Acórdão nº 04P774 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução06 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, a 4ª Vara Criminal de Lisboa, condenou EJTM e DLC, como co-autores de um crime de tráfico comum de drogas ilícitas, nas penas, respectivamente, de 7 anos e 10 meses de prisão e de 6 anos e 9 meses de prisão. Inconformados, os dois arguidos recorreram à Relação de Lisboa, mas em vão o fizeram, já que, por acórdão de 19/11/03, julgou ambos os recursos improcedentes. Ainda irresignados, recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça balizando assim respectivamente o objecto dos recursos: A. O arguido EM, pedindo uma vez mais, a absolvição, a anulação do acórdão recorrido ou a condenação na pena mínima: O acórdão não fundamentou devidamente a decisão quanto às implicações da nulidade das escutas telefónicas. Designadamente quanto ao nexo de causalidade entre a nulidade das escutas e a existência processual dos arguidos. A decisão já não se pronunciou quanto ao nexo de causalidade entre a nulidade das intercepções telefónicas e a apreensão da droga, tal como o recorrente havia solicitado nas suas conclusões de recurso. De todo o modo sempre se dirá verificar-se claro e inequívoco nexo de causalidade entre as escutas telefónicas e os restantes elementos de prova, de que o tribunal se socorreu para fundamentar a sua convicção. Com efeito, como resulta do depoimento do encarregado da investigação (inspector JV) e de vários relatos de vigilâncias externas, foi com base nos elementos colhidos através das escutas telefónicas que se soube da existência processual dos arguidos E, JD. E ainda, foi através dos elementos colhidos nas escutas que se soube da vinda de uma mala com droga, bem como do restante circunstancialismo da sua chegada. É pois bem evidente o nexo de causalidade entre as escutas e os elementos determinantes para a formação da convicção do douto tribunal. É esta a melhor interpretação a dar aos artigos 187º, 188º, 189º e, sobretudo, ao 122º do CPP, pois a dar-se-lhes outra então essas normas são inconstitucionais por contenderem com o estatuído nos artigos 32º, nºs. 1 e 8, e 34º da CRP. De todo o modo, sem conceder, sempre se dirá que a medida da pena se mostra excessiva. Na verdade, a considerar-se sã a confissão dos arguidos, então a sua relevância para a prova dos factos foi decisiva. Ora, esta circunstância não foi devidamente ponderada pelo acórdão de que se recorre. Além do mais, o recorrente é primário e tem quatro filhos menores. Entende-se assim, tal como o juiz que votou vencido, que a pena deveria ser inferior. Por tudo o que se disse a pena nunca deveria de ser superior ao mínimo legal aplicável. B. O arguido DL, impetrando a absolvição (em face das nulidades das escutas e dos actos que delas dependeram) (1) - ou a atenuação especial da pena (arts. 31º do dec. lei 15/93 e 71º e 73º do CP) - e, enfim, a sua suspensão: A nulidade das intercepções telefónicas torna inválidos todos os actos que delas dependerem e que puderem afectar posteriormente. A entidade investigadora obteve conhecimento da operação descrita nos autos, única e exclusivamente, por intermédio das escutas telefónicas que o tribunal "a quo" declarou nulas. A apreensão do produto estupefaciente, e bem assim de todas as listagens relacionadas com a mala onde o mesmo vinha e respectivos voos, só foi efectuada por a polícia judiciária ter tido acesso às referidas escutas. Como tal, todas as apreensões feitas e inclusivamente a detenção dos arguidos, dependeu das intercepções telefónicas que, sendo nulas, tornam inválidos estes actos. O tribunal "a quo" condenou os arguidos com base nas declarações, violando o disposto nos artigos 122º, nº. 1 do CP e 32º, nºs. 1 e 8 da CRP, diminuindo manifestamente as garantias de defesa do arguido recorrente. Com efeito, as estratégias de defesa de um arguido são elaboradas e pensadas em função das provas existentes no processo. Sendo as escutas nulas e, não havendo qualquer outra prova que contra o recorrente depusesse, duvidoso seria que se aconselhasse o recorrente a fundamentar a sua própria condenação. O acórdão ora recorrido não fundamentou correctamente a decisão proferida no sentido do efeito causado pela nulidade das escutas telefónicas. Ocorre nexo de causalidade entre a nulidade das escutas telefónicas e a existência processual dos arguidos. O acórdão da Relação não se pronunciou quanto ao nexo de causalidade entre a nulidade das escutas e a apreensão da droga, questão esta suscitada nas motivações de recurso. O acórdão da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre o nexo de causalidade entre as escutas telefónicas e os restantes elementos de prova, designadamente a confissão dos arguidos. Só ocorre confissão porque existiam escutas telefónicas; tendo sido estas declaradas nulas, a confissão está contaminada. Pelo exposto, deverá concluir-se pela absolvição do recorrente por insuficiência de prova. Se assim se não entender e dado que as conclusões expostas privilegiam o aspecto processual em obstrução da verdade material, dever-se-á ter em conta que: a) a matéria de facto foi erroneamente apreciada; b) resulta do próprio acórdão proferido pelo tribunal "a quo" a colaboração exaustiva que o recorrente teve com a Polícia Judiciária; c) tal colaboração foi evidenciada pelo próprio coordenador da investigação, que a qualificou como muito importante para todo o processo; d) o recorrente efectuou chamadas telefónicas e marcou encontros com o arguido E, na presença dos inspectores da Polícia Judiciária, a fim de esta entidade poder proceder à detenção desse arguido; e) mais tarde, o recorrente procedeu a auto de reconhecimento do arguido E como sendo a pessoa que tratava por «Dr.» nas escutas telefónicas e a quem ia entregar a mala, objecto dos presentes autos; f) o coordenador da investigação, em audiência de julgamento, salientou a importância do auto de reconhecimento assinado pelo recorrente, evidenciando a atitude invulgar, do recorrente, em processos relacionados com tráfico de estupefacientes; g) a colaboração do recorrente foi extremamente importante não só para a identificação do co-arguido E, mas também para a própria descoberta da verdade material, servindo como prova chave da fundamentação da condenação; h) a pena aplicada não valorou devidamente a decisiva colaboração prestada às autoridades policiais pelo recorrente, bem como a implícita prognose favorável de reinserção social, inexistindo quaisquer circunstâncias agravantes. Revelador da falta de valoração da colaboração do recorrente é o facto do tribunal "a quo" não fazer qualquer referência ao reconhecimento que o recorrente fez, em sede de inquérito, do arguido E. A conduta do recorrente exige a aplicação ao mesmo do artigo 31º do DL 15/93. Mesmo que assim se não entendesse, sempre seria de concluir, sem grande margem para dúvidas, que os infindáveis esforços de colaboração do recorrente são verdadeiros actos demonstrativos do seu sincero arrependimento. A Relação não se pronunciou sobre a eventual aplicação da atenuação especial. Nos termos dos artigos 72º, nº. 1 e nº 2, al. c), e 73º do C. P., a pena do recorrente deverá ser especialmente atenuada, situando-se numa moldura penal abstracta entre os 8 meses e 8 anos de prisão. Acresce que os factos dados como provados, desde que objecto de uma correcta ponderação e avaliação, e ainda que não colocado o ora recorrente ao abrigo do artigo 31º do DL 15/93, aconselhariam a aplicação de uma pena correspondente ao mínimo do artigo 21º do DL 15/93, especialmente atenuada e suspensa na sua execução. E mesmo que assim se não considerasse, a pena do recorrente nunca deveria ser superior ao limite do citado artigo 21º. O Ministério Público, nas suas contra-alegações, aceitou o princípio do efeito à distância, mas não o alcance que se lhe pretendeu dar, e admitiu, no caso do arguido DL, que a importância da sua colaboração possa conduzir - mas não nos termos do art. 31º do Dec. Lei 15/93 - a uma redução da pena ainda maior: AS ESCUTAS. Declaradas nulas as escutas telefónicas, tornam nulo o acto em que se verificam, bem como os que dele dependeram e aquelas que puderam afectar, como bem refere o disposto no artigo 122º, nº. 1, CPP. O parecer junto do Doutor Costa Andrade defende o princípio do "efeito à distância", como princípio imanente da nulidade das escutas telefónicas, para concluir pela nulidade de todas as outras provas, por conexas com as escutas ilegítimas. A questão hoje não é de aceitar o princípio do efeito á distância, mas definir qual o alcance deste princípio. Aí as doutrinas e jurisprudências não acompanham o parecer do Doutor Costa Andrade, numa interpretação extensivo-formal, civilística, que levaria a nulidade de todas as provas, que directa ou indirectamente pudessem resultar das escutas ilegítimas. (...) O alcance deste princípio deverá ter como limite um outro princípio, o princípio do nexo de causalidade necessária ou seja do princípio "sine qua non". Só devemos aceitar como efeito à distância da nulidade das escutas as provas a que se possa responder, absoluta e necessariamente, que sem as escutas nunca teriam existido, como imanência do princípio "sine qua non" ou princípio da causalidade necessária, obtendo-se equilíbrio entre ambos os princípios. E foi isso que fez o acórdão recorrido. Pronunciou-se de forma clara, por remissão às provas e factos provados na 1ª instância, sobre o nexo de causalidade entre as escutas nulas e os outros meios de prova. Aplicando o princípio do nexo de causalidade necessária, "sine qua non", responderemos da seguinte forma: - É garantido e absoluto que sem as escutas as mala do estupefaciente não seria encontrada? - É seguro e absoluto que sem as escutas os arguidos não confessavam o crime da forma como o fizeram? - É seguro e garantido que sem as escutas o arguido D não colaboraria com a PJ na investigação? - É seguro e absoluto que sem as escutas as buscas não se faziam, nem se identificavam os arguidos? Ora, a resposta...

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