Acórdão nº 05S3731 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIZ
Data da Resolução08 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Almada, contra "Empresa-A.", acção pedindo: - A declaração de ilicitude do seu despedimento; e, - A condenação da Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, ou a pagar-lhe a indemnização respectiva, bem como todas as retribuições entretanto vencidas, acrescidas de juros de mora à taxa legal.

Alegou, em síntese, que: - Foi funcionária da Ré, entre 12 de Abril de 1982 e 25 de Junho de 2002, data em que foi despedida após instauração de processo disciplinar com tal fim; - Todos os factos que lhe foram imputados no referido processo disciplinar estão prescritos, visto ter decorrido mais de um ano entre a ocorrência dos mesmos e o início do processo; - A Ré instaurou o dito processo mais de 60 dias após tomar conhecimento dos mesmos, encontrando-se pois verificada a caducidade do mesmo; - Nem a Autora, nem o seu mandatário foram notificados da inquirição das testemunhas em sede de processo disciplinar, o que implica a nulidade deste por violação dos mais elementares direitos de defesa; - O processo disciplinar esteve parado, sem qualquer promoção por parte da Ré, durante um período superior a 60 dias, o que igualmente importa a sua caducidade; - Os factos apurados no processo disciplinar são falsos, nunca tendo a Autora pretendido lesar a Ré, beneficiando ilegitimamente terceiros.

Frustrada, na audiência preliminar, a conciliação das partes, a Ré contestou, a pugnar pela improcedência da acção, para o que, em resumo, alegou que: - Não decorreu o invocado prazo de prescrição; - Nem caducou o exercício do processo disciplinar, pois o departamento competente para exercer a acção disciplinar tomou conhecimento dos factos menos de 60 dias antes da instauração do mesmo; - Nunca o processo disciplinar esteve parado mais de 60 dias, não sendo o dito nulo a qualquer título, nomeadamente pela não notificação da Ré e do seu mandatário das inquirições efectuadas; - Ao longo de mais de um ano, a Autora, de forma continuada e consciente, aproveitando-se da sua qualidade de chefe de estação, beneficiou um cliente, permitindo que este entregasse diversa correspondência sem pagar o respectivo preço, lesando assim a Ré em perto de Esc. 35.000.000$00.

Na primeira instância, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a Ré sido condenada a reintegrar a Autora ao seu serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhe a quantia global de € 7.709,84 (sete mil setecentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), correspondente a Esc.: 1.545.684$00 (um milhão quinhentos e quarenta e cinco milhares seiscentos e oitenta e quatro escudos) referente às retribuições entretanto vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde o dia em que as retribuições eram devidas, até integral pagamento, e tendo sido absolvida do demais peticionado.

Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, concedendo provimento ao recurso, a absolveu do pedido.

Desta decisão vem interposto, pela Autora, o presente recurso de revista, cuja alegação termina com as conclusões assim redigidas: 1. O douto Acórdão recorrido enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que o Tribunal da Relação baseou o sua decisão em documentos cuja junção aos autos não era admissível e que deveriam ter sido desentranhados.

  1. Enferma, ainda, de nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre questões que devia conhecer e que se prendiam com o facto de terem decorrido mais de 30 dias entre a data da realização da última diligência probatória e a data da notificação à trabalhadora da decisão final do processo disciplinar e com o direito aos proporcionais devidos pela cessação do contrato de trabalho.

  2. O douto Acórdão recorrido assenta em documentos juntos aos autos apenas com as alegações de recurso.

  3. O art. 706.º do CPC, dispõe que "As partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art. 524.º CPC ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância".

  4. Nos termos do art. 524.º do CPC "Depois do encerramento da discussão só são admitidos nos casos de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento".

  5. É entendimento jurisprudencial e doutrinário unânimes que é à entidade patronal que incumbe o ónus da prova dos factos integradores da justa causa do despedimento imposto ao trabalhador e a existência e regularidade do processo.

  6. A apelante não alegou nem provou, em 1ª instância, que o processo disciplinar instaurado o tenha sido a mando de quem tinha competência para o efeito.

  7. Depois do encerramento da discussão em 1ª instância só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

  8. A apelante não alegou sequer que essa apresentação não tinha sido possível até aquele momento, não sendo de conceber tal possibilidade por se tratarem de documentos da sua autoria, datados de 1987 e 1993, 10. A apresentação desses documentos com as alegações foi extemporânea, pelo que o Tribunal da Relação devia ter mandado desentranhar os mesmos.

  9. O processo disciplinar padece de nulidade por não ter sido instaurado por pessoa/entidade com competência para o efeito.

  10. As normas provenientes da contratação colectiva de trabalho, como é o caso do Regulamento Disciplinar dos CTT, não podem ser ultrapassadas ou contrariadas por regulamentos ou despachos internos, (art. 7.º do D.L. n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro).

  11. É entendimento doutrinário e jurisprudência dominante que o direito do contraditório não se esgota com a audição do arguido.

  12. Levando em conta a gravidade das acusações feitas, deveria ter sido possibilitado ao mandatário da A. assegurar-se da regularidade da inquirição, assim como, da veracidade da redução a escrito da mesma, até porque esta inquirição é levada a cabo pela própria entidade patronal, para a qual laboram, também, as testemunhas arroladas.

  13. A falta de notificação do arguido e do seu mandatário para a diligência de inquirição das testemunhas arroladas na defesa constitui causa de nulidade do processo disciplinar, por violar o princípio do contraditório.

  14. Ainda que assim não se entendesse sempre teria de ser considerada a prescrição da infracção disciplinar e caducidade do processo, nos termos dos arts. 27.º, n.º 3 e 31.º, n.º 1 da LCT.

  15. O processo disciplinar esteve, por culpa da R., parado por períodos superiores a 60 dias o que por si só implicaria também a caducidade do processo disciplinar.

  16. A decisão do processo disciplinar foi proferida fora do prazo estabelecido no art. 10.º, n.º 8 do DL n.º 64-A/89, de 27/02, facto que, atendendo em especial à redacção do art. 415.º do CT não pode deixar de inquinar o processo disciplinar.

  17. Verificando-se a ruptura do vínculo contratual e independentemente da existência ou inexistência de justa causa de despedimento, sempre a A, teria direito a receber os respectivos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal.

  18. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, assenta numa errada e distorcida aplicação do direito aos factos e fundamenta-se em factos que não estão demonstrados nos autos, violando o disposto no art. 712.º do CPC e fazendo uma interpretação errónea do art. 706.º do CPC, art. 7.º do D.L. 519- -C1/79, de 29 de Dezembro e dos arts. 20.º, 32.º e 208.º todos da CRP, o art. 10.º do D.L. 874/76, de 28 de Dezembro e o art. 10.º, n.º 8 do DL 64-A/89 de 27-02.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão da Relação de Lisboa e confirmando a decisão da 1.ª instância, como é de inteira JUSTIÇA! A Ré contra-alegou para sustentar a manutenção do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer, no sentido de ser negada a revista, parecer que não mereceu resposta de qualquer das partes.

  19. Nas conclusões da alegação, que delimitam o objecto do recurso, suscita a Autora as seguintes questões: 1.ª - Nulidade do acórdão recorrido; 2.ª - Nulidade do processo disciplinar; 3.ª - Caducidade do processo disciplinar; 4.ª - Prescrição da infracção disciplinar.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1. Quanto à primeira das questões enunciadas, diz a recorrente - nas conclusões 1. a 10. da sua alegação - que o acórdão enferma de nulidade, por violação do disposto no artigo 668.º n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, porque, por um lado, conheceu de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) - assentando a decisão em documentos apresentados extemporaneamente, que deveriam ter sido mandados desentranhar -, e, por outro lado, não conheceu de questões que estava obrigada a apreciar (omissão de pronúncia) - não tendo apreciado a questão da caducidade do procedimento disciplinar, consequência do decurso de mais de 30 dias entre a data da realização da última diligência probatória e a data da notificação, à Autora, da decisão final, nem o alegado direito da Autora a receber da Ré proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal, em virtude da cessação do contrato.

    Cumpre observar que, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, as nulidades da sentença devem arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso.

    De harmonia com a jurisprudência estabilizada e pacífica deste Supremo, tal disposição é aplicável ao recurso de revista, pelo, que não sendo cumprida a imposição daquele preceito - cuja finalidade é permitir ao tribunal recorrido, antes de o recurso subir, pronunciar-se sobre as invocadas irregularidades do acórdão e, eventualmente, supri-las -, não pode tomar-se conhecimento de nulidades imputadas, na alegação do recurso, ao acórdão da relação (1).

    É esse o caso dos autos, em que, examinado o requerimento de interposição da revista (fls. 1354), se...

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