se vislumbra qualquer situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do arguido. Cremos até que a segunda violação - introdução do pénis na vagina, depois de o ter feito na boca - aumenta a culpa do arguido. Neste sentido veja-se o Ac do STJ de 10-01-1996, supra referido. Acresce que também não se vislumbra qualquer homogeneidade na execução do crime." 3 - Os art.ºs 15º a 23º dos factos provados revelam a prática de um único crime de violação.

4 - O facto de, os arguidos, vendo a vítima a seguir por um caminho de terra batida, terem decidido, de comum acordo, segui-la no intuito de a raptarem para com ela terem depois relações sexuais e tendo depois executado o seu plano revela que actuaram de acordo com uma única resolução criminosa.

5 - Segundo dispõe o art. 30º do CP, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

6 - A violação praticada pelo co-arguido JASC, realizando coito oral e cópula, viola a mesma norma jurídica - o n.º 1 do art. 164º do CP 7 - Há tantas violações de uma norma quantas as vezes que ela se mostrou ineficaz na sua função condicionadora da vontade do agente e o que indica o número de vezes em que se revela aquela ineficácia é a resolução criminosa sendo que, de todas as vezes que o agente resolve agir contra o comando de uma norma jurídica, de todas essas vezes, também, o seu comando se mostrou ineficaz.

8 - Tendo, os agentes decidido, "ab initio", manter relações sexuais com a vítima - o que pode envolver todas as suas dimensões de cópula, coito anal e coito oral - e actuado em conformidade com o seu propósito; não tendo havido, no desenvolvimento da actuação dos arguidos, qualquer renovar da resolução criminosa terá de se concluir ter havido unidade de resolução por toda a actuação.

9 - Se houve urna única resolução, apenas poderá haver também um único juízo de censura relativamente aos actos praticados por cada um dos arguidos, sendo considerada a verificação de uma única violação da norma legal.

10 - A realização de dois dos tipos de relação sexual, deve ser considerada, no caso concreto, não em sede de concurso de crimes mas em sede de graduação da culpa e, consequentemente, em sede de graduação da pena, sendo que se deverá concluir pela existência de um único crime de violação quando o arguido JASC pratica coito oral e cópula com a vítima.

11 - Tendo a conduta dos agentes preenchido mais que um tipo legal de crime - o de rapto e o de violação - levanta-se, uma vez mais, a questão da aplicação do art. 30º do CP, ou seja, a questão do concurso de crimes.

12 - O facto de se preencherem diferentes tipos legais de crime não significa, necessariamente, que o agente seja, ou deva ser punido por ambos.

13 - Há que distinguir consoante nos deparamos com um CONCURSO LEGAL, aparente ou impuro, em que a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime mas, por via da interpretação, se conclui que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente absorvido por um só dos tipos violados; ou, ao invés, estamos perante um verdadeiro CONCURSO EFECTIVO, em que entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente se não dá uma exclusão, mas antes as diversas normas aplicáveis aparecem como concorrentes na aplicação concreta.

14 - O tipo legal do crime de rapto e o tipo legal do crime de violação protegem, no essencial, o mesmo valor - a pessoa humana - tendo o legislador distinguido apenas em função do juízo valorativo necessariamente associado ao tipo e à gravidade da infracção.

15 - A prática de um crime de violação envolve necessariamente o rapto da sua vítima, ou o seu sequestro, pois não é possível sem a privação da liberdade de movimentos.

16 - O rapto, constituindo a violência necessária para o agente consumar os seus intentos, e tendo sido levado a cabo com essa intenção, não pode deixar de ser entendida como estando em relação de consumpção com o crime de violação, afirmando-se, em consequência, a existência de um concurso aparente, e a absorção do crime de rapto pelo crime de violação.

17 - Tendo os arguidos apenas decidido raptar a vítima para com ela terem depois relações sexuais e libertado a mesma assim que consumaram os seus intentos, o rapto não se manteve para além do estritamente necessário à prática criminosa pelo que não assume autonomia relativamente ao crime de violação praticado.

18 - Ao decidirem no sentido da condenação do recorrente pela prática de um crime de rapto, os meritíssimos juízes violaram o disposto no art. 30º do CP.

19 - A medida da pena determina-se em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção especial e geral que ao caso couberem sendo que aquela há-de servir para retribuição justa do mal praticado e dar sentimento de justiça da comunidade, servir como elemento dissuasor e contribuir para a reinserção social do delinquente.

20 - Na determinação da medida concreta da pena devem ser devidamente considerados nomeadamente: a idade do recorrente; a modesta condição social do recorrente," as desculpas apresentadas em audiência de julgamento; o arrependimento revelado em audiência de julgamento.

Nestes termos e nos melhores de direito que Vs. Ex.as mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de harmonia com as precedentes conclusões: decretando a nulidade da sentença e determinando a sua correcção; condenando o recorrente pela prática de dois crimes de violação; absolvendo o recorrente da prática de um crime de rapto; reduzindo a medida das penas em que o recorrente foi condenado por excessivas; e determinando a reformulação do cúmulo jurídico realizado, Devendo tais artigos ser interpretados no sentido, mais favorável ao Recorrente, segundo o qual o Tribunal deve aplicar-lhe penas parcelares na medida acima descrita, que, em cúmulo jurídico, não excedam a pena única de 12 (doze) anos de prisão, assegurando, esta, no caso concreto, as finalidades da punição.

1.2.2.

Já o JASC, concluiu: I - Ao condenar o Recorrente na pena única de 19 (dezanove) anos de prisão, violou o Tribunal recorrido os artigos 71.º e seguintes do Código Penal, porquanto entendeu que, no caso concreto, as finalidades da punição não seriam salvaguardadas sem a aplicação de pena de prisão de medida inferior a essa, II - Devendo tais artigos ser interpretados no sentido, mais favorável ao Recorrente, segundo o qual o Tribunal deve aplicar-lhe penas parcelares na medida acima descrita, que, em cúmulo jurídico, não excedam a pena única de 12 (doze) anos de prisão, assegurando, esta, no caso concreto, as finalidades da punição (ponderadas as suas condições pessoais e a sua situação económica, a sua conduta anterior aos factos (tendo especialmente em consideração a ausência de antecedentes criminais do Recorrente) e o...

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