Acórdão nº 0324422 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelALZIRO CARDOSO
Data da Resolução27 de Abril de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I- Relatório B..... instaurou a presente acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra C....., Lda pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 9.852.500$00, correspondente à devolução do sinal em dobro (esc. 9.500.000$00) e à devolução da quantia entregue para despesas (esc.352.500$00) ou, subsidiariamente, que se declare anulado o contrato promessa de compra e venda entre ambas celebrado, condenando-se nesse caso a ré a restituir-lhe a quantia de esc. 4.750.000$00 recebida por esta a titulo de sinal, acrescida da dita quantia de Esc. 352.500$00, bem como juros de mora à taxa legal, contados desde a citação.

Fundamentou o pedido alegando, em resumo, que a ré incumpriu o contrato promessa de compra e venda entre ambas celebradas, o que confere à autora o direito de receber o dobro do sinal, bem como a quantia entregue para despesas; Mas caso assim não se entenda deverá ser-lhe reconhecido o direito de receber o sinal em singelo em face da invalidade de que enferma o contrato promessa ajuizado uma vez que a assinatura da autora não está reconhecida notarialmente e não foi exibida a este oficial público a licença de utilização ou de construção, sendo certo que a autora não compareceu no notário no momento em que foi reconhecida a assinatura da procuradora da ré nem por qualquer forma consentiu na dispensa da sua exibição.

Citada a ré contestou, atribuindo à Autora o incumprimento do contrato e defendendo a improcedência da arguida nulidade, invocada subsidiariamente, alegando que o não reconhecimento presencial da assinatura se ficou a dever à própria autora, que dispensou tal formalidade e referiu que nunca invocaria tal falta, o mesmo tendo dito em relação à não exibição da respectiva licença de construção, integrando a arguição da dita nulidade manifesto abuso de direito.

Concluiu pela improcedência da acção, com o consequente reconhecimento do direito de fazer seu o sinal passado no âmbito do contrato ajuizado, por incumprimento definitivo e culposo do mesmo pela autora.

Replicou a Autora defendendo a improcedência do invocado abuso de direito quanto à arguida nulidade do contrato, concluindo como na petição.

Foi proferido despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, decisão de que reclamaram ambas as partes, tendo as respectivas reclamações sido parcialmente atendidas.

Instruída a causa procedeu-se a julgamento, com gravação da audiência, constando de folhas 147-149 as respostas à matéria da base instrutória, que não foram objecto de qualquer reparo.

De seguida foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 49.144,06 (correspondente a Esc. 9.852.500$00), acrescida de juros de mora à taxa legal de 7% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

Inconformada a Ré interpôs o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1- Deveria a M.ª Juiz "a quo" ter deferido a reclamação deduzida pela recorrente no que concerne à matéria de facto dada por assente no douto despacho saneador; 2- Padece a douta decisão recorrida de imprecisões no que concerne à decisão acerca da matéria de facto e quanto à aplicação do normativo legal subsumível à situação sub judice.

3- Analisando com rigor a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como a prova documental, nunca se poderá considerar que a apelante incumpriu culposamente o contrato promessa ao declarar não pretender celebrar o contrato prometido nas condições pretendidas pela recorrida.

4- Isto porque, tal como ficou dado como provado - facto provado constante da alínea S) da douta sentença - a apelante em 23-03-99 dirigiu uma carta à apelada, onde lhe foram enviadas duas minutas de procuração a favor de pessoas por ela indicadas, onde numa delas se conferiam poderes de administração geral em relação à fracção "NA" e noutra se conferiam poderes para contrair empréstimo hipotecário sobre a dita fracção, bem como para proceder à sua compra.

5- No entanto, tal como resultou da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, de modo a dar cumprimento ao acordado entre apelante e apelada e tratar de todo o processo burocrático inerente à realização da escritura pública, era necessário que a recorrida fornecesse à recorrente as referidas procurações, devidamente assinadas, que lhe foram oportunamente remetidas pela recorrente.

6- A apelante ofereceu-se para tratar de toda a documentação do empréstimo bancário a obter pela apelada para a compra do imóvel em questão, o certo é que, para tal, necessitava a apelante das referidas procurações devidamente assinadas pela apelada, as quais nunca em momento algum lhe foram por ela fornecidas.

7- Não possuindo a apelante uma procuração assinada pela aqui apelada para contrair empréstimo hipotecário, bem como para proceder à compra do imóvel em questão, nunca a recorrente poderia preparar o processo burocrático correspondente aos registos provisórios de aquisição, nem tratar do registo da hipoteca para garantia do empréstimo bancário que a recorrida pretendia obter.

8- De igual modo, tal como resulta dos factos da matéria de facto assente - alínea N) dos factos provados pela sentença recorrida - em 14 de Janeiro de 1999 a apelada intentou uma acção especial para fixação judicial de prazo onde peticionou o prazo de 30 dias para a celebração da escritura pública de compra e venda da fracção autónoma em causa, prazo esse que foi deferido pelo M.º Juiz.

9- Estranhamente, veio o Advogado da apelada, Dr. D....., solicitar ao mandatário da apelante o retardamento do prazo para celebração da escritura pública - alínea X da matéria provada - quando havia uma decisão judicial datada de 25-10-99, que impunha a sua celebração no prazo de 30 dias a contar dessa data.

10- Tal como resulta da análise da sentença, em cumprimento do prazo imposto pela acção especial de fixação judicial de prazo, a apelante marcou a escritura pública para o dia 23 de Novembro de 1999 - alínea Z) da matéria de facto dada como provada pela sentença ora posta em crise.

11- Mais, nesse dia 23 de Novembro de 1999 pretendia o advogado da apelada pagar o preço em divida relativo à compra ajustada desde que fosse passada procuração a favor da recorrida com poderes de venda e negócio consigo própria, o que lhe foi recusado pela aqui apelante.

12- No dia aprazado para a realização da escritura da fracção "NA", ficou consignado ter sido exibida declaração passada pela supra referida instituição de crédito, a autorizar o cancelamento da inscrição hipotecária referente ao seu crédito - conforme documento n.º 27 junto com a petição inicial.

13- Foi exibido o alvará de licença de construção do imóvel pela aqui recorrente, junto do funcionário do -º Cartório Notarial de....., dando-se de igual modo cumprimento a todos os requisitos constantes do n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 281/99 de 26 de Julho.

14- A não exibição da licença de utilização perante o funcionário do -º Cartório Notarial, não constitui fundamento de recusa da outorga da escritura pública de compra e venda por parte da apelada, atendendo ao regime legal do Decreto-Lei n.º 281/99 de 26 de Julho.

15- A sisa não se encontrava paga, uma vez que o representante da promitente compradora, aqui apelada, não exibiu documento comprovativo do pagamento de tal obrigação fiscal que lhe incumbia, pelo que também por tal facto foi a recorrida quem incorreu em incumprimento definitivo.

16- Foi a apelada quem se recusou expressamente à celebração da escritura pública, declarando que não outorgava a escritura por não ter sido presente a correspondente licença de utilização ou habitabilidade - conforme consta do documento n.º 26 junto com a petição inicial.

17- De igual modo, recusou-se a recorrida a celebrar a escritura pública pelo facto de existir uma hipoteca a incidir sobre a fracção "NA", o que não correspondia à verdade, porque no dia aprazado para a celebração da escritura foi feita prova da inexistência da dita hipoteca - documento n.º 26 junto com a petição inicial.

18- O que a apelante se negou fazer e, com toda a legitimidade, foi sim passar à aqui recorrida uma procuração a seu favor, com poderes para fazer negócio consigo mesma, pelas razões já mencionadas e que decorrem dos testemunhos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento.

19- Sucede que, a titulo de gestor de negócios compareceu naquele acto o mandatário da apelada que, pretendendo outorgar a escritura prometida naquela qualidade, propôs que a apelante recebesse o montante em divida em troca de uma procuração irrevogável com poderes de venda e negócio consigo mesma, passada a favor da aqui recorrida.

20- Face a todo o exposto, resultante da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, ao regime legal do Decreto-Lei n.º 281/99 e perante a prova produzida quanto à inexistência da hipoteca invocada, não foi legitima a recusa da outorga da escritura prometida por parte da apelada.

21- Quanto à questão da recusa da recorrida em outorgar a escritura pelo facto de a apelante não ter procedido à inscrição provisória da propriedade da fracção a favor da apelada, nem ao registo da hipoteca provisória a favor do banco financiador "apesar de ter recebido dinheiro para esse efeito" - alínea LL) da matéria de facto provada pela douta sentença - o certo é que a recorrente nunca o poderia fazer, dado a recorrida nunca em tempo algum ter passado qualquer procuração que conferisse poderes à apelante, para tratar de toda essa documentação preparatória e necessária à aquisição da fracção prometida comprar.

22- Deveria ter sido dada como provada a factualidade constante dos quesitos 5º, 7º, 10º e 11º da base instrutória.

23- Importa realçar que o contrato promessa é um verdadeiro contrato, distinto do negócio subsequente em qualquer caso um contrato...

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