Acórdão nº 06S570 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução28 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 4 de Março de 2004, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo: (a) a declaração da nulidade da estipulação do termo no contrato de trabalho que celebrou com a ré, qualificando-se o respectivo vínculo laboral como contrato de trabalho sem termo; (b) a declaração da ilicitude do seu despedimento; (c) a condenação da ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, com a antiguidade e categoria que lhe pertenciam, ou, em opção a fazer até à data da sentença, a pagar-lhe indemnização substitutiva dessa reintegração; (d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 6.486,00 euros, a título de férias e respectivo subsídios vencidos em 1 de Janeiro de 2003, a quantia de 8.918,25 euros a título de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado durante o ano de 2003, bem como as prestações pecuniárias que se vencerem até à data da sentença, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; (e) ou, subsidiariamente, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 8.082,55 euros, a título de compensação pela caducidade do seu contrato de trabalho, acrescida das quantias já discriminadas na alínea anterior.

Alega, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré, para desempenhar funções de engenheira de grau IV, responsável pela qualidade da fábrica, com o salário base mensal de 3.243,00 euros, através de um pretenso contrato a termo certo, celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 2 de Maio de 2002, contrato esse que não menciona concretamente os factos e circunstâncias que integram o seu motivo justificativo, sendo, assim, manifesta a nulidade do termo invocado; além disso, o seu posto de trabalho destinava-se a satisfazer necessidades efectivas e permanentes da ré, daí que tal contrato deva ser qualificado como contrato de trabalho sem termo ou por termo indeterminado, sendo trabalhadora efectiva e permanente da ré desde a sua admissão.

Entretanto, por carta registada com aviso de recepção, de 13 de Outubro de 2003, a ré rescindiu o invocado contrato de trabalho, com efeitos a partir de 2 de Novembro de 2003, o que configura um despedimento sem justa causa, efectuado sem precedência de processo disciplinar.

Acrescenta que a ré não lhe pagou qualquer indemnização pela ilicitude do despedimento, nem as férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2003, nem as férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho em que se manteve ao serviço no ano de 2003.

A ré contestou, sustentando, no que agora releva, que a autora foi admitida mediante contrato de trabalho a termo certo, contratação essa que foi precedida de negociações, em que ficou claro para a autora que a sua contratação era a prazo; a autora aceitou expressamente e sem reserva a sua contratação a termo certo, tendo lido o contrato e sendo-lhe entregue uma cópia, ficando ciente que o mesmo não continha cláusula de justificação do termo.

Esse facto, porém, não alterou a expectativa clara da autora de que fora admitida ao serviço pela ré com um horizonte temporal que não excedia os 18 meses, nem a expectativa da ré de que a autora se conformaria com esse facto, pois a forma clara e sem reservas como a autora aceitou a sua contratação a termo criou absoluta confiança de que a autora respeitaria o combinado entre as partes.

Assim, a invocação, pela autora, da nulidade da estipulação do termo, configura um verdadeiro abuso de direito.

Em 11 de Junho de 2003, a autora enviou à ré um e-mail, dizendo que era evidente não ter lugar de continuidade, mas que ia «lutar por este trabalho na Empresa-A, nem que fosse a nível judicial».

Após ter recebido a comunicação de não renovação do contrato de trabalho, a autora enviou à ré uma carta manuscrita, datada de 20 de Outubro de 2003, propondo uma liquidação integral e definitiva dos seus créditos laborais por determinado montante; a ré aceitou a reclamação/proposta da autora e procedeu ao pagamento, em 31 de Outubro de 2003, da quantia ilíquida de 20.430,78 euros, a que corresponde a quantia líquida de 14.206,80 euros, transferindo para a conta bancária da autora essa quantia líquida.

Com este pagamento, as partes consideraram integralmente liquidados todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, nada mais ficando a dever uma à outra. De qualquer modo, a proposta manuscrita pela autora configura a opção pela indemnização de despedimento em vez da reintegração, não tendo restituído ou proposto a restituição à ré da quantia referente a indemnização por despedimento, pelo que falece à autora o direito a pedir a reintegração na ré.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: (a) declarou a nulidade da estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes; (b) declarou a ilicitude do despedimento da autora; (c) condenou a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade que teria, não fora o despedimento; (d) condenou a ré a pagar à autora a quantia global ilíquida de 38.753,85 euros, a título de salários de tramitação, descontada a compensação pela cessação do contrato por caducidade.

  1. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a decisão da primeira instância e absolvendo a ré do pedido, sendo contra esta decisão que a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: 1) O contrato de trabalho da recorrente não continha qualquer indicação minimamente concretizada relativamente ao motivo justificativo da estipulação de termo nele aposta, formalidade essa que é manifestamente uma formalidade ad substantiam; 2) Por isso, tal ausência de justificação para a contratação a termo envolvia, face ao disposto nos n.os 1, alínea e), e 3 do artigo 42.º da LCCT em vigor na altura da ocorrência dos factos assinalados neste processo, a transformação daquele contrato em contrato sem termo, pelo que a cessação do mesmo, decidida pela recorrida com efeitos a 2 de Novembro de 2003, não tendo sido precedida de processo disciplinar ou de qualquer outro procedimento legalmente adequado a permitir esse objectivo, foi efectuada ilicitamente; 3) Daí o direito da recorrente a ser reintegrada no respectivo posto de trabalho com a antiguidade e categoria que lhe pertenciam e a receber as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data de propositura da acção até à data da sentença [artigo 13.º, n.os 1 e 2, alínea a), do RJCCIT aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro]; 4) Mas, independentemente do que ficou registado nas conclusões 1) e 2), o certo é que o próprio motivo que na realidade esteve subjacente à contratação da recorrente e que veio a ser explanado na contestação da recorrida (pretensão da empresa de experimentar a integração do Eng.º BB, director de qualidade da fábrica, na qualidade central, abrindo o seu lugar a outrem na fábrica, tendo sido desse modo colocada à recorrente a possibilidade de ocupar o lugar daquele engenheiro enquanto durasse a experiência de integração deste na qualidade central, que seria avaliada dentro do prazo que se perspectivou, entre seis meses e um ano e meio) não poderia integrar qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 41.º, n.º 1, da LCCT e designadamente a prevista na sua alínea a) pois que, no presente caso, não se tratou de substituir qualquer trabalhador que se encontrasse impedido de prestar serviço, já que o Eng.º BB em momento nenhum esteve ausente da empresa da recorrida, tendo continuado a prestar serviço para a mesma embora noutro posto de trabalho que não aquele que anteriormente ocupava; 5) E disso terá tido a recorrida devida consciência porquanto, sendo uma empresa de dimensão assinalável, estaria certamente bem assessorada no sentido de saber que o motivo alegadamente subjacente à contratação da recorrente não teria qualquer base legal para ser considerado e aceite, o que permitirá até conjecturar que foi exactamente por isso que optou por não apresentar qualquer motivo justificativo devidamente concretizado no contrato de trabalho a termo certo que celebrou com aquela; 6) De resto, ao celebrar o contrato de trabalho a termo certo com a recorrente, a recorrida tinha obrigação de saber, até porque era sobre ela que recaía o ónus da prova da justificação do termo, que a razão alegadamente justificativa da estipulação de termo não era permitida por lei; 7) Por isso, aceitar que, no caso dos autos, se verificou um abuso de direito da autora, ora recorrente, é, com o devido respeito, inverter a razão de ser das coisas e manifestamente beneficiar o infractor, admitindo que possa sair pela janela aquilo que não é permitido sair pela porta, o que, a aplaudir-se, abriria caminho para situações perversas neste campo; 8) Com efeito, tal significaria que se estaria a aceitar, pelo menos indirectamente e na prática, como lícito um comportamento da recorrida manifestamente ilícito e que visou, de algum modo e desde início, rodear a proibição que a lei nesta matéria impunha não apenas tendo em vista o respeito do...

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