Acórdão nº 06A1471 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução27 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - "AA" e mulher, BB intentaram acção declarativa contra CC e marido, DD, pedindo: a) Se declare impugnado o teor da escritura de Justificação Notarial lavrada pelos RR., em 3.11.99, no Cartório Notarial de Marinha Grande de fls. 142 v° a fls. 143 do Livro de Notas para escrituras diversas 48- E, em que declararam ter adquirido por usucapião o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Carvide, sob o art. 5193 ; b) Se ordene o cancelamento de todos e quaisquer actos de Registo Predial efectuados com base nessa escritura de Justificação ou posteriormente, relativos ao prédio da descrição 2819/Carvide, nomeadamente a inscrição G Ap. 8 de 20. 12. 99, de aquisição de tal prédio a favor dos RR.; c) Se elimine e/ou anule a dita descrição predial 2819/Carvide.

Para tanto, os AA. alegaram, em síntese, que no dia 03/11/1999 foi lavrada no Cartório Notarial da Marinha Grande escritura pública de justificação nos termos da qual o Réu marido, por si e na qualidade de procurador de sua mulher CC, declarou que, com exclusão de outrem, ele e a sua representada eram donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto de terra de cultura com a área de 3852,5 m2, sito no lugar de Confraria, freguesia da Carvide, concelho de Leiria, inscrito na matriz em nome de sua representada sob o artigo n.º 5193 e omisso na Conservatória do Registo Predial, o qual viera à posse da sua representada por compra efectuada no ano de 1977 a EE e mulher, FF, mas por tal compra ser verbal não dispunha aquela de prova documental, sendo certo porém que há mais de vinte anos que "...ele e a sua representada possuem o dito prédio em nome próprio (...), pelo que adquiriram tal prédio por usucapião"; e que tais declarações não correspondem à verdade, pois que o prédio sempre pertenceu, até 1980, aos pais de A. e R., foi descrito no respectivo inventário e, em 1983, por acordo, adjudicado, na proporção de metade à Ré e ao Autor.

Os Réus contestaram e, subsidiariamente, deduziram reconvenção. Alegaram que logo após a partilha, ainda em 1983, o prédio foi dividido e demarcado, divisão que sempre foi respeitada e pediram a condenação dos AA. a reconhecer que os RR adquiriram por usucapião a parcela resultante da divisão do imóvel identificado sob a verba n.º 28 do Inventário com Processo nº 160/82 e tal como se encontra identificado na escritura de justificação junta aos autos.

Os AA replicaram, pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional.

No despacho saneador foi admitida a reconvenção, decisão impugnada pelos AA., mediante recurso de agravo que, julgado com a apelação, não obteve provimento .

A final sentenciou-se a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.

Os Autores apelaram e viram a Relação decidir pela procedência tanto da acção como da reconvenção.

Pedem ainda revista os AA. e, subordinadamente, os RR.

Os Autores pretendem a revogação do acórdão, ao abrigo das seguintes conclusões: - A decisão, no acórdão recorrido, de julgar procedente a acção, declarando impugnado o teor da escritura de justificação notarial, transitou em julgado; - Por isso, não pode a mesma escritura ter qualquer efeito ou valor como a referência a que alude a parte final do pondo B. da decisão do mesmo acórdão ("tal como [a parcela] se encontra identificada na escritura de justificação junta aos autos"); - Nesta acção, que é de simples apreciação negativa, não é admissível pedido reconvencional; - O acórdão recorrido, no seu ponto B., ao atender e tomar conhecimento do conteúdo da escritura impugnada e do pedido reconvencional, cometeu a nulidade prevista no art. 668º-1-d) do CPC; - Mesmo a entender-se que se verificou a divisão que as instâncias deram como provada, esta é nula por violação das normas legais imperativas que a não permitem e daí que não possa ser objecto de registo; - Não podem os RR. invocar a usucapião como forma válida de adquirir o direito de propriedade sobre a pretensa sua parcela por a divisão entre os comproprietários integrar uma forma de aquisição derivada, não podendo invocar-se aquela forma de aquisição originária; - Mesmo que se entenda ser admissível a reconvenção, esta não pode proceder, pois há presunção resultante do registo a favor dos comproprietários, e não concorrem os requisitos da posse que permitam invocar a usucapião, já que não é titulada e não decorreu o prazo de 20 anos - arts. 1287º e 1294º C. Civil; - A decisão recorrida quanto à matéria de facto deve ser alterada, não podendo manter-se as respostas que constituem os pontos 21. a 25. dos factos provados, porque a procuração e substabelecimento juntos aos autos não concediam a GG poderes para representar os Recorrentes, nem estes ratificaram o que quer que fosse. A Relação não podia manter a resposta "Provado" ao quesito relativo à posse de boa fé (ponto 34.).

Foram violados os arts. 27º do DL n.º 289/73; 343º-1, 294º, 363º, 370º, 371º, 375º, 376º, 268º, 269º, 342º, 1260º-2, 1297º, 1294º, 1259º, 1376º, 1379º e 1403º, todos do C. Civil; 3º-1 e 274º CPC; 7º e 116 do CRP; e, 89º do C. Notariado.

Os Réus, por sua vez, pedindo que "se vier a proceder o recurso principal, deverá igualmente proceder o (seu e interposto como subordinado) recurso, declarando-se a acção improcedente", sustentam: - Os Recorrentes gozam da presunção inerente ao registo do direito de propriedade e os AA. não lograram fazer a prova dos factos da acção, que intentaram posteriormente a esse registo; - Os RR. têm posse com as características que conduzem à usucapião; - É apenas o direito de propriedade que está em causa na acção e não a escritura; - Com a impugnação desta não se visa atingi-la, mas apenas o direito de propriedade que nela se arrogam os justificantes; - Quer por não ter sido ilidida da presunção, quer por demonstrada a aquisição do direito por usucapião, a acção tem de improceder.

  1. - As Instâncias tiveram por provada a seguinte factualidade.

  2. O Autor AA e a Ré CC encontram-se ambos registados como filhos de EE e de FF (docs. de fls. 9 e 10).

  3. EE faleceu em 19/03/1980, no estado de casado com FF (doc. de fls.11).

  4. Por morte do aludido EE correram termos pela extinta 2ª secção do 3º juízo desta comarca sob o n.º 160/82 uns autos de inventário facultativo, no âmbito dos quais foi relacionado sob o nº 28 o prédio composto de terra de cultura no sítio da Confraria, EE e outros, sul com HH e poente com II, não descrito na Conservatória e inscrito na respectiva matriz sob o art.° 4284 (certidão de fls.12 a 37).

  5. No aludido inventário o prédio identificado na alínea b) foi adjudicado ao Autor marido e à Ré mulher em comum e partes iguais (idem).

  6. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Carvide sob o art.° 42841, sito em Confraria, composto de terra de cultura com 3 árvores de fruto, a confrontar do Norte com JJ, Nascente EE e outros, nascente KK e sul com HH, com a área matricial de 850 m2 (certidão de fls.39).

  7. O prédio identificado na alínea anterior encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2862/19991124 e aí inscrito na proporção de metade, a favor do Autor marido, por lhe ter sido adjudicado em inventário que correu termos por óbito de EE (certidão de fls. 40 a 42).

  8. O mesmo prédio confronta actualmente do lado nascente com o prédio inscrito na matriz sob o art. 4289, do lado norte com o inscrito na matriz sob o art. 4281, do lado poente com terreno antes de II onde se encontra edificada uma casa de habitação e cómodos, encontrando-se a...

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