Acórdão nº 05S2059 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução18 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 6 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL (ex-ICERR), pedindo: (a) se declare ilícito e nulo o seu despedimento; (b) se declare que é trabalhador da ré, ao abrigo de contrato sem termo, desde 15 de Novembro de 2001; (c) a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (d) a condenação da ré a pagar-lhe os salários e subsídios que se vencerem desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde o vencimento de cada uma dessas importâncias até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço do ex-ICERR [Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária], no dia 15 de Novembro de 2001, para exercer funções de apoio na área de planeamento, designadamente, de apoio na execução de trabalhos na área da cartografia, com participação na gestão do arquivo numérico de cartografia, participação e gestão das bases cartográficas das estradas do país e execução de trabalho específico na área dos sistemas de informação geográfica, por conta, ordem e direcção do réu.

Em 20 de Dezembro de 2001, o réu apresentou-lhe um contrato de trabalho escrito, a termo certo, pelo período de seis meses, no qual se indicava como motivo justificativo da sua celebração o constante na alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, adiante designado por LCCT, em concreto, «o acréscimo excepcional de recolha e tratamento de dados, no âmbito do Programa de Temporais», motivo esse que não era verdadeiro, já que não houve qualquer acréscimo temporário ou excepcional da actividade do réu, no entanto, para não perder o seu posto de trabalho, assinou, por imposição do réu, o referido contrato.

Em finais do mês de Outubro de 2002, o réu comunicou-lhe a não renovação do contrato de trabalho a termo certo, o qual cessou em 14 de Novembro de 2002.

A partir de 18 de Novembro de 2002, passou a exercer as mesmas funções para o réu, mediante contrato de prestação de serviços de apoio no âmbito do desenho assistido por computador, pelo período de seis meses, mantendo-se, porém, sujeito às ordens, direcção e remuneração do réu, cumprindo o mesmo horário de trabalho, tendo terminado o exercício das funções por conta do réu, no dia 18 de Maio de 2003, data da cessação do contrato de prestação de serviços.

Mais aduziu: que foi admitido, em 15 de Novembro de 2001, por contrato sem qualquer termo, tendo exercido, ininterruptamente, as suas funções em favor do réu até ao dia 18 de Maio de 2003; que a celebração do contrato de trabalho a termo, seguido da celebração do contrato de prestação de serviços, configura a celebração sucessiva de contratos para a satisfação das mesmas necessidades do réu, o que determina a conversão automática da relação jurídica em contrato de trabalho sem termo, nos termos do n.º 1 do artigo 41.º-A da LCCT; e, ainda, que essa celebração sucessiva de contratos pretendeu iludir as disposições que regulam os contratos sem termo.

A ré contestou, sustentando, no que aqui interessa referir, que a contratação a termo fundou-se no acréscimo excepcional de recolha e tratamentos de dados no âmbito do programa de temporais e que, por razões organizativas, apenas foi possível a assinatura do contrato a termo, em 20 de Dezembro de 2001, todavia, o contrato reportou os seus efeitos à data do início daquelas funções, 15 de Novembro de 2001.

Após a caducidade do contrato de trabalho a termo, consultou o autor com vista à apresentação de proposta, nos termos do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, para fornecimento de serviço de apoio no âmbito do desenho assistido por computador, nomeadamente na cartografia, no projecto rodoviário e na área gráfica geral, tendo o autor apresentado, livremente, a sua proposta.

Com o início da relação titulada pelo contrato de prestação de serviços e durante toda a sua execução manteve-se o objecto da contratação, não estando em causa o fornecimento do trabalho pelo autor, mas antes o resultado desse trabalho, a alcançar com os métodos que entendesse, sem que nesse desempenho se tenham manifestado ordens, autoridade e direcção por parte do réu.

Requereu, ainda, a condenação do autor como litigante de má fé.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção totalmente procedente, declarando ilícito o despedimento efectuado pelo réu e, em consequência, condenou o réu: (a) a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 15 de Novembro de 2001; (b) a pagar ao autor, a título de salários intercalares, a quantia de 6.135,11 €, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma dessas importâncias, até integral e efectivo pagamento; (c) a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, reportada a 15 de Novembro de 2001.

  1. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que o réu agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: 1) Tendo-se provado que, por ajuste verbal entre autor e réu, foi acordado um contrato a termo, autorizado em 24.10.2001, que teve o seu início em 15 de Novembro de 2001 e apenas foi formalizado em 20 de Dezembro de 2001 - porque a tramitação do processo de assinatura do contrato, com aprovação prévia pelo Conselho de Administração e assinatura presencial por ambas as partes não se coadunou com a urgência do início das funções -, com efeitos reportados a partir de 15 de Novembro de 2001, tem de se concluir, nos termos do n.º 3 do artigo 42.º da LCCT, que não é nula a estipulação do termo; 2) Face à matéria de facto apurada, tem de se considerar, até por presunção, que o autor foi contratado, e exerceu funções na área da cartografia, no âmbito (e com relação directa) do programa de temporais, manifestador do acréscimo de actividade do réu; 3) Independentemente da conclusão anterior, e competindo ao autor o ónus da prova - que não a fez - do carácter não transitório do trabalho para o qual foi contratado a prazo, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não pode o Tribunal decidir como se o ónus da prova fosse do réu, no sentido de obrigar o réu a provar a excepcionalidade e transitoriedade do trabalho, invertendo, assim, o ónus da prova, com ofensa do artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil; 4) Nos termos das conclusões anteriores, tendo sido validamente celebrado o contrato de trabalho com termo certo, este caducou com a comunicação do réu da vontade de não o renovar, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LCCT, daí que a relação iniciada depois, qualquer que ela seja, tem o seu início nessa data, e nunca com efeitos retrotraídos à data da celebração do contrato a termo; 5) Após a caducidade do contrato de trabalho a termo, o autor para além de apresentar livremente proposta para uma prestação de serviços, recebeu, sem reserva, as quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação pela caducidade, o que prefigura um contrato de remissão como renúncia à tutela de direitos decorrentes do contrato de trabalho; 6) Réu e autor, até porque não era possível renovar o contrato a termo ou celebrar um outro contrato de trabalho - o que era do conhecimento do autor -, negociaram, com base em proposta apresentada pelo autor e quiseram celebrar um contrato titulado como de prestação de serviços; 7) Por outro lado, e apesar das funções serem exercidas «por conta, ordem e direcção do réu» em local predeterminado, com materiais fornecidos pelo réu e dentro de um horário preestabelecido: (i) a admissão do autor foi efectuada através de convite, com a correspondente proposta, para apresentação de proposta para prestação de serviços; (ii) o pagamento, pela prestação de serviços acordada, foi efectuado contra emissão pelo autor de «nota de honorários» e não através de «recibo» ou «boletim de remunerações»; (iii) o pagamento foi efectuado com adiantamento de 10% do valor global dos honorários e o restante em seis prestações mensais, sem retenção da TSU [taxa social única] e sem pagamentos à segurança social; (iv) ao pagamento dos honorários acresceu o IVA à taxa legal; (v) não pagamento de férias, subsídio de férias ou Natal; (vi) o autor é desenhador e a actividade contratada, dentro do âmbito do desenho informático, base cartográfica das estradas e pontes, é por natureza também exercida com autonomia e dirigida a um resultado; (vii) nada ficou provado quanto ao modo e forma como as funções/serviços foram exercidos; 8) Assim, não ficou demonstrado, e tal prova cabia ao autor, que o autor ficou, na pendência do titulado contrato de prestação de serviços, numa situação de subordinação jurídica, podendo, antes, concluir-se que na relação contratual foram enxertadas regras do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, sem prevalência de qualquer uma delas; 9) Mas mesmo que se entendesse, que se estava perante um contrato de trabalho, seria sempre um contrato de trabalho a termo pelo período de 6 meses, e não um contrato por tempo indeterminado: (i) porque o titulado contrato de prestação de serviços contêm todas as menções essenciais referidas no artigo 42.º da LCCT; (ii) porque as partes quiseram vincular--se por um período limitado de 6 meses; (iii) porque nada, legalmente, obstava à renovação do anterior contrato de trabalho a termo; (iv) porque não se...

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