Acórdão nº 05S1924 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução29 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "A" intentou, em 12 de Julho de 2000, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra COMPANHIA DE SEGUROS B, S. A., e C - TRANSPORTES DE MERCADORIAS, L.da, pedindo a condenação das rés, conforme a sua responsabilidade, no pagamento das pensões e indemnizações a que se julga com direito, com fundamento no acidente de trabalho e, simultaneamente, de viação, que sofreu em 28 de Março de 1998, quando exercia a sua actividade de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias ao serviço da segunda ré, em consequência do qual sofreu lesões de que resultaram sequelas incapacitantes para o trabalho.

A ré seguradora contestou, reconhecendo o acidente de viação descrito nos autos como acidente de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo autor e esse sinistro, aceitando apenas a sua responsabilidade pelo salário realmente transferido de 98.200$00 x 14 meses.

A ré entidade patronal contestou por excepção e por impugnação, tendo deduzido reconvenção, que foi liminarmente indeferida; na contestação defendeu, em substância, que o acidente ocorreu, exclusivamente, por falta grave e indesculpável do autor, que não respeitou a regra estradal do limite de velocidade, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

O autor respondeu, refutando a invocada descaracterização do acidente.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que dando como provada a culpa grave e indesculpável do sinistrado no acidente de viação ocorrido, julgou improcedente a acção, absolvendo as rés de todos os pedidos.

  1. Inconformado, apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto concluído «que não está demonstrada nos autos qual a verdadeira causa do despiste do veículo conduzido pelo autor e, como tal, não estão provados os requisitos previstos na Base VI, n.º 1, alínea b), da LAT, que permitiriam afastar a responsabilidade das rés pelo acidente de trabalho em causa»; todavia, considerando que a matéria de facto dada como provada «é manifestamente insuficiente para calcular a indemnização por incapacidades temporárias e a pensão anual do autor, da responsabilidade da ré patronal», impondo-se «apurar qual a quantia mensal ou média mensal que o autor recebia da ré patronal a título de quilómetros percorridos - quesito 5.º do questionário - e se essa importância absorvia ou não as prestações quesitadas sob os números 3.º e 4.º do questionário», decidiu «anular a sentença recorrida, devendo o Tribunal da 1.ª instância repetir o julgamento apenas para a produção de prova sobre a matéria de facto quesitada sob os ns. 3.º, 4.º e 5.º do questionário», proferindo, seguidamente, nova sentença, em conformidade.

    Daí a presente revista interposta pela ré entidade patronal, em que formula as seguintes conclusões: «1.ª Decidiu o douto acórdão recorrido a fls. 797: "Para concluir, dizemos que não está demonstrada nos autos qual a verdadeira causa do despiste do veículo conduzido pelo autor e, como tal, não estão provados os requisitos previstos na Base VI, n.º 1, b), da LAT, que permitiriam afastar a responsabilidade das rés pelo acidente de trabalho em causa"; 2.ª Balizou o douto acórdão sub judice tal decisão, em síntese, nos seguintes fundamentos: 1.º A insuficiência da matéria que [a] 1.ª instância considerou provada em resposta ao quesito 16.º constante integralmente da certidão do Instituto de Meteorologia a fls. 261 dos autos para se afirmar peremptoriamente que à hora e no local do acidente a "chuva era forte", que soprava "vento forte" e que a visibilidade horizontal era "muito fraca", reduzida a valores de 4 a 6 metros, não estando assim demonstrado nos autos, com a segurança e a certeza que o direito impõe, que à hora e no local do acidente chovesse, que o piso estivesse escorregadio e que a visibilidade horizontal fosse reduzida por efeito da chuva; 2.º A inexistência de nexo causal entre a velocidade a que o veículo circulava e o seu despiste; 3.º O equívoco que o douto acórdão diz existir entre o que vem provado sob o n.º 3 do elenco da matéria de facto, isto é, que o acidente descrito nos autos ocorreu às 02.45 horas do dia 29/03/1998 (a hora e o dia que constam na participação do acidente de viação à Direcção--Geral de Viação e ao Ministério Público, pela Brigada de Trânsito da GNR - fls. 141 dos autos), ou seja, 1 hora e 3 minutos depois do último registo avaliado pelos senhores peritos a fls. 391; 3.ª Inexiste qualquer equívoco entre o que se dá como provado sob o n.º 3 do elenco da matéria de facto provada na douta sentença a fls. 645 e o último registo avaliado pelos senhores peritos a fls. 391 perante o previsto no DL 17/96, de 8 de Março, em conjugação com o previsto nos artigos 12.º, 15.º, n.º 2 e n.º 3, e pontos 6.1 e 6.2 do Anexo, todos do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985 - relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários; 4.ª Rezam os artigos 1.º e 2.º do DL 17/96, de 8 de Março: "Artigo 1.º 1. A hora legal de Portugal continental coincide com o tempo universal coordenado (UTC) no período compreendido entre a 1 hora UTC do último domingo de Outubro e a 1 hora UTC do último domingo de Março seguinte (hora de Inverno).

  2. A hora legal coincide com o tempo universal coordenado aumentado de sessenta minutos no período compreendido entre a 1 hora UTC do último domingo de Março e a 1 hora UTC do último domingo de Outubro (hora de Verão)." "Artigo 2.º As mudanças de hora efectuar-se-ão adiantando os relógios de sessenta minutos à 1 hora UTC do último domingo de Março e atrasando-se de sessenta minutos à 1 hora UTC do último domingo de Outubro seguinte." 5.ª No caso dos vertente dos autos (sic), o dia 29 de Março de 1998 - dia do sinistro - foi o último domingo do mês de Março daquele ano em que os relógios foram pela 1 hora do dia 29 de Março de 1998 adiantados cerca de sessenta minutos, ou seja, para as 2 horas UTC; 6.ª Reza o artigo 15.º, n.º 2 e n.º 3, do invocado Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985 - relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários: "Artigo 15.º 1.

  3. Os condutores devem utilizar as folhas de registo sempre que conduzem, a partir do momento em que tomem o veículo a seu cargo. A folha de registo não pode ser retirada antes do fim do período de trabalho diário, a menos que esta operação seja autorizada de outra forma. [...].

  4. Os condutores devem: certificar-se da concordância entre a marcação horária na folha e a hora legal do país onde o veículo foi matriculado,[...]." 7.ª Nos termos transcritos - artigo 15.º, n.º 2 e n.º 3, do invocado Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985 - o condutor não podia proceder a tal alteração enquanto não terminasse a condução que iniciou no dia 28 de Março de 1998 pelas 22.55 horas (sábado) conforme resulta do relatório pericial a fls. 391 e do documento junto a fls. 382 (relatório junto aos autos elaborado pela sociedade de direito alemão SIEMENS VDO); 8.ª O relatório pericial a fls. 391 faz do disco de tacógrafo constante de fls. 370 e 383 uma leitura literal do seu conteúdo; 9.ª Conclui-se, assim, não existir qualquer discordância entre o que vem provado em 3.º dos factos provados referidos na douta sentença conforme documento de fls. 141 - participação de acidente de viação emitida pela Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana - que indica 2H 45M como hora do acidente e o que resulta do relatório pericial a fls. 391: "Entre as 22.55 e as 23.30 horas o máximo de velocidade atingido foram 90 km/hora. Entre as 23:45 e as 23:50 horas a velocidade máxima atingida foram 85 km/hora. Recomeçou a condução às 01:05 tendo atingido um pico de 100,5 km/hora às 01:16 e um segundo pico de 100,05 km/hora às 01:35 horas e às 01:42, antes de se imobilizar, atingiu um pico de 101 km/hora"; 10.ª O motorista sinistrado ao introduzir o disco de tacógrafo pelas 22.55 horas do dia 28 de Março de 1998 (sábado) fê-lo tendo em consideração a hora legal no território nacional nesse momento, ou seja, 22.55 horas; 11.ª A alteração da hora legal que aconteceu pela 1 hora do dia 29 de Março somente poderia ser registada no disco de tacógrafo logo que findasse o período de trabalho diário do motorista sinistrado já no dia 29 de Março de 1998 (domingo); 12.ª Não existe, assim, qualquer equívoco ou contradição entre o que se refere no relatório pericial a fls. 391 e o que se dá como provado em 3.º dos factos provados constantes da douta sentença, assim como, não existe qualquer contradição entre o que verte o citado n.º 3 dos factos provados em sede de especificação na douta sentença a fls. 645 e o que consta de 21.º das respostas ao questionário em sede de factos provados na mesma douta sentença a fls. 648; 13.ª O que se descreve nos factos provados na douta sentença em 3.º e em 21.º são eventos e factos que ocorreram no mesmo momento temporal, diferindo apenas na hora legal UTC conforme supra concluído e por força do DL 17/96 de 8 de Março e do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho de 20/12/1985; 14.ª Não procede o que verte o douto acórdão do Tribunal da Relação sub judice, nomeadamente quanto ao que conclui a fls. 17 e 18, uma vez que tal silogismo resulta, salvo melhor opinião, de manifesto erro de direito; 15.ª Face ao concluído supra não poderá ser objecto de crítica e de anulação o que se dá como provado em 21.º da matéria de facto, ou seja, que: "no momento do acidente especificado em C) o autor circulava a velocidade indeterminada, mas situada entre os 95 e os 107 km/hora"; 16.ª Considerando o limite mínimo de 95 km/hora a que pelo menos seguia o veículo sinistrado conduzido pelo recorrido/motorista, não resulta dúvida que no momento do despiste/sinistro o motorista/recorrido violou: - O artigo 27.º do Código da Estrada então em vigor que estabelecia em...

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