Acórdão nº 0251017 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução24 de Novembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: Rq.es: Carlos ..........., cc. Maria ............, …….., ………., ou …., ……….., ………….., França ; Rq.os: Domingos ..........., .., …………, …………….., França, Elisabete ..........., .………, …....., ..........., França.

  1. Os rqes. requereram contra os rqos. a revisão e confirmação da sentença que lhes conferiu o pátrio poder em benefício da custódia e educação da neta Sabrina ..........., 89.10.03, proferida que foi no Tribunal de Grande Instância de Nanterre, 95.06.01.

  2. Os rqos. não deduziram oposição, mas sim o Digno Procurador-Geral da República (Adjunto): (a) É requerida a revisão de uma sentença estrangeira na qual se delega o poder paternal da menor Sabrina ............ a Carlos .......... e mulher, por renúncia dos pais biológicos.

    (b) Ora, de acordo com o art. 1882 CC, os pais não podem renunciar ao poder paternal nem a qualquer dos direitos que ele especialmente lhes confere, sem prejuízo do que a lei dispõe sobre adopção.

    (c) Tudo aponta pois para que a sentença revidenda contenha decisão cujo reconhecimento conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

    (d) Não poderá, por isso, ser revista e confirmada, nos termos do art. 1096.f CPC.

    Para além disto, nas alegações, disse o opositor: (e) O poder paternal é um poder-dever, irrenunciável, intransmissível e inalienável.

    (f) E não obstante os pais poderem nomear tutor aos filhos menores, fá-lo-ão apenas no caso de virem a falecer ou se tornarem incapazes, art. 1928/1 CC.

    (g) Mas nestas duas hipóteses o poder pátrio extingue-se, não por vontade dos pais, mas por força da natureza ou por determinação da lei, enquanto o poder paternal é governado sempre por normas de interesse e ordem pública.

    (h) Ora, delegar o poder paternal numa terceira pessoa é o mesmo que renunciar, é admitir uma forma indirecta de adopção, não inserida no processo previsto no art. 1973/2 CC [Citou despacho 02.10.30, PN 7579/02, 2ª Sec. TRL, que juntou por fotocópia].

    (i) Assim, o conteúdo da sentença revidenda é decerto incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português: não pode ser revista e confirmada.

  3. Nas alegações dos rqes. é defendido, pelo contrário, o deferimento do pedido: a lei francesa não é divergente da lei portuguesa e a decisão não fere, por isso, a ordem pública internacional do Estado Português.

  4. Cumpre decidir.

  5. A sentença a rever e confirmar foi proferida por tribunal estrangeiro cuja competência não se mostra ter sido provocada em fraude à lei.

  6. Não versa matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.

  7. O pedido foi efectuado conjuntamente, nos termos da lei gaulesa, no contraditório e na igualdade das partes.

  8. Confirmar uma sentença estrangeira, após ter procedido à sua revisão, é reconhecer-lhe, no Estado do foro, os efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado [Santos, António Marques, Estudos de Direito Internacional Privado e de Processo Civil Internacional, Almedina, Coimbra, 1998, p. 308; vd. tb. Pinheiro, Luís de Lima, Direito Internacional Privado, III...Reconhecimento de decisões estrangeiras, Almedina, Coimbra, 2002, p. 235/236: o reconhecimento autónomo de efeitos é uma técnica de regulação de situações transnacionais; é uma das técnicas do processo conflitual ou indirecto; com efeito, as normas que determinam o reconhecimento desses efeitos e estabelecem as suas condições não disciplinam materialmente a sua situação; a definição da situação jurídico-material resulta para a remissão para a ordem jurídica de origem, i.é, a ordem jurídica que atribui competência à autoridade que proferiu a decisão; são os efeitos jurídicos desencadeados pela decisão segundo o Direito de origem que se produzem na ordem jurídica do Estado de reconhecimento]. E são tais efeitos o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo [J. Alberto dos Reis, Processos Especiais, II, reimp., Coimbra, 1982, p. 39], no que mais nos importa. Em suma, o fundamento do reconhecimento das sentença estrangeiras é a continuidade das situações jurídico-privadas internacionais, no campo de uma justiça formal, própria do Direito Internacional Privado [Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado - Aditamentos - do Reconhecimento e Execução das Sentenças Estrangeiras, Coimbra, policop., pp. 18 e 19].

  9. Há no entanto casos em que o mérito importa, justamente aqueles em que a sentença estrangeira não será reconhecida porque o reconhecimento conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português [Art. 1096.f CPC; vd. Ferrer Correia, La Reconnaissance et l'Éxecution des Jugements Étrangers en Matière Civile et Commerciale (Droit Comparé), in Estudos Vários de Direito, 2ª tiragem, Coimbra, 1982, p. 121 ; vd. Tb. Pessoa Vaz, A.M. & Álvaro Dias, J., La Reconnaissance et l'Éxecution des Jugements...

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