Acórdão nº 0334851 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelPIRES CONDESSO
Data da Resolução30 de Outubro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - Tendo falecido a R. Guilhermina........... da acção movida por M............. veio esta sociedade requerer a habilitação dos irmãos da falecida, como seus únicos herdeiros.

Contestaram dois dos requeridos sustentando, na parte que agora interessa, que não são sucessores da falecida porquanto não houve, por parte deles, aceitação da herança.

Foi proferida decisão em considerou estes - MARIA ........... e MANUEL ........... e, bem assim, ANTÓNIO ............ - habilitados para, no lugar daquela Guilhermina, prosseguirem os ulteriores termos do processo.

II - Agrava a Maria ..........., concluindo as alegações do seguinte modo: 1 - O chamamento dos Requeridos, nos termos dos art°s 2032° e 2133° do Código Civil, à sucessão da sua irmã Guilhermina ......... não significa que, por isso, lhes advenha a qualidade de seus sucessores; 2 - Para tal (para adquirir a qualidade de sucessores, por via legal, da falecida) é necessário que os chamados à sucessão (art° 2032° do C.C.) aceitem esse chamamento - cfr. art° 2050° do Código Civil; 3 - Assim, o nosso Código Civil, prevê que "a aquisição sucessória só se dá após a aceitação e por força dela" - cfr. Francisco Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pág. 155 e J. A. Lopes Cardoso, "Partilhas Judiciais", vol. I, Coimbra, 4. Edição, pág. 16; 4 - Não tendo os Requeridos aceite (expressamente ou tacitamente) a herança, nem isso estando demonstrado nos autos, não pode, assim, atribuir-se-lhes, sem mais, a qualidade de sucessores da falecida; 5 - Não pode, como faz o Senhor Juiz "a quo", retirar-se que a falta de repúdio da herança, através de um acto formal, implica a sua aceitação; 6 - Não tendo os Requeridos, chamados à sucessão, aceite nem repudiado a herança, nem havendo, a pedido do Ministério Público ou de qualquer interessado, sido notificados para, nos termos do artº 2049° do Código Civil, declararem se aceitam ou repudiam o chamamento sucessório, não pode o Senhor Juiz "a quo" julga-los sucessores habilitados da falecida - cfr. art°s 2050° e 2049° - uma vez que estes, não havendo manifestado, expressa ou tacitamente, ter aceite a herança, não podem ser considerados sucessores da sua irmã Guilhermina............

7 - O despacho ora recorrido violou o disposto nos artºs 371° a 374° do Código de Processo Civil e os artºs 2024°, 2032°, 2046°, 2049°, 2050° e 2056° do Código Civil.

Contra-alegou a parte contrária, pugnando pela manutenção do decidido.

III - A questão a decidir cifra-se em saber se devem ou não ser considerados, "sucessores" duma parte falecida na pendência dum processo, aqueles que, chamados a suceder a tal pessoa, ainda não aceitaram nem repudiaram a herança.

IV- A construção da recorrente assenta no seguinte raciocínio: "Sucessor" é aquele que sucede.

Da definição do artº 2024° do CC retira-se, sem margem para dúvidas, que a sucessão é um acto complexo, incluindo o chamamento e a devolução dos bens. Até ter lugar esta última, o chamado tem apenas o direito de aceitar ou repudiar a herança.

Logo, nesta situação, o chamado não pode considerar-se sucessor por ainda não haver aceitação.

V - Com a decisão recorrida poder-se-á sustentar outra construção: De acordo com ela a referência a sucessores feita pelo artigo 371°, n.º1 do Código de Processo Civil, encerra em si apenas a ideia de chamamento, sendo desnecessária a aceitação.

Vão buscar essa posição ao artº 375° que se refere à habilitação no caso de incerteza das pessoas, porquanto tal incerteza é incompatível com qualquer aceitação, mesmo tácita, da herança.

Depois, dir-se-á, o mesmo código emprega a palavra "sucessores" com referência até àqueles que repudiaram a herança - n.º1 do art° 1132°.

Compreender-se-á bem, aliás, esse sentido e alcance dado à palavra, "sucessores" daquele artigo 371º: O que se pretenderá não é tomar posição sobre a verificação ou não de toda a dimensão do fenómeno sucessório, mas assegurar, tanto quanto possível, que não fique um vazio processual, com o consequente desaproveitamento do processo.

Esse assegurar aponta para a habilitação dos sucessores do falecido, reconhecidos pelas regras do chamamento. Se acaso, relativamente a algum ou alguns, ao chamamento não se suceder a devolução dos bens, porque se interpôs o repúdio da herança, então e só então, serão afastados da habilitação.

É esta a posição do prof. Castro Mendes quando faz a seguinte pergunta: "Quid juris se, depois de habilitados certos sucessores, estes (todos ou alguns) repudiarem a herança?"- Direito Processual Civil, Lições Policopiadas de 1971-72, II V 0l.217.

+Vejamos a nossa posição.

Bem se sabe que falecido o réu, pessoa individual, no decurso da acção, tem lugar o incidente de «habilitação dos sucessores da parte falecida.........para com eles prosseguir os termos da demanda»-artº 371º CPC.

A solução da nossa questão passa por determinar o que se deve entender por «sucessor» .

Sobre o que se pretende com a habilitação, vem sendo entendido, pensamos que sem grandes discrepâncias, que com ela se visa colocar no lugar do falecido os habilitados que sucedam, segundo o direito substantivo, na relação jurídica em litígio, tratando-se, por isso, do sucessor no direito em litígio; procura-se, assim, averiguar quem são os sucessores do falecido relativamente ao direito ou obrigação que constituem objecto da acção (Ver por todos, os manuais sobre Incidentes da Instância, CJ 10/3/79, 22/2/81 e BMJ 449/201) Sobre este tema diz-nos L. de Freitas no seu CPC Anot. 1/631 e segs que a sua finalidade é promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância (artº 270°-a) CPC) mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal, para a causa.

Acrescenta que em comum com a habilitação feita na petição inicial (o titular da relação faleceu antes da propositura da acção) é o terem ambas a circunscrição da sua eficácia ao processo em que são deduzidas, visto respeitarem à determinação, originária ou subsequente, da parte processual.

Bem diferente desta determinação de parte processual, salienta o mesmo Prof., ocorre quando a acção tem por objecto a atribuição da qualidade de herdeiro, com o que parece significar que no incidente de habilitação não se cuida de apurar quem é herdeiro mas sim quem será o substituto processual da parte falecida.

Segundo Lopes Cardoso no seu Manual dos Incidentes da Instância, a pág. 288 e segs, com a habilitação o vocábulo «sucessão» utilizado no art° 270º-a) CPC tem um significado amplo, não coincidente com o que lhe atribuem as disposições dos Títulos 2°, livro 3°, parte 1ª CC e chama a atenção de que o artº 373° prevê explicitamente que a qualidade que «legitimar habilitando para substituir a parte falecida» seja diversa da qualidade de «herdeiro».

Logo a seguir, a pág. 289 esclarece que na substituição processual se trata de determinar quem tem qualidade que o legitime para substituir a parte falecida, quem tem as condições legalmente exigidas para a substituição, e daí que a sua legitimidade (do sucessor) deva ser aferida como substituto da parte falecida.

Por seu lado o Prof. J. de Castro Mendes in Drtº Proc. Civil, ed. 1980-2/234 ensina que se chama habilitação á prova da aquisição por sucessão ou transmissão, da titularidade dum direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas (neste mesmo sentido pode ver-se Salvador da Costa no seu «Os Incidentes da Instância»-ed. 1999 a pág. 207).

Acrescenta, a pág. 236 que na habilitação incidente importa a prova de que o transmissário se substitui ao transmitente também na titularidade da relação jurídica processual no processo que tem essa situação jurídica por objecto.

Na tentativa de sermos o mais completos possíveis no que se vem entendendo como fim da habilitação vamos ainda socorrer-nos dos ensinamentos de Salvador da Costa in «Os Incidentes da Instância» e salientar que ele, a pág. 209, defende que na causa de pedir se deverão incluir factos susceptíveis de revelar que os requeridos são os únicos sucessores da parte falecida e, se for caso disso, que aceitaram a herança e que estão na posse dela; não basta, acrescenta, que seja herdeiro da parte falecida sendo indispensável demonstrar que, segundo o direito substantivo, lhe sucedeu na relação jurídica em litígio.

Do exposto afigura-se-nos legitimo concluir que é ao direito substantivo que devemos ir buscar a solução para se apurar quem substitui o de cujus na relação substantiva que integra o objecto do processo, sendo por isso, como bem ensina Salvador da Costa, no local citado, uma questão de legitimidade substantiva que está em causa para se ingressar na posição da parte falecida.

E pensamos que esta opinião sai reforçada quando procuramos apurar o que está em causa na modificação subjectiva da instância.

Na verdade o artº 270° a) CPC-de que o incidente de habilitação é mero executor---diz que se modifica a instância quanto ás pessoas em consequência da «.....substituição de alguma das partes.......por sucessão......na relação substantiva em litígio.

Não se refere, note-se, a herdeiro, sucessível, sucessor nem a qualquer outra expressão do género que inculque a ideia de limitação ao fenómeno sucessório de pessoas, mas antes se socorre dum expressão muito mais lata que abranja...

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