Acórdão nº 04P725 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução25 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. No Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, foi julgado improcedente um recurso interposto pelo arguido A e, assim, confirmada a condenação do mesmo na pena de 21 anos de prisão, pela co-autoria de um crime de homicídio qualificado, consumado, p.p. nos art.ºs 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2 als. f), g) e i) do C. Penal, com a agravação da reincidência (art.ºs 75.º e 76.º desse Código). Este arguido fora julgado, juntamente com os arguidos B e C, no Tribunal do Círculo Judicial do Barreiro, sendo todos condenados pelo referido crime (o B ainda por um crime de furto), para além de todos terem sido condenados solidariamente no pedido cível, parcialmente provido. Num primeiro momento, todos os arguidos recorreram da decisão condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por Acórdão de 28 de Janeiro de 2003, portanto anterior àquele outro já referido, negou provimento ao recurso do A (o qual, essencialmente, impugnou a matéria de facto, mas a Relação não conheceu dessa impugnação por o recorrente não ter observado as formalidades previstas no n.º 3 do art.º 412.º do CPP, e não ter efectuado transcrição das provas produzidas na audiência), mas concedeu provimento parcial aos recursos dos arguidos B (fixando para este em 13 anos de prisão a pena pelo homicídio qualificado e em 8 meses de prisão pelo furto, a que correspondeu a pena única de 13 anos e 2 meses de prisão) e C (fixando em 15 anos a pena pelo homicídio qualificado). Desse primeiro Acórdão da Relação recorreu apenas o arguido A para este Supremo Tribunal de Justiça e aqui, por Acórdão de 14 de Maio de 2003, no provimento parcial do recurso interposto, decidiu-se revogar a decisão recorrida quanto a este arguido, para que o Tribunal da Relação pudesse convidar o recorrente a formular novas conclusões no recurso para a Relação, agora com observância das formalidades contidas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do CPP, e para que fosse ordenada à 1ª instância a transcrição da prova produzida em audiência. Tendo-se procedido à transcrição da prova, o recorrente A apresentou novas conclusões de recurso, tendo este sido julgado novamente na Relação de Lisboa pelo aludido Acórdão de 16 de Dezembro de 2003. 2. Deste último acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu novamente para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido A e, da sua motivação, concluiu que (transcrição): 1. O acórdão recorrido viola o artigo 379.°, n.º 1, alínea c) do CPP, aplicável, ex vi do artigo 425.°, n.º 4 do mesmo diploma legal, na medida em que não se pronuncia sobre todas as questões que lhe apresentadas e que eram objecto do recurso, nomeadamente a valorabilidade das declarações dos co-arguidos e a admissibilidade de valoração exclusiva das declarações do arguido B no primeiro interrogatório judicial de arguido depois de detido; 2. Perspectiva diversa traduzir-se-á numa violação do direito ao recurso e, portanto numa decisão contrária ao estatuído no artigo 32.°, n.º 1 da CRP; 3. A decisão recorrida omite uma necessária apreciação crítica da prova, limitando-se a fundamentar com remissões para o acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância; 4. Assim sendo, o aresto recorrido padece de vício de falta de fundamentação; viola o artigo 205.° da CRP, o artigo 97.°, n.º 4 e 374.°, n.º 2 do CPP, este último, ex vi dos artigos 425.°, n.º 4 e 379.°, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma legal; 5. Da análise do texto do acórdão recorrido, ou antes das remissões para a decisão proferida pelo Tribunal de Comarca, é possível concluir que se verifica erro notório na apreciação da prova, tal como previsto no artigo 410.°, n.º 2, alínea b) e c) do CPP, conforme melhor se especifica nas pp. 27 e ss da presente motivação: 6. As declarações dos co-arguidos, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça e da nossa doutrina mais abalizada, embora sejam um meio admissível de prova, não são, por si só, eficientes para levar à condenação de outro co-arguido, ademais, quando as declarações atendidas são as que foram prestadas em primeiro interrogatório de arguido detido e vieram a ser contrariadas em audiência de julgamento, pelo próprio arguido; 7. O douto Tribunal de Primeira Instância fundou a sua convicção exclusivamente nas declarações apresentadas pelo arguido B em sede de primeiro interrogatório judicial, sem qualquer elemento de corroboração e desprezando em absoluto as suas declarações em audiência de julgamento; 8. No vertente caso, a prova advinda das declarações do arguido B é insuficiente para a condenação do arguido, ora recorrente, e a sua valoração como elemento essencial da prova, sem qualquer corroboração, constitui interpretação materialmente inconstitucional do artigo 345.°, n.º 1 do CPP, por infringir o artigo 32.º, n.ºs 1 e 6 da CRP; 9. Ao arguido não foi possibilitado o exercício do contraditório quanto às declarações do arguido B, prestadas em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pelo que resulta uma interpretação inconstitucional da alínea b) do n.º 3 do artigo 356°, conjugado com o n.º 2 do artigo 355.°, do CPP, no sentido das declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial poderem ser prova exclusiva contra o co-arguido, mesmo quando venham a ser alteradas em fase de julgamento, precisamente por violação dos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 32° da CRP; 10. O tribunal a quo fundou a sua convicção com base numa prova inválida, ou, ao menos, insuficiente; em qualquer das hipóteses, tal prova ao não poder ser valorada ou sendo manifestamente insuficiente para levar à condenação do ora recorrente, imporá a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que determine a absolvição do arguido A. Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso merecer provimento e por uma questão de economia processual, decididas as questões pela ordem indicada: Procedendo o presente recurso quanto à insuficiência da prova produzida para levar à condenação do ora recorrente, deverá ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que absolva o arguido da prática do crime que lhe é imputado; Quando assim se não entenda, deverá o presente recurso ser julgado procedente, pela existência de erro notório na apreciação da prova e, consequentemente, ser determinado o reenvio do processo para que se proceda a novo julgamento, nos termos previstos no artigo 426.° do CPP; Quando assim se não entenda, deverá o douto acórdão recorrido ser declarado nulo, por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação da decisão, determinando-se a descida os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para que seja proferido novo acórdão. 3. O Ministério Público na Relação respondeu ao recurso, concluindo que (transcrição): 1.° O Acórdão recorrido conheceu de todas as questões que constituem o objecto do recurso interposto para este Tribunal da Relação e que, como se sabe, é delimitado pelas conclusões da motivação. 2.° O Tribunal de 1ª Instância observou o disposto no artigo 127.° do CPP na valoração da prova produzida em audiência. 3.° O Acórdão da 1ª Instância não enferma dos vícios do artigo 410.°, n.º 2 do CPP, nem de contradições e insuficiências ficou assim, assente definitivamente a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal da 1ª Instância. 4.° Face à matéria de facto provada não merece censura a qualificação jurídico-penal feita pelo Acórdão da 1ª Instância. 5.° Também se afigura justa e adequada a pena imposta ao arguido face à moldura penal abstractamente aplicável ao crime pelo qual o arguido foi condenado, ao grau de culpa e ilicitude que são elevados, bem como à gravidade das consequências da sua conduta. 6.° Não merece pois, qualquer censura o douto Acórdão deste Tribunal da Relação ao negar provimento ao recurso do arguido e manter inalterado nesta parte, o Acórdão do Tribunal da 1ª Instância. 7.° Deve pois, negar-se provimento ao presente recurso e confirmar-se o Acórdão deste Tribunal da Relação. A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal pronunciou-se pela rejeição do recurso quanto à parte em que se invocam os vícios do art.º 410.º, n.º 2, pois os recursos para o STJ só podem ter por finalidade o reexame da matéria de direito, prosseguindo, no entanto, para audiência para conhecimento das demais questões. O relator, no seu despacho liminar, mandou os autos para audiência, para aí se conhecerem de todas as questões. 4. Colhidos os vistos, foi realizada a audiência com o formalismo legal. Cumpre decidir. Os factos que vêm da 1ª instância, provados e não provados, com a respectiva fundamentação, tudo confirmado e reafirmado pela Relação, são os seguintes: A) FACTOS PROVADOS Como factos relevantemente provados foram apurados os seguintes: Em data não apurada, os arguidos B e A encontraram-se em Setúbal e definiram um plano para, em data a combinar, "assaltar um usurário", de nome D, residente na Quinta do Conde, indivíduo já conhecido do arguido A. Este arguido A deu conta desse plano ao arguido C, que aceitou também nele participar. Pretendiam os arguidos apropriar-se de objectos e valores que o referido indivíduo tinha na sua residência. Assim, e conforme o plano previamente delineado pelos arguidos, estes encontraram-se em Setúbal na manhã do dia 12 de Maio de 1999, altura em que decidiram a execução do plano nesse dia à tarde, tendo-se, nessa ocasião encontrado os arguidos B e C pela primeira vez. À tarde, o arguido B dirigiu-se para a Quinta D, sita na Estrada Nacional, 10, Coina, área desta comarca. Chegado ao local, o arguido B deixou o veículo estacionado na beira da estrada e foi a pé até ao portão da Quinta. Encontrou D no exterior e entraram os dois na residência, tendo o arguido B deixado a porta da entrada entreaberta, tal como tinha combinado com os restantes arguidos. Cerca de 20/30 minutos depois, e de acordo com o que tinham planeado, entraram na residência os arguidos C e A. Nesse momento, o arguido B e D...

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