Acórdão nº 05B3177 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" intentou acção com processo ordinário contra BB e mulher CC pedindo que se declare como falso o testamento celebrado por DD, em 17 de Outubro de 1977, pelo qual instituiu seu único herdeiro o réu BB.

Fundamentou a sua pretensão essencialmente no seguinte: - em 23 de Outubro de 1977 faleceu o DD, sem ascendentes nem descendentes, tendo dado entrada no Hospital de Albufeira no dia 11 de Outubro, sendo depois transferido para o Hospital de Faro devido à gravidade do seu estado de saúde, com diagnóstico de tumor maligno do ângulo esplénico do cólon, com oclusão intestinal; - o falecido, quando entrou no Hospital, já não tinha a noção da realidade, não estava lúcido, nem vigil, e, no entanto, fez o aludido testamento em 17 de Outubro, pelo qual instituiu seu único herdeiro o réu marido, o qual é, por isso, falso; - pretende com esta acção obter uma sentença que julgue falso este testamento de molde a interpor recurso de revisão da sentença proferida na acção nº 62/78 - que correu termos no Tribunal de Albufeira - e na qual o testamento não foi considerado nulo.

Para o que ora importa, os réus contestaram, alegando que o testador se encontrava lúcido quando celebrou o testamento.

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Em acórdão de 5 de Abril de 2005, do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no recurso de apelação interposto pelo autor, foi a apelação julgada improcedente e confirmada a sentença recorrida.

É deste acórdão que o autor interpõe recurso de revista, pretendendo a sua revogação com a consequente procedência do pedido por ele formulado na acção.

Em contra-alegações sustentam os recorridos a bondade do decidido.

Verificados os requisitos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Concluiu o recorrente as suas alegações (e é nas conclusões que se delimita o objecto do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil) pela forma seguinte: 1. O falecido DD, quando foi celebrado o testamento, devido à oclusão intestinal, encontrava-se em estado de intoxicação, próprio dessas doenças, sendo que a doença de que DD sofria, em regra, afectava os órgãos e sistemas produtores de consciência.

  1. Sendo admitido como público e notório o estado de intoxicação próprio da doença de DD, por maioria de razão terá que se admitir que são também evidentes, públicos e notórios os sintomas da intoxicação que a determinam e caracterizam.

  2. Uma intoxicação do tipo em questão é um envenenamento que afecta os órgãos e sistemas produtores da consciência, aliás a própria definição dada do termo "conjunto de perturbações somáticas e psíquicas devidas à natureza química de certos factores endógenos ou exógenos que confere especificidade reaccional" (in Verbo Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, n° 10, pag. 1736) é esclarecedora da notoriedade dos sintomas de intoxicação.

  3. A dado passo da celebração do testamento o seu autor exclamou, recomendando "não se esqueçam da oficina", expressão que causou estupefacção em todos os presentes até ao momento em que associaram que devia tratar-se da barbearia.

  4. Esta expressão, devidamente enquadrada no tempo e lugar só pode dar nota do estado de espírito delirante do autor do testamento, e não de uma qualquer troca de termos.

  5. Perante a factualidade presente perante si o notário deveria ter recusado fazer o testamento, sem antes mandar avaliar o estado médico do autor do mesmo.

  6. Não o fez, prosseguindo a realização do testamento aceitando a paupérrima justificação do comportamento do de cujus dada por terceiros não médicos, que não conhecia de parte alguma.

  7. Este facto, só por si, deve acarretar a falsidade do documento, porquanto nessa altura o funcionário encarregue de dotar de fé pública o testamento podia e forçosamente devia certificar-se da lucidez do autor do testamento, pois ele estava a deixar ao seu herdeiro todos os bens que à data da sua morte possuísse, inclusivamente a barbearia.

  8. O que ocorreu foi que o notário, independentemente da real vontade do testador, dá fé pública a um acto que sabia não tinha existência declarando assim uma falsidade.

  9. É que não se pode, no caso, dissociar a actividade decorrida no momento da celebração do testamento da actividade do receptor da declaração que é o...

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