Acórdão nº 97P930 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Dezembro de 1997
Magistrado Responsável | SOUSA GUEDES |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 1997 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No processo comum colectivo n. 413/95 do 2. Juízo Criminal de Viseu, foi julgado o arguido A, com os sinais dos autos, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio na forma tentada previsto e punido pelos artigos 131, 22, 23 e 74 do Código Penal de 1982. O assistente B deduziu pedido de indemnização civil, no montante de 4250000 escudos, contra o arguido. Finda a discussão da causa, o tribunal colectivo decidiu: a) - julgar a acusação procedente e condenar o arguido, pelo crime previsto e punido pelos artigos 131, 22 e 73 do Código Penal de 1995 (cujo regime considerou mais favorável ao agente), na pena de quatro (4) anos de prisão, de que foi declarado perdoado 1 ano de prisão, nos termos dos artigos 8 e 11 da Lei n. 15/94, de 11 de Maio; b) julgar o pedido cível parcialmente procedente e condenar o arguido a pagar ao assistente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 1000000 escudos, e ainda - a título de indemnização pela perda de rendimento do trabalho durante o período de 60 dias em que esteve incapacitado para o trabalho - a quantia que se liquidar em execução da sentença, absolvendo-o da restante parte do pedido. 2. Desta decisão recorreu o arguido. Das extensas conclusões da sua motivação (tão extensas que suscitaram a inconformidade do Ministério Público, na sua resposta, por não serem um resumo das razões do pedido e infringirem, o artigo 412, n. 1 do Código de Processo Penal e poderem levar à rejeição do recurso) podem, em suma, extrair-se os seguintes motivos da discordância relativamente ao acórdão que impugna: - O Colectivo não apreendeu o sentido exacto da defesa ao escrever, na súmula da contestação - "tendo sido o próprio assistente que as produziu em si próprio com uma faca com a qual pretendia atingir o arguido"; - Este entendimento, que contraria o que disse nos artigos 33 e 34 da sua contestação, prejudicou as garantias de defesa e violou o artigo 32, n. 1 da C.R.P.; - O tribunal fez errada interpretação da prova, o que levou a dar como provados factos que não se provaram, impondo-se por isso novo julgamento com documentação da prova, que assegura o 2. grau de jurisdição em matéria de facto; - A não ser assim, e porque o artigo 410, n. 2 do Código de Processo Penal não assegura esse 2. grau de jurisdição, a observância pelo Supremo Tribunal de Justiça do artigo 433 do mesmo código viola o artigo 32, n. 1 da Constituição da República Portuguesa; - Face à escassa prova produzida (nenhuma testemunha presenciou a acção e o tribunal ateve-se à versão do assistente, que contrariou a do arguido) o tribunal devia ter aplicado o princípio in dubio pro reo, ligado à presunção da inocência do artigo 32 da Constituição da República Portuguesa; terá havido, pois, erro notório na apreciação da prova, nomeadamente quando se dá como provada a utilização de uma faca de cozinha, instrumento que influiu na decisão da intenção de matar; - O tribunal - ao invocar o "exame visual da cicatriz da facada efectuado na audiência" - não fez constar da acta as conclusões desse exame; logo, fez uso de meio de prova não invocável em juízo, o que deve levar à anulação do julgamento (artigo 410, n. 2, alínea c) do Código de Processo Penal); - O depoimento da testemunha C contraria o Veredicto do tribunal quanto ao facto de o arguido ter ido procurar a vítima no seu reduto, pois daquele depoimento resulta que o encontro foi fortuito; logo, verificam-se os vícios do artigo 410, n. 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal; - A intenção de matar não é um facto directamente cognoscível pelo tribunal, mas uma conclusão que deveria ser retirada de factos simples que não constam do acórdão; logo, há insuficiência da matéria de facto para a decisão (artigo 410, n. 2 alínea a) do Código de Processo Penal); - Aquilo que o Colectivo dá como provado quanto ao móbil do crime (tirar desforço do irmão e castigá-lo) não consta nem da acusação nem da contestação e agravou a situação do arguido; logo, existe alteração não substancial dos factos, que só relevaria depois de cumprido o artigo 358, n. 1 do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade (artigo 379); - O tribunal não se pronunciou sobre o facto invocado no artigo 41 da contestação, da maior importância para a apreciação da intenção de matar; logo, foi violado o artigo 374, n. 2 do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade (artigo 379, alínea a)); - Também o tribunal errou notoriamente ao dar como provado que o arguido atingiu o assistente em órgão vital; de resto, da fundamentação consta expressamente a expressão "se não o quisesse agredir", o que é coisa diferente de querer matar; logo, existe contradição insanável da fundamentação (artigo 410, n. 2, alínea b) do Código de Processo Penal); - Sem prescindir, a pena aplicada peca por excesso e infringe o artigo 71 do Código Penal; - Dadas as circunstâncias, a pena não deverá exceder o mínimo legal e ser suspensa a sua execução, ainda que subordinada a quaisquer deveres, nomeadamente de reparação do ofendido; logo; foram violados os artigos 71 e 50 do Código Penal; - Quanto à indemnização por danos morais, foi violado o artigo 496, n. 3 do Código Civil; atento o período de doença e internamento do assistente, a equidade impõe que a indemnização não seja superior a 500000 escudos. Na sua resposta, o Ministério Público bateu-se pela improcedência do recurso. Foram requeridas alegações por escrito. Nestas, o arguido repetiu as razões da sua motivação; e a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo sustentou o improvimento do recurso. 3. Cumpre decidir. É a seguinte a matéria de facto que o Colectivo considerou provada: No dia 7 de Dezembro de 1993, pelas 11 horas e 45 minutos, o arguido deslocou-se, de automóvel, ao local da residência do seu irmão B, sita no Viseu, em cujo rés-do-chão este explorava uma pequena fábrica de confecções. Ali, avistou o B, que tinha acabado de estacionar o automóvel no parque de estacionamento anexo à residência. Acto contínuo, o arguido imobilizou a sua viatura atrás da do B, saiu, dirigiu-se a ela e, sem quaisquer palavras, atirou-se a ele, procurando atingi-lo no peito com uma faca de cozinha - de características não inteiramente apuradas, pois não foi apreendida -, que trazia consigo. O B...
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