Acórdão nº 04S2268 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | VÍTOR MESQUITA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório "A", casado, com domicílio na Avenida Duque D'Ávila,.... Esquerdo, em 1050 Lisboa, intentou, em 24.08.99 intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra a Cooperativa de Ensino Universitário, CRL (B), com sede na Rua de Santa Marta, n° ..., em Lisboa a presente acção com processo ordinário, peticionando: a) se declare a ilicitude do despedimento do autor; b) se condene a ré a pagar ao autor, em virtude da subsistência do contrato, as retribuições devidas desde a data do despedimento que, à data da propositura da acção, ascendem a € 14.843,32 (2.975.819$00); c) se condene a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização que vier a ser apurada até à data da sentença a qual, à data da propositura da acção, ascende a € 18.891,49 (3.787.404$00); d) se condene a ré a pagar ao autor, a título de diferenças salariais, vencimentos em dívida e retribuição pelas funções de secretariado e direcção, a quantia de € 85.430,74 (17.127.325$00); e) se condene a ré a pagar ao autor, juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre cada uma das quantias supra peticionadas, desde 24.08.99 até integral e efectivo pagamento. Para tanto alegou, em síntese: que trabalhou subordinadamente para a ré, desde 30 de Outubro de 1986, inicialmente tão só como docente, exercendo funções correspondentes à categoria profissional universitária de Professor Auxiliar Convidado e a partir de 1 de Outubro de 1988 e até Dezembro de 1993 também como Secretário do Curso de Especialização em Ciências Documentais (CECD); que desde o início de Maio de 1992 e até final de Setembro de 1997, exerceu em acumulação com as funções docentes, o cargo de Director do mesmo CECD, também designado de Coordenador; que a ré lhe veio progressivamente a retirar as funções exercidas e a diminuir a respectiva remuneração acabando por o despedir sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, em Outubro de 1998.
A Ré apresentou contestação, por excepção, invocando a incompetência material do Tribunal do Trabalho, por entender que está em causa um contrato de prestação de serviços, e invocando a prescrição dos créditos reclamados pelo A., por ter passado mais de um ano entre a cessação do contrato e a propositura da acção. Alegou ainda factos dos quais conclui que o alegado pelo A. não consubstancia um contrato de trabalho, que o serviço de docência prestado visa o resultado do ensino da matéria em questão, sem qualquer orientação ou fiscalização pela C ou pela B, sendo o horário das aulas fixado de harmonia com as conveniências do A., não carecendo este de justificar as suas faltas e sendo a remuneração fixada em função do número de horas realmente leccionado. Invocou também que as relações contratuais entre as instituições particulares universitárias e os seus docentes não podem obedecer a um puro contrato de trabalho, que a B é uma cooperativa de prestação de serviços e os professores são havidos como prestadores de serviços pela própria lei (arts. 10º e 11º do D.L. nº 441-A/82 de 6 de Novembro que estabelece as disposições relativas às cooperativas de ensino), que a autonomia e independência do A. na sua docência flui do princípio da autonomia universitária consagrado na Constituição da República Portuguesa e na lei ordinária e que este princípio obsta a uma aplicação do dever de ocupação efectiva por parte da R. a quem está vedada a possibilidade de atribuir ou assegurar serviço a um docente em concreto, sendo à C que compete em exclusivo tal distribuição. Finalmente defende-se por impugnação.
Respondeu o autor concluindo como na petição inicial e pugnando pelo indeferimento da defesa por excepção, bem como pelo indeferimento da excepção de ilegitimidade passiva que, apesar de a ré não o ter referido expressamente, resulta, na opinião do autor, do articulado da contestação.
Foi proferido o despacho saneador que julgou o Tribunal do Trabalho competente em razão da matéria e relegou o conhecimento da excepção da prescrição invocada pela Ré para a decisão final.
Foram organizados especificação e questionário.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual o A. veio a declarar que opta pela cessação do contrato e pelo recebimento da consequente indemnização (fls. 354).
Foi proferida a sentença de fls. 353 e ss., que julgou improcedente a excepção da prescrição e parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarou a ilicitude do despedimento do autor e condenou a ré a pagar ao autor as quantias que se vierem a apurar em execução de sentença, relativas a retribuições devidas entre 30 dias antes da propositura da acção e a data da sentença, indemnização por despedimento, diferenças salariais e juros vencidos e vincendos.
Inconformada com a decisão, interpôs a R. recurso de apelação, em que concluiu do seguinte modo (1): 1ª - A jurisprudência e a doutrina são concordantes em que o nomen juris não vincula as partes e muito menos o tribunal, e é o conteúdo real das relações contratuais, como se mostra assumida pelas partes, que importa apurar a respeito; 2ª - E o factualismo realmente provado não suporta a conclusão que a sentença recorrida dele extrai, ou seja, que a relação jurídica em causa configure uma relação de trabalho subordinado; 3ª - O A. não provou a existência dos factos que consubstanciam os elementos essencialmente constitutivos do contrato de trabalho que invocou - nem as ordens, nem a fiscalização, nem a direcção da R. - pelo que a sua pretensão terá que soçobrar; 4ª - Pelo contrário, ficaram provados factos que excluem a existência da subordinação jurídica, considerado o elemento fulcral para a existência do contrato de trabalho; 5ª - Nomeadamente, provou-se que o horário das aulas a prestar pelo autor na C era fixado, no início do «curso» e ano ou semestre, de acordo com as conveniências e disponibilidades do mesmo autor; 6ª - O autor trabalhava na Direcção-Geral das Alfândegas desde 28.01.85, onde era e é Assessor Principal, a tempo completo; 7ª - A distribuição de serviço ao autor, como a todos os docentes da C, era feita exclusivamente pelos órgãos académicos, sem que a ré tivesse, nessa matéria, qualquer interferência; 8ª - A remuneração do A. era medida pelo serviço realmente prestado - as aulas efectivamente dadas dentre as acordadas em cada ano lectivo, que podiam variar; 9ª - Pelo que a remuneração era medida pela docência efectivamente prestada (número de aulas) e não pela mera disponibilidade abstracta para a sua prestação, como é próprio do contrato de trabalho subordinado; l0ª - O autor não carecia de justificar as suas faltas, sucedendo unicamente que quando faltava nada recebia; 11ª - No que concerne à organização do tempo de trabalho a B apenas participa no ajuste sobre o "serviço docente" a estabelecer com "órgãos académicos competentes"; 12ª - O docente conserva plena liberdade para a organização do seu tempo relativamente à preparação das aulas e actividades complementares; 13ª - O modo de realização do ensino - métodos pedagógicos, instrumentos de estudo, formas de actividade, articulação de matérias, etc. - estava expressamente salvaguardado perante interferências directivas, organizativas ou fiscalizadoras da B pela garantia da autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira; 14ª - Não se descortina, na matéria provada, a existência sequer de espaço para o aparecimento de deveres de obediência especificamente incidentes sobre o modo de exercício das actividades do A.; 15ª - Pertence ao critério do docente a organização dos meios (elementos de consulta, textos de estudo, grau e extensão da investigação preparatória das aulas) que possibilitam o seu ensino; 16ª - Demais, nada obsta que no contrato de prestação de serviços possa haver ordens ou instruções, as quais se dirigirão, contudo, ao objecto do resultado a alcançar - e não quanto à forma de o atingir (Ac. do STJ de 22.06.89, no BMJ 388, p. 332); 17ª - Tendo o A. invocado a existência de um contrato de trabalho celebrado entre ele e a R., cabe-lhe fazer a prova dos seus elementos essencialmente constitutivos, "designadamente, que a sua actividade era prestada sob as ordens, direcção e fiscalização da R., sob pena de improcedência da sua pretensão" (citado Acórdão); 18ª - Este o entendimento, para casos análogos - em que a aqui recorrente e outros docentes da C eram partes -, da recentíssima e muito qualificada Jurisprudência do nosso Supremo Tribunal; 19ª - E o respeito para com os valores inerentes à "justiça relativa" impõe que o caso dos autos deva ter solução igual aos acabados de referir, também em obediência ao disposto no art. 8°, n. 3, do Código Civil; 20ª - Uma vez que "todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele (..) o único critério legítimo (para distinguir o contrato de trabalho e o de prestação de serviços) está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora" (Inocêncio Galvão Teles, BMJ n° 83, p. 165), isto é, se existe ou não subordinação jurídica; 21ª - Também nos artigos 11 n. 3, 13 n. 4 do DL 441-A/82, de 6.11 (DL 441-A/82 que estabelece disposições relativas às cooperativas de ensino) consideram-se os docentes unicamente prestadores de serviços); 22ª - Contudo, se, porventura, de contrato de trabalho subordinado se tratasse - o que se não concede -, nunca seria de aplicar ao caso o regime legal próprio previsto na lei geral, já que a sua aplicação era manifestamente afastada pelo art. 40 n. 2 do art. 271/89, de 19.08; 23ª - Depois, de igual modo essa aplicação - do regime do contrato de trabalho individual - foi e é afastada pelo diploma que lhe sucedeu: o DL 16/94, de 22.02, no seu artigo 24°; 24ª - A "B e a C" são pessoas jurídicas distintas - e até sujeitas a legislação diferenciada, ambas com personalidade jurídica própria; 25ª - Daí decorre que não podem ser imputadas...
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