Acórdão nº 05B993 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelARAÚJO BARROS
Data da Resolução12 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", SA" instaurou, no Tribunal Cível de Lisboa, contra B e mulher C execução de sentença para pagamento da quantia de 38.233,34 Euros, indicando, no requerimento inicial, para ser penhorado, além de outros bens, o veículo automóvel marca Mitsubishi, modelo 200, com a matrícula HF, que pode ser encontrado junto à residência do executado Gabriel, a quem pertence.

Levada a efeito a penhora do referido veículo, foi a mesma registada, em 26/04/2004, na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, constatando-se da respectiva certidão de ónus e encargos que sobre o veículo HF se encontrava registada, desde 08/05/2001, a favor do "A", SA" a respectiva reserva de propriedade.

Juntos aos autos o registo da penhora e a certidão de encargos, o M.mo Juiz proferiu despacho no qual, entendendo que a execução só poderá prosseguir quanto ao referido veículo bem assim que estiver demonstrado o registo da renúncia à reserva de propriedade, determinou a suspensão da execução relativamente ao citado veículo até que esteja demonstrado no processo o registo da renúncia à reserva de propriedade.

Inconformado, agravou o exequente, sem êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 25 de Novembro de 2004, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Interpôs, agora, o exequente recurso de agravo da 2ª instância, pretendendo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento da penhora (que o mesmo é dizer da execução) do veículo dos autos.

Não foram deduzidas contra-alegações.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso o recorrente formulou as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. É perfeitamente admissível, é válido, é legitimo, é legal, que o detentor da reserva de propriedade possa nomear à penhora o bem sobre que incide tal reserva, sendo certo que nesse caso estará a renunciar ao seu "domínio" sobre o bem, tanto mais que nos casos em que o detentor da reserva de propriedade opta pelo pagamento da quantia em dívida - em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre a qual a mesma incide - deixa de poder fazer operar a reserva de propriedade constituída, deixa de poder reivindicar para si o bem.

  1. A não ser assim, em tais casos - opção pelo pagamento da quantia em dívida - o acordo, entre credor e devedor, de constituição de reserva de propriedade por parte do credor faria com que este não pudesse nomear à penhora o bem sobre o qual havia incidido tal reserva, pelo que, em tais casos a constituição de reserva de propriedade por parte do credor não só não o beneficiaria como o prejudicaria, inclusivamente, em relação aos outros credores do devedor, o que, para além de ser claramente injusto, iria contra o espírito do direito, estaria em manifesta oposição com a vontade das partes ao acordar na reserva de propriedade.

  2. A validade, legitimidade e legalidade de o detentor da reserva de propriedade poder nomear à penhora o bem sobre que tal reserva incide, é ainda mais evidente e justificada nos casos em que a reserva de propriedade foi constituída pelo devedor em favor do credor apenas como mera garantia do cumprimento de um contrato de mútuo para financiamento da aquisição, pelo devedor, do veículo automóvel sobre que incide a reserva, e não para assegurar ao credor a propriedade do bem; pois nesse caso a reserva de propriedade visa apenas garantir que enquanto o contrato de mútuo não estiver cumprido o veículo cuja aquisição tal mútuo financiou não possa ser vendido pelo devedor sem conhecimento e autorização do credor, de forma a assegurar que em caso de incumprimento do contrato, pelo menos o veículo financiado possa assegurar, precisamente através da sua nomeação à penhora, o pagamento coercivo da dívida, de parte dela pelo menos, e impedir que tal veículo possa ser penhorado por terceiros.

  3. O facto de a reserva de propriedade estar eventualmente registada não impede o prosseguimento da penhora, pois de harmonia com o disposto nos artigos 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.

  4. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, deve-se agir de acordo com o que se prescreve no artigo 832° do Código de Processo Civil caso a penhora ainda não tenha sido efectuada ou esteja a sê-lo, ou com o que se prescreve no artigo 119° do Código do Registo Predial caso a penhora já tenha sido realizada e a dúvida surja por o bem não estar registado em nome do executado mas em nome de outrem.

  5. Assim, tendo o ora recorrente optado pelo pagamento coercivo da dívida em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre o qual a mesma incide, o que, como referido, seria, neste caso, ilegítimo; tendo a exequente renunciado ao "domínio" sobre o bem, pois desde o início afirmou que o mesmo pertencia ao recorrido; tendo, como dos autos ressalta, a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos antes referidos; prevendo-se nos artigos 824° do Código Civil e 888° do Código de Processo Civil, que aquando da venda do bem penhorado, o tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam, e não se prevendo no artigo 119° do Código do Registo Predial o levantamento oficioso da penhora é manifesto que no acórdão recorrido (bem como aliás havia já sucedido na 1ª instância) se errou e decidiu incorrectamente.

  6. No acórdão recorrido, ao decidir-se pela forma como se decidiu e ao confirmar-se o despacho proferido na 1ª instância, claramente se violou e erradamente se interpretou e aplicou o disposto nos artigos 888° do Código de Processo Civil, artigos 409°, 824° do Código Civil, e artigo 119° do Código do Registo Predial.

Importa aplicar o direito aos factos acima transcritos.

A única questão que demanda análise no âmbito do agravo é a de saber se, constando do registo automóvel a reserva da propriedade do veículo penhorado a favor da exequente, pode a execução prosseguir seus termos sem previamente estar efectuada e levada ao registo a renúncia da exequente àquela reserva.

Esta questão, se bem que encarada por aspectos não totalmente coincidentes, tem sido objecto de apreciação pelos tribunais...

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