Acórdão nº 99B113 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 1999 (caso NULL)
Magistrado Responsável | DIONÍSIO CORREIA |
Data da Resolução | 03 de Novembro de 1999 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A e mulher B, em 26-11-96, deduziram embargos de terceiros contra a penhora efectuada na execução ordinária que o C, move a D e E, invocando em resumo: - o ora embargante tomou conhecimento em 07-11-96 que na execução foram penhoradas as fracções habitacionais de garagem e arrumos que constituem o Edifício 1, da rua do Real, 60 (Empreendimento "Parque Real"), em que incluem "todas as fracções que pertencem aos ora embargantes", por contrato-promessa de 26-10-90 a ora executada prometeu vender aos ora embargantes pelo preço de 30000000 escudos, a pagar nas condições referidas nesse contrato, as fracções autónomas: "O" - destinada a habitação, "AU" - destinada A aparcamento; "BI" - destinada a aparcamento e "BP", destinada a arrumos; em finais de 1992 os embargantes e demais família (dois filhos menores), tomaram posse das fracções, com o conhecimento e acordo dos executados, em virtude de o edifício estar concluído e pronto a habitar, assumindo desde então as despesas inerente, como se de proprietários se tratasse, designadamente as de condomínio água e electricidade, convictos de que o contrato-promessa seria cumprido; corre termos acção de execução específica do contrato-promessa e redução de preço, intentada pelos ora embargantes contra a ora executada D; a penhora ofende a posse dos embargantes no que concerne às fracções.
Recebidos os embargos, a embargada contestou-os nestes termos: os embargantes não são possuidores das fracções, pois não pagaram os preços na totalidade, nem outorgaram o contrato prometido de compra e venda; são apenas possuidores precários e com a tradição das fracções poderão ter, eventualmente, um direito real de garantia, em nada afectado pela penhora, pois o direito de retenção existe para garantir o incumprimento do contrato prometido, e que se extinguirá com a venda das fracções, transferindo-se para o produto da venda. Conclui pela improcedência dos embargos e manutenção da penhora.
Houve resposta dos embargantes em que invocaram: são verdadeiros possuidores ou, a não se entender assim, autênticos proprietários de facto relativamente às fracções.
Os embargos foram julgados improcedentes no despacho saneador com esta argumentação, em resumo o contrato-promessa não é susceptível de transmitir a posse do promitente comprador, que obtém a entrega da coisa antes da celebração do contrato translativo, adquire o corpus da posse mas não o animus possidendi, ficando a coisa na sua detenção, que constitui um direito pessoal (não real) de gozo insusceptível de defesa por embargos de terceiro; tudo seria diferente se tivesse pago a totalidade do preço, ou "se alguma razão houvesse, excepcional, para que daí se pudesse extrair o animus" excepcional goza, porém do direito de retenção, sobre a coisa pelo crédito resultante do incumprimento imputável ao promitente-vendedor, nos termos do art. 442 do CC; mas tal direito da retenção nunca seria posto em causa ainda que a fracção viesse a ser vendida em hasta pública, pois o seu crédito trasmitir-se-ia para o produto da venda, desde que o reclamasse oportunamente.
Apelaram os embargante, mas a Relação confirmou a decisão recorrida.
Incomformados recorrem de revista e, alegando, concluem: 1. Por contrato-promessa de compra e venda a executada prometeu vender aos embargantes, e estes prometeram comprar quatro fracções autónomas, uma destinada a habitação, duas a aparcamento e a última a arrumos.
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Tal fracção foi entregue pela sociedade executada aos embargantes em finais de Fevereiro de 1992.
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Desde essa data os embargantes têm vivido no Imóvel suportando todas as despesas que lhe são inerentes nomeadamente luz, água e telefone bem como as demais despesas resultantes da sua normal utilização.
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Apesar de ainda não ter sido celebrada a escritura os embargantes já entregaram à executada quantia superior a metade do preço acordado, tendo interposto contra esta uma acção judicial de condenação, por execução específica, a qual corre seus termos pela 3ª Secção do 1º Juízo da Comarca do Porto, sob o processo n. 574/96 e encontra-se devidamente registada na Conservatória do Registo Predial da Maia.
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Assim, estamos claramente no terreno sempre difícil e problemático do contrato promessa e, mais concretamente, no problema da "Posse do beneficiário da traditio". Neste contrato, 6. o promitente comprador a quem foi dada a "traditio" da coisa, tem à luz da lei a legal expectativa da futura celebração do contrato prometido considerando-se, em certas circunstâncias já mais dono e proprietário da coisa do que o promitente vendedor.
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As circuntâncias capazes de conferir ao promitente comprador essa "titularidade" são entre outras o facto de já ter pago uma parte substancial do preço, de já ter a coisa em seu poder e de sobre ela exercer todos os direitos e deveres de um proprietário.
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Para concluirmos pelo deferimento ou indeferimento dos embargos de terceiro deve-se, antes de mais, analisar a questão de natureza da "posse" do beneficiário da traditio.
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Ora, não é possível dar resposta a este problema dos embargos de terceiro analisando o fenómeno da "posse" isoladamente à luz dos Direitos Reais, como é feito no douto acórdão recorrido.
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Estamos em sede de Direito dos Contratos o que exige uma outra interpretação desta figura jurídica, vista à luz de principios mais adequados e de conceptualizações mais actualizadas conforme tem defendido os mais insignes juristas, bem como a doutrina e jurisprudência. Assim, 11. Constituída pelo elemento corpus e pelo elemento animus entende-se hoje com Hech que a posse é sempre expressão de uma autoridade fáctica, de um potis sedere (o sentir-se como dono) como revela a sua etimologia.
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E que levou à noção de Savígny onde se contrapõem o...
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