Acórdão nº 083878 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 1994

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Cível: I)- Relatório 1- No Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, Verilta A propôs contra B, acção de divórcio litigioso, pedindo que seja decretado o divórcio entre ela e o réu, seu marido, por este ter violado culposamente de forma reiterada os seus deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, violação essa que compromete definitivamente a possibilidade de vida em comum do casal. Frustrada a conciliação, contestou o réu, excepcionando, impugnando e deduzindo reconvenção. Com excepção, articulou o seguinte: No dia 16 de Junho de 1989 realizou-se na Igreja de S. Lucas, Nova Delli, Estado da India, uma cerimónia de casamento católico entre a autora e o réu, mas esse casamento não produziu quaisquer efeitos para a Ordem Jurídica do Estado da India. Tratou-se de um casamento entre estrangeiros, realizado no estrangeiro, dado que a autora era indiana e o réu Holandês. A norma de conflitos aplicável à forma de casamento celebrado entre dois estrangeiros é o artigo 50 do Código Civil e, nos termos desta disposição a forma de casamento é regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado, ou seja na India. Há porém, autores que consideram que os casamentos de estrangeiros realizados no estrangeiro serão tidos como válidos, desde que satisfaçam os requisitos de forma de uma das seguintes leis: a do Estado da celebração, a do Estado da nacionalidade dos nubentes (India e Holanda); e a do Estado da sua última residência (India e Suiça). Ora, sucede que o casamento celebrado entre a autora e o réu não é o considerado válido para qualquer destas leis. Por isso, o casamento não poderia ter sido transcrito em Portugal, mesmo atendendo a que a autora obteve a nacionalidade portuguesa em 7 de Março de 1986, porque o artigo 11 da Lei da Nacionalidade (Lei n. 37/81, de 3 de Outubro); ao preceituar que a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, exclui desses efeitos a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade. Para possibilitar a transcrição do registo do casamento aplicou-se o artigo 51 do Código Civil e não o seu artigo 50. Mas, a atribuição da nacionalidade portuguesa não pode validar relações jurídicas anteriormente inexistentes. Não sendo válido o casamento, nunca poderia ter sido transcrito com base na certidão do registo paroquial, pelo que tal registo é nulo de nenhum efeito. De qualquer modo, o registo de transcrição devia ter obedecido às disposições dos artigos 1664 a 1667 do Código Civil. Sendo o casamento católico, a transcrição será recusada nos mesmos termos em que o pode ser a transcrição dos casamentos católicos celebrados em Portugal (artigo 1667 Código Civil e artigo 214 Código de Registo Civil). Segundo os artigos 1657, n. 1, alínea b), do Código Civil e 210, n. 1, alínea b) do Código de Registo Civil, a transcrição do casamento católico deve ser recusado se a certidão do assento paroquial não contiver as indicações exigidas na lei; entre as quais se conta a declaração prestada pelos nubentes de que realizaram o casamento por sua livre vontade. Como o assento paroquial não contem tal declaração, a transcrição é nula, por ofender um preceito de carácter imperativo (artigos 295 e 294, do Código Civil). A transcrição é ainda nula pelo facto do assento paroquial não conter o nome completo, idade, estado e naturalidade dos nubentes (alínea c) do n. 1 do artigo 201 do Código Registo Civil). Seguidamente, o réu deduziu o incidente de falsidade dos documentos juntos sob os números 3 a 6 com a petição inicial. Deduziu também o réu a excepção da caducidade quanto aos factos referidos nesses documentos. O réu impugnou os factos articulados pela autora e com os quais esta fundamentou o pedido de divórcio. Finalmente, o réu deduziu reconvenção, articulando factos pelos quais pediu que fosse decretado o divórcio, com culpa exclusiva da autora. Houve, ainda, réplica da autora. 2- Foi proferido o despacho saneador, no qual: a) - se julgou incompetente, em razão da matéria, o tribunal para conhecer da nulidade do casamento católico entre a autora e o réu b) - se julgou improcedente a excepção da nulidade da transcrição do assento desse casamento, c) - não foi admitido o incidente de falsidade deduzido pelo réu, d) - foi julgada improcedente a excepção da caducidade. Foram, organizadas a especificação e o questionário. Entretanto o réu interpôs recurso de agravo do despacho saneador, recurso esse que foi admitido com subida diferida e efeito devolutivo. Depois de se ter procedido a julgamento, a acção e a reconvenção foram julgados procedentes, sendo o divórcio decretado com culpas iguais de ambos os cônjuges. 3- Então o réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa. Quanto à matéria do agravo, considera-se no acórdão recorrido que o artigo 1625 do Código Civil não é institucional e que,assim, nos termos dessa disposição legal, os tribunais cíveis portugueses são incompetentes em razão da matéria, para se pronunciarem sobre a inexistência jurídica, ou a nulidade dos casamentos católicos. Também ali se considerou que o agravante não alegou factos bastantes que permitissem detectar qualquer fundamento legal relevante para que se declarasse a inexistência ou ineficácia jurídica do casamento, quer face à lei indiana (competente para decidir sobre a sua nulidade formal, segundo a lei de conflitos portuguesa - artigo 50 do Código Civil) ou qualquer outra que possua conexões relevantes juridicamente com o casamento. Também ali se decidia que a transcrição do assento do casamento não é inexistente ou inválida juridicamente, em face do artigo 1651, n. 1, alínea c), do Código Civil e dos artigos 65, n. 1 alínea c), 108, n. 1 alínea d), 195, 210, n. 1, 214, n. 2, 222, n. 2, 225, n. 1, alínea b), do Código Registo Civil e ainda dos artigos 49 e 50 do Código Civil. Decidiu-se ali ainda que o registo do casamento não está ferido de nulidade, em face dos artigos 110, n. 1 e 112, do Código Registo Civil e dos artigos 50 e 51, n. 3, do Código Civil. Por tudo isso, foi negado provimento ao agravo. Depois de apreciar o objecto da apelação, a Relação de Lisboa negou-lhe também provimento, confirmando a sentença da primeira instância. 4- Inconformado, o réu interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça...

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