Acórdão nº 06B1991 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I "AA" e BB intentaram, no dia 24 de Junho de 2004, contra CC e DD, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedindo a resolução de identificado contrato promessa, a condenação dos réus a restituir-lhes o sinal em dobro, ou, subsidiariamente, a transferirem-lhes a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio a que se reporta por via de sentença substitutiva da respectiva manifestação de vontade e a condenação no pagamento de € 22.500 a título de danos patrimoniais e os que ocorrerem, a liquidar em execução de sentença, e de €10.000 a título de danos não patrimoniais e dos juros de mora desde a citação.

Os réus, em contestação, afirmaram a nulidade de todo o processo e impugnaram parte dos factos articulados pelos autores e formularam pedido reconvencional, pedindo a declaração da ilicitude da resolução do contrato promessa, da culpa dos autores pelo seu não cumprimento e a perda a seu favor do sinal, e os autores, na réplica, reiteraram o afirmado na petição inicial.

No despacho saneador foram julgados improcedentes a excepção da nulidade de todo o processo e o pedido reconvencional e os réus interpuseram um recurso de agravo e outro de apelação, que subiu a final, e desistiram do primeiro.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 8 de Julho de 2005, por via da qual foi declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda por incumprimento culposo dos réus, e estes condenados a restituir aos autores o valor do sinal em dobro e juros.

Apelaram os réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 1 de Março de 2006, julgou ambos os recursos de apelação improcedentes.

Interpuseram os apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - é razoável o prazo fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar; - é ilegítima a conduta manifestamente contrária ao razoável, porque em direito não há poderes de exercício arbitrário; - o prazo que os recorridos fixaram para os réus cumprirem - 9 dias úteis desde a notificação - foi insuficiente, não podendo ser qualificado de razoável para efeitos do disposto no artigo 808º, nº 1, do Código Civil; - para poderem marcar a escritura tinham os recorrentes de obter as certidões da matriz e do registo predial cuja demora é de dez dias ou mais; - apesar de os recorrentes, nas comunicações que dirigiram aos recorridos, manifestarem a intenção de cumprir a obrigação, informando-os das datas em que requereram as certidões e da entrega destas pelos serviços emitentes, os últimos não prestaram a colaboração devida, imposta pelo princípio da boa fé, que deve imperar nos negócios jurídicos; - o exercício do direito de resolução do contrato por parte dos recorridos revela-se abusivo, uma vez que a conduta que adoptaram contraria o princípio do razoável, afirmando-se como um exercício arbitrário desse direito; - os recorrentes agiram com a diligência devida, no intuito de cumprirem a sua obrigação, enquanto os recorridos, confiantes na interpelação admonitória que tinham feito, dirigiram as suas intenções para a resolução do contrato; - tal resulta do facto de não terem entregue aos recorrentes os documentos de identificação civil e fiscal e o comprovativo do pagamento do imposto municipal de transmissões, necessários à marcação da escritura, remetendo-os para o incumprimento do prazo que fixaram para esse fim com a conveniente resolução do contrato, apesar de terem consciência de que esse prazo não era razoável, por insuficiente; - os recorridos agiram em violação do princípio da boa fé, do dever de cooperação que lhe inere e do princípio do razoável, porque o prazo admonitório era insuficiente e como tal não razoável para a obtenção dos documentos; - ao não entregarem os documentos solicitados, agiram por omissão, contribuíram para a impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa, objectivo que perseguiam para desencadear a resolução do contrato e o pedido de devolução do sinal em dobro; - deve proceder o pedido reconvencional e declarada a ilicitude do exercício do direito de resolução pelos recorridos.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação: - perante a notificação feita pelos recorridos, os recorrentes nunca alegaram que o prazo concedido era insuficiente para a marcação da escritura; - os recorrentes não marcaram a escritura nos prazos convencionados e, mesmo depois da acção judicial, nada fizeram entre 19 de Fevereiro, data da sua notificação, e 1 de Junho; - apesar de estarem em mora e de tal já haver sido reconhecido em processo judicial os recorrentes, de Março a Maio de 2004, não foram diligentes no cumprimento ao contrato que celebraram nem após a notificação que os recorridos lhes dirigiram; - a ser dada razão aos recorrentes, subsidiariamente, requer-se a ampliação do âmbito do recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 684º-A do Código de Processo Civil, com vista à condenação dos recorrentes no pedido subsidiário.

Os recorrentes, em resposta ao requerimento de ampliação do recurso de revista, alegaram, em síntese: - aceitam realizar o negócio, como sempre manifestaram; - nessa parte, o subsidiário dos recorridos vai ao encontro da sua vontade; - a indemnização peticionada é infundada porque os recorridos é que, resolvendo ilicitamente, deram causa ao incumprimento.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido 1.

O autor dedica-se à actividade de reparação de veículos automóveis, chaparia e pintura, possuindo uma oficina de mecânica, chaparia e pintura em instalações arrendadas.

  1. No dia 18 de Setembro de 2000, os réus e os autores declararam: - os primeiros prometerem vender e os últimos prometerem comprar, por 6 000 000$, uma leira de lavradio e vinha, sita no Local-A, freguesia de Vila Franca, a confrontar do Norte com EE, do Sul com o caminho, do Nascente com a Estrada Barco do Porto e do Poente com caminho de servidão, inscrito na matriz sob o artigo 750º; - o referido preço de 6 000 000$00 seria pago do seguinte modo: 3 000 000$00 a título de sinal e principio de pagamento na data da assinatura do contrato e 3 000 000$00 na data da celebração da escritura de compra e venda.

    - a escritura de compra e venda seria celebrada até 31 de Dezembro de 2000 num Cartório Notarial de Viana do Castelo, mediante marcação pelos autores.

  2. No dia 19 de Setembro de 2000, os autores entregaram aos réus o montante de 3 000 000$.

  3. Quando decidiu adquirir o prédio identificado em 2, o autor pretendia construir um edifício para instalação da sua oficina, e os réus tinham conhecimento desse facto e da urgência do autor na referida construção.

  4. No dia 15 de Dezembro de 2000, os autores enviaram aos réus uma carta, comunicando-lhes que a escritura estava marcada para 21 de Dezembro de 2000, pelas 10 horas, no 1º Cartório Notarial de Viana do Castelo.

  5. Os autores e os réus combinaram depois marcar a referida escritura para o dia 27 de Dezembro de 2000, pelas 10 horas, no 1º Cartório Notarial de Viana do Castelo, e, por carta de 18 de Dezembro de 2000 e telegrama de 22 de Dezembro de 2000, os autores comunicaram aos réus que a escritura estava marcada para aquela data.

  6. A escritura de compra e venda do prédio não se realizou no dia 27 de Dezembro de 2000, porque os réus não tinham inscrito o prédio a seu favor no registo predial.

  7. Em documento escrito de 27 de Dezembro de 2000, autores e réus declararam acordar em que, atendendo a que não fora celebrada a escritura pública de compra e venda nos dias 21 e 27 de Dezembro de 2000 por os réus não terem inscrito o prédio a seu favor, a mesma deveria ser celebrada até 15 de Janeiro de 2001, num dos Cartórios Notariais de Viana do Castelo, mediante marcação pelos réus.

  8. No dia 18 de Janeiro de 2001, os autores receberam um telefonema a dizer que a escritura se realizaria no dia 19 de Janeiro de 2001, às 11 horas, mas, naquela data, os réus não compareceram no Cartório.

  9. No dia 5 de Fevereiro de 2001, os autores enviaram aos réus uma carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhes que não estavam interessados na realização do negócio e solicitaram-lhes a devolução do sinal em dobro.

  10. Por carta registada de 5 de Fevereiro de 2001, o réu...

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