Acórdão nº 04S4230 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução07 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "A", B e C intentaram, separadamente, acções declarativas, com processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS, alegando que, em Setembro de 1994, foram admitidas ao serviço da Direcção-Geral de Viação, adiante designada por DGV, mediante um denominado «contrato de avença», nos termos do qual se comprometeram a prestar àquela entidade serviços de consultadoria e a elaborar pareceres nos processos de contra-ordenação relativos às infracções estradais.

Em resumo, aduzem que, ao contrário do que era de esperar em face da denominação daquele contrato, ficaram subordinadas a um verdadeiro contrato de trabalho, sem qualquer autonomia no desempenho das suas funções.

Com efeito, na execução desse contrato, não tinham qualquer poder decisório uma vez que era a DGV quem lhes indicava as tarefas a realizar, o volume e natureza dos processos a tratar, lhes impunha os modelos das propostas a formular e controlava a quantidade do trabalho produzido; por outro lado, todo o trabalho tinha que ser realizado nas instalações da DGV, num horário pré-estabelecido e com os instrumentos de trabalho, nomeadamente informático, que lhes eram facultados exclusivamente por aquela entidade. Foi-lhes ainda imposta, como condição para a sua admissão, uma formação específica prévia ministrada pela DGV ou por indicação desta. Além dos pareceres, ainda cumpriam outras tarefas acessórias relacionadas com a elaboração de ofícios destinados ao correcto processamento dos autos que lhes eram distribuídos.

Por estas razões fundamentais, defendem que mantiveram com a DGV um contrato de trabalho subordinado, que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, por ter sido ultrapassado o prazo legal permitido para as renovações dos contratos a termo certo.

As autoras A e C consideram também que foram despedidas através da carta que lhes foi remetida pela DGV em 11 de Julho de 2001, despedimento que reputam ilícito, por não ser precedido de processo disciplinar e não haver justa causa.

Alegam, ainda, que lhes foi sempre negado o direito a férias e ao respectivo subsídio, bem como o subsídio de Natal e que sofreram diversos danos não patrimoniais que enunciam, pelos quais pretendem ser indemnizadas.

Em conformidade, pedem: - A "A", que seja declarado que entre ela e a DGV vigorou um contrato de trabalho, que o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 3/11/94 e termo em 5/11/2001, e que foi despedida ilicitamente por carta remetida pela DGV em 11/07/2001, devendo o réu ser condenado: (a) a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem perda da sua categoria e com a antiguidade reportada a 3/11/94, se, até à sentença, não optar expressamente pela indemnização por despedimento, no montante de 7.980,77 euros; (b) a pagar-lhe as quantias discriminadas na petição inicial a título de férias, subsídio de férias e de Natal; (c) a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 15.000 euros; (d) e, ainda, a pagar-lhe juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, contados desde a citação até integral pagamento; - A autora B, que seja declarado que entre ela e a DGV vigorou um contrato de trabalho, que o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 2/11/94, devendo o réu ser condenado: (a) a pagar-lhe as quantias discriminadas na petição inicial a título de férias, subsídio de férias e de Natal; (b) a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, 15.000 euros; (c) a pagar-lhe juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, contados desde a citação até integral pagamento; - A autora C, que seja declarado que entre ela e a DGV vigorou um contrato de trabalho, que o mesmo se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 7/03/95 (rectificação de fls. 90) e termo em 5/11/2001, e que foi despedida ilicitamente por carta remetida pela DGV em 11/07/2001, devendo o réu ser condenado: (a) a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem perda da sua categoria e com a antiguidade reportada a 7/03/95, se, até à sentença, não optar expressamente pela indemnização por despedimento, no montante de 6.983,17 euros; (b) a pagar-lhe as quantias discriminadas na petição inicial a título de férias, subsídio de férias e de Natal; (c) a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 10.000 euros; (d) e, ainda, a pagar-lhe juros, à taxa legal, sobre todas as quantias peticionadas, contados desde a citação até integral pagamento.

O réu contestou, excepcionando a incompetência material do tribunal do trabalho quanto aos pedidos formulados e a prescrição dos créditos invocados pelas autoras A e C, anteriores a 4 de Agosto de 1999, por já ter passado mais de um ano sobre a data da propositura das acções por elas instauradas, pugnando, ainda, pela total improcedência da pretensão das autoras.

Alicerça esta última posição na qualificação jurídica que faz dos contratos celebrados com as autoras, que considera serem de prestação de serviços, uma vez que, no seu entender, não existia qualquer subordinação económica e muito menos jurídica das autoras ao réu, que não lhes podia dar ordens, nem determinar a execução concreta do trabalho, nomeadamente quanto ao tempo e modo dessa mesma prestação.

As autoras responderam, defendendo a competência material do tribunal do trabalho e que não se verificava a alegada prescrição por não ter decorrido o prazo que a ela conduz, que deve ser contado desde 6 de Novembro de 2001, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 38.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969.

Entretanto, decidiu-se pela improcedência da excepção da incompetência material do tribunal do trabalho, procedeu-se à apensação dos processos instaurados, separadamente, pelas autoras, tendo as autoras A e C declarado que optavam pela indemnização por despedimento em substituição da reintegração.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu não se verificar a alegada prescrição dos créditos peticionados e que, julgando o pedido parcialmente procedente, condenou o réu a pagar: (i) à autora A, a quantia de 23.443,50 euros, acrescida de juros moratórios contados da data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano até 30/04/03 e de 4%, posteriormente, sem prejuízo de outra que legalmente venha a ser fixada; (ii) à autora C, a quantia de 20.450,71 euros, acrescida de juros moratórios contados da data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano até 30/04/03 e de 4%, posteriormente, sem prejuízo de outra que legalmente venha a ser fixada; (iii) à autora B, a quantia de 26.935,09 euros, acrescida de juros moratórios contados da data da citação até integral pagamento, à taxa de 7% ao ano até 30/04/03 e de 4%, posteriormente, sem prejuízo de outra que legalmente venha a ser fixada.

  1. Inconformadas, as autoras apelaram, defendendo o direito à indemnização por despedimento ilícito quanto às autoras A e C, o direito à indemnização por violação do direito a férias, previsto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, bem como o direito à indemnização por danos não patrimoniais, resultante do não gozo de férias e da licença da maternidade, esta quanto às autoras A e B, e do estado de angústia e receio provocado pela precariedade do vínculo que as ligava à DGV, tendo a Relação julgado parcialmente procedente a apelação, condenando o réu a pagar («para além, como é óbvio, das quantias referidas na sentença proferida na 1.ª instância»), a título de indemnização por danos não patrimoniais, à autora A, a quantia de 10.000 euros, e à autora B, a quantia de 5.000 euros, quantias acrescidas de juros moratórios à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.

    É contra esta decisão da Relação que as autoras e o réu Estado Português se insurgem, mediante recurso de revista, em que formulam as seguintes conclusões: RECURSO DAS AUTORAS: «1.ª - A relação contratual que vigorou entre a DGV e as recorrentes era uma relação jurídica de emprego privado, disciplinada pelo direito comum do trabalho; 2.ª - As recorrentes eram trabalhadoras efectivas do Estado Português, vinculadas à Administração Pública por aquele tipo de relação jurídica; 3.ª - As cartas que a DGV enviou às recorrentes A e C consubstanciam verdadeiras cartas de despedimento; 4.ª - Tais despedimentos não foram precedidos de processo disciplinar e não houve para eles justa causa; 5.ª - Foram, como tal, ilícitos; 6.ª - A douta Relação deveria ter condenado o Estado Português no pagamento das indemnizações pedidas por aquelas duas recorrentes; 7.ª - Provou-se que a DGV nunca reconheceu às recorrentes o direito a férias; 8.ª - Tal facto não pode deixar de ser entendido como uma clara e inequívoca manifestação de oposição ao gozo dessas férias, ou, por outras palavras, como um claro obstáculo a esse mesmo gozo; 9.ª - A douta Relação deveria ter condenado o Estado Português no pagamento, a cada uma das recorrentes, das indemnizações previstas no artigo 13.º do Dec. Lei n.º 874/76; 10.ª - O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 44, n.º 2, 47.°, 12.°, n.º 1, al. a), e 13.°, n.º 3, todos do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/02, e os artigos 2.°, n.os 3 e 4, e 13.°, ambos do Dec. Lei n.º 874/76, de 28/12; 11.ª - Deverá ser substituído por Acórdão que condene o Estado Português no pagamento, às recorrentes, das indemnizações a que têm direito, na sequência dos despedimentos ilícitos de que foram alvo (as recorrentes C e A) e da violação do seu direito a férias (de todas as recorrentes).

    RECURSO DO RÉU: «1 - Os contratos de trabalho dos autos, pese embora tenham ido além do termo neles previsto, jamais se converterão em contratos por tempo indeterminado; 2 - Há violação do gozo do direito a férias sempre que a entidade patronal impede e ou obstaculiza (mas de facto) esse mesmo gozo; 3 - Nos autos...

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