Acórdão nº 99P735 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLOURENÇO MARTINS
Data da Resolução07 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência - artigo 437º e ss. do CPPenal -, do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 28 de Abril de 1999, no P.º n.º 302/97, da 3.ª Secção invocando, como fundamento, a oposição com o decidido no acórdão, também deste Supremo Tribunal, de 11 de Outubro de 1995, no P.º n.º 47.938, da 3.ª Secção, oposição esta que se verificaria no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito, pedindo se fixe jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, isto é, que existe concurso real entre os crimes de fraude fiscal, pp. pelo artigo 23º do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (doravante designado pela sigla RJIFNA), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e os crimes de burla e de falsificação, pps. pelos artigos 313.º e 228.º, respectivamente, do CPenal. Respondendo, defenderam os arguidos "A", B, C e Da rejeição do recurso "por não existir oposição de julgados"; assim não se entendendo, que a jurisprudência a fixar seja no sentido de que "o artigo 13.º do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro, consagra uma regra de especialidade, em relação ao Direito Penal, sempre que as condutas imputadas ao arguido, apesar de poderem ser subsumidas a mais de um tipo legal, ofendem, exclusivamente, interesses do Estado." O Ministério Público teve vista dos autos - artigo 440.º, n.º 1 do CPP -, manifestando-se pela oposição de julgados. Após peripécias várias de saneamento da instância, por acórdão de 15 de Abril de 2001, foi constatada a invocada oposição de julgados no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito, mas apenas no tocante ao arguido E (do acórdão recorrido). Uma vez que a decisão emanada da conferência da Secção, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP, carece de força de caso julgado formal, atenta a diferente composição do órgão competente para a decisão final, impõe-se a reapreciação dos indispensáveis pressupostos legais da oposição de julgados - decisão da mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação. No acórdão fundamento, estamos perante um quadro de factos que se entendeu configurar como concurso real entre os crimes de fraude fiscal, burla e falsificação, no que se refere aos três arguidos do processo em que foi proferido (F, G e H), com a sua consequente punição autónoma. No acórdão recorrido, essa situação só vem a ocorrer em relação ao arguido E, único relativamente ao qual se questionavam crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e fraude fiscal - além de crimes de abuso de confiança fiscal que ora não relevam - e que acabou por ser absolvido dos crimes de burla e falsificação por se ter entendido que estes crimes se não encontravam em concurso real com o de fraude fiscal. Nesse aresto, no que concerne aos restantes arguidos - sem considerar as sociedades, a quem não haviam sido imputados crimes de burla e de falsificação - apenas estavam em causa dois crimes, até porque, salvo o caso de um deles, foi reposta a verdade fiscal, o que arredou a punibilidade do crime de fraude fiscal e alterou o conjunto de factos a valorar jurídico-penalmente. Ponderando o que acaba de ser reavivado, deve manter-se a anterior conclusão, obtida em conferência, de que existe oposição de julgados, no domínio da mesma legislação, com o âmbito descrito, sobre a mesma referida questão de direito, qual seja a de saber se a conduta do agente que inscreve na contabilidade de uma empresa uma factura emitida por outra empresa, que não corresponda a qualquer transacção real, integrando assim o imposto que lhe foi supostamente facturado na declaração periódica de IVA, com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito, constitui apenas um crime de fraude fiscal, ou se deve ser também punido, em concurso real, como tendo praticado um crime de burla e outro de falsificação. Notificados os intervenientes processuais para os efeitos do artigo 442.º, n.ºs 1 e 2, do CPPenal, defendem os arguidos a posição do acórdão recorrido, enquanto o Ministério Público propõe seja fixada jurisprudência no seguinte sentido: «Constitui o crime de burla dos arts. 217.º e 218.º do Código Penal, na versão de 1995, ou dos arts. 313.º e 314.º, na versão originária, bem como o crime de falsificação do artigo 228.º, n.º 1 do Código Penal (actualmente, artigo 256.º) a conduta do agente que consiste em inscrever na contabilidade de uma empresa uma factura emitida por outra empresa que não corresponda a qualquer transacção real, integrando assim o imposto que lhe foi supostamente facturado na declaração periódica de IVA, com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito». É de notar que a proposta de solução ora apresentada pelo Ministério Público, que não a do requerimento inicial, consistirá num tertium genus relativamente à alternativa que parecia estar em discussão: fraude fiscal apenas ou em concurso real com os crimes comuns de burla e falsificação. Por jubilação do primeiro Relator, Conselheiro Hugo Lopes, foi o presente recurso extraordinário redistribuído; foi-o de novo por não ter feito vencimento o projecto apresentado pelo segundo Relator (1). Repetidos os vistos legais, em simultâneo, procedeu-se a julgamento (artigo 443.º do CPPenal) em conferência do Pleno das Secções Criminais. Cumpre apreciar e decidir. II Saliente-se, desde já, que o âmbito e força da fixação de jurisprudência a proferir se circunscrevem à vigência do RJIFNA, uma vez que se encontra revogado este regime, nos termos do artigo 2.º, alínea b), da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho. De qualquer modo, a sua utilidade mantém-se para situações temporalmente delimitadas. 1. Prossigamos, de pronto, com a indicação da legislação a examinar. 1.1. As principais normas em foco estão (estavam) insertas no RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro. Assim: Artigo 13.º ("Concurso de crimes") «Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime previsto neste Regime Jurídico e crime comum, as penas previstas para ambos os crimes são cumuláveis desde que tenham sido violados interesses jurídicos distintos». Artigo 23.º ("Fraude Fiscal") «1 - Constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. 2 - A fraude fiscal pode ter lugar por:

  1. Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão, ou substituição de pessoas. 3 - Para efeitos do número anterior considera-se que tem lugar a ocultação ou alteração de factos ou valores quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias: a) A vantagem patrimonial ilegítima pretendida for superior a 1000 contos para as pessoas singulares e 2000 contos para as pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados; b) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; c) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; d) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; e) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei fiscal; f) O agente usar os livros ou, quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiros. 4 - A pena aplicável à fraude fiscal é de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, salvo se, tratando-se de pessoas singulares, na ocultação ou alteração dos factos ou valores ou na simulação se verificar a acumulação de mais de uma das circunstâncias referidas nas alíneas c) a f) do número anterior, caso em que é exclusivamente aplicável a pena de prisão de um até cinco anos. 5 - Se a vantagem patrimonial pretendida não for superior a 100 000$, a pena será de multa ...». 1.1.1. Na redacção original (anterior ao Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro), dispunha-se neste mesmo artigo 23.º: «1 - Quem, com intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida: a) Ocultar ou alterar factos ou valores que devam constar das declarações que para efeitos fiscais apresente ou preste a fim de que a administração fiscal, especificamente, determine, avalie ou controle a matéria colectável; ou b) Celebrar negócio jurídico simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão, ou substituição de pessoas, dirigidos a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um benefício fiscal injustificado, será punido.... 2 - Se nos casos previstos no número anterior: a) A vantagem patrimonial indevida for superior a 1000 contos; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido, para a prática do crime, do auxílio de funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente manipular...

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