Acórdão nº 05B1238 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Abril de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "A", representado por B, intentou, no dia 26 de Abril de 2000, contra C, acção declarativa de apreciação, pedindo a declaração de ser filho do réu e averbado no registo civil esse facto e a avoenga paterna, com fundamento em ter nascido em resultado das relações sexuais havidas entre o réu e a sua mãe.

O réu em contestação, negou ser o pai do autor, expressando nunca ter tido com a mãe dele relações sexuais de cópula ou afins, e ao autor foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e custas.

Antes do despacho saneador, o réu recusou submeter-se a exame hematológico requerido pelo autor e manteve essa recusa durante a instrução do processo.

O autor reclamou da especificação e da base instrutória, a reclamação foi parcialmente atendida na audiência de julgamento, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 21 de Abril de 2004, pela qual a acção foi julgada procedente e condenado o réu por litigância de má fé no pagamento da multa correspondente a dez unidades de conta.

Apelou o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 6 de Janeiro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs o réu recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a Relação não se pronunciou sobre a falsidade provada pelos documentos e o erro de julgamento a propósito do depoimento de D, que declarou nunca ter trabalhado para o recorrente, sendo que o tribunal fundamentou a sua convicção no depoimento dela por trabalhar para o recorrente juntamente com a mãe do recorrido, pelo que foi cometida a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; - apesar de a questão ter sido suscitada no recurso de apelação, a Relação não se pronunciou sobre o depoimento das testemunhas indicadas pelo recorrente, pelo que omitiu pronúncia sobre a análise crítica das provas, implicando a nulidade do acórdão, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; - como quem trabalhava com a mãe do recorrido era E e a testemunha afirmou não conhecer o prédio Lamaceiro por nunca lá ter ido, e o despacho que fixou a matéria de facto fundou a convicção na circunstância dessa testemunha ter surpreendido o recorrente com a mãe do recorrido em trato sexual naquele prédio, há erro sobre o qual a Relação se não pronunciou como devia, pelo que cometeu a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; - a Relação, na anterior acção de averiguação da paternidade relativa ao recorrido, reconheceu que o exame hematológico não podia nela ser valorado; - os exames hematológicos feitos em acção de averiguação oficiosa de paternidade, sem observância do contraditório, foram ilegalmente utilizados para fundamentar a valorização da recusa do recorrente em realizar novos exames no âmbito desta acção; - a livre apreciação do julgador na valoração da recusa injustificada do réu a submeter-se a exames hematológicos não constitui, por si só, prova suficiente para que a acção de investigação de paternidade seja julgada procedente, e como não foi produzida prova processualmente válida ou consistente que a permita valorar, não lhe deve ser atribuído valor probatório; - não foi conferido valor probatório a documentos autênticos que impunham decisão diversa, pelo que foram violados os artigos 369º e 372º do Código Civil, e há contradição entre a prova produzida e a apreciação dela feita; - os depoimentos das testemunhas oferecidas pelo recorrente foram ignorados pelo tribunal, que a eles se não refere nem motiva na decisão de facto, e tais factos são relevantes por provarem que a mãe do recorrido engravidou na quinzena em que esteve em Lisboa, a seguir à Páscoa de 1987, coincidindo com o período legal da concepção, início dos nove meses do seu puerpéreo; - está junto documento donde resulta que a mãe do recorrido, quando se deslocou a Lisboa, declarou à pessoa que executava o exame que não estava grávida, o que contraria o falso depoimento da avó do recorrido, e o tribunal não se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto a esses documentos, apresentados para contradizer factos invocados pelo recorrido e para abalar a credibilidade daquela testemunha; - da análise crítica e ponderada de toda a prova produzida, de harmonia com as regras da experiência comum e das dúvidas sérias que suscita e dos documentos autênticos juntos, devia o tribunal responder não provado aos quesitos 13º e 36º da base instrutória; - a Relação devia ter anulado o julgamento ou ordenado oficiosamente a sua baixa à 1ª instância e, como não se pronunciou sobre todas as questões concretas suscitadas no recurso de apelação, deverá ser ordenada a remessa do processo para esse efeito e anular-se o julgamento.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão: - o artigo 653º do Código de Processo Civil não impõe a exposição e análise integral e circunstancial de todo o processado e percurso lógico conducente à formação da convicção do julgador, mas apenas que haja transparência nessa fundamentação, que poderá ser moderada, mas perceptível, clara e objectiva; - a falta de fundamentação da resposta aos quesitos a que se referem os artigos 653º, nº 2, e 712º, nº 3, do Código de Processo Civil não determina a anulação do julgamento, mas a devolução do processo ao tribunal da 1ª instância para o efeito, o que não foi requerido; - a invocação da nulidade do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil dependia da interposição de recurso de agravo, que não houve, contra o disposto no artigo 722º, nº 3, daquele diploma, e aquele normativo não se aplica ao julgamento da matéria de facto; - as alegadas nulidades não se reportam a questões essenciais para a decisão da causa; - o resultado do referido exame pode ser valorado, ao menos, como princípio de prova, nos termos do artigo 522º, nº 1, do Código de Processo Civil, em termos de contributo conjugado com outros elementos de prova para gerar a convicção de que o facto a provar se verificou; - como o recorrente não impugnou o exame hematológico, não requereu novo exame e recusou-se submeter-se ao mesmo, não há violação do contraditório; - nos termos dos artigos 344º, nº 2, do Código Civil e 519º, nº 2, do Código de Processo Civil, o recorrente violou o dever de cooperação para a descoberta da verdade, e a referida recusa é objecto de livre apreciação para efeitos probatórios, desde a sua irrelevância até à prova do acto que se pretendia averiguar; - a acção podia proceder com base na violação do dever de colaboração por parte do recorrente, ou na inversão do ónus da prova, ou na valoração dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrido ou com base na presunção de paternidade do artigo 1871º, nº 1, alínea d), parte final, do Código Civil; - nenhuma testemunha oferecida pelo recorrente adiantou factos objectivos sobre as relações sexuais havidas entre o recorrente e a mãe do recorrido, que constituem a causa de pedir na acção; - a matéria de facto envolvente do núcleo de facto essencial em que radica a causa de pedir está definitivamente fixada, nos termos dos artigos 721º, nºs 2 e 3, e 722º, nº 2, do Código de Processo Civil; - o juiz não retirou do documento junto pelo recorrido as consequências de exame pericial, a força probatória do documento de folhas 264, não autêntico, foi posta em crise e não é autêntico; - nenhum dos referidos documentos é conclusivo e objectivo quanto à causa de pedir na acção e, por isso, não fazem prova plena quanto à questão controvertida, e o juiz não se referiu a eles, por serem irrelevantes para a formação da sua convicção.

- condenado o recorrente em multa por litigância de má fé, deve também ser condenado em indemnização a favor do recorrido em valor não inferior a € 2 500 para reembolso parcial das despesas que essa má fé o obrigou a fazer, conforme pedido no recurso de apelação.

II É a seguinte a matéria de facto declarada provada na Relação: 1. O autor A nasceu no dia 27 de Janeiro de 1998, no termo normal da gravidez de B, de quem é filho.

  1. À data do nascimento do autor, o réu exercia a actividade agrícola e o cônjuge, F, a de professora do ensino primário e, para além dos rendimentos obtidos no exercício da actividade exercida pela última, exploravam em nome próprio os seus próprios prédios rústicos, onde cultivavam essencialmente a vinha.

  2. A mãe do autor trabalhava para o réu e para F, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, há mais de dez anos, relação de trabalho que se processava no cultivo das propriedades rústicas do réu, em trabalhos domésticos na sua casa, e posteriormente, por indicação de Mimosa Abreu, procedia à limpeza da Escola Primária de Bujões.

  3. Nas propriedades rústicas do réu e no cultivo das vinhas, a mãe do autor executava com regularidade todo o tipo de serviços, sobretudo durante as tardes, com excepção dos trabalhos de enxertia em Fevereiro e Março, sulfato em Maio e Junho, e vindima em Setembro e Outubro, altura em que trabalhava todo o dia para o réu, e só muito esporadicamente e com carácter de excepção executava serviços agrícolas para terceiros, incluindo familiares.

  4. A maior parte dos rendimentos que a mãe do autor auferia eram obtidos com os trabalhos que prestava ao réu, a F e na limpeza da Escola.

  5. O réu e F são influentes no meio social e rural em que se inserem, e a mãe do autor sempre foi uma pessoa recatada, trabalhadora e respeitadora, sempre se fez acompanhar de...

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