Acórdão nº 0345083 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução17 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Os arguidos A...... e B ............ foram submetidos a julgamento, perante tribunal singular, no ..... Juízo de Competência Especializada Criminal da Comarca de ..........., sob acusação do MINISTÉRIO PÚBLICO, sendo-lhes imputada a prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº. 256º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, operando a convolação da qualificação jurídica nela contida, julgou a acusação procedente por provada, e, em consequência, no que ora releva, decidiu: a) condenar o arguido A ............., pela prática de um crime de atestado falso p. e p. no art.º 260º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta ) dias de multa à taxa diária de Esc. 3.000$00 ( três mil escudos ); b) condenar o arguido B ......., pela prática de um crime de atestado falso p. e p. no art.º 260º, nº. 1 do Cód. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de Esc. 3.000$00 (três mil escudos); Inconformado com esta sentença, dela recorreu o arguido B .........., tendo esta Relação, por Acórdão proferido em 5/6/2002, concedido parcial provimento ao recurso e, em consequência, anulado a sentença recorrida, não só em relação a ele como também em relação ao co-arguido A........, e ordenado a reabertura da audiência de julgamento, a fim de lhes ser dado conhecimento da possibilidade de convolação da co-autoria de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. a) e b), do Cód. Penal para o de co-autoria (ou autoria) de um crime de atestado falso p. e p. no art. 260º, n.º 1 do Cód. Penal, nos termos do artº. 358º , nºs. 1 e 3, do CPP.

Em cumprimento do deliberado nesse aresto, o processo baixou à 1ª Instância, tendo aí, depois de reaberta a audiência, sido dado cumprimento ao disposto no cit. artº 358º, nºs 1 e 3, do CPP, na sequência do que os arguidos requereram prazo para preparação da defesa (o que lhes foi concedido).

Uma vez produzida a prova posteriormente indicada pelos Arguidos (à excepção da audição das testemunhas por eles oferecidas mas depois prescindidas e do requerido exame, pelo Delegado de Saúde, da Delegação de Saúde de ......, dos indivíduos identificados nos 22 atestados médicos mencionados na acusação - pretensão que o tribunal a quo indeferiu), veio a ser proferida nova sentença que, operando a convolação da qualificação jurídica nela contida, julgou a acusação procedente, por provada, e, em consequência, decidiu: "a) condenar os arguidos A .......... e B ..........., pela prática, em co-autoria, de um crime de atestado falso p. e p. no art. 260º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 15 (quinze euros) e € 12, 50 (doze euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa de € 2700 (dois mil e setecentos euros) e € 2 250 (dois mil duzentos e cinquenta euros), respectivamente; b) condenar cada um dos arguidos em três UCs de taxa de justiça, acrescida de 1%, nos termos do nº 3 do art. l4º do Dec.-Lei nº 423/91, de 30/10 e nas demais custas do processo, fixando-se a procuradoria em 1/4 da taxa de justiça devida".

Ainda irresignado, o Arguido B ........... recorre novamente para esta Relação, agora da 2ª sentença condenatória, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: "1 - A prova produzida nos autos atinente à pessoa do recorrente e atrás integralmente transcrita, impunha a sua absolvição porquanto: - é inexistente a prova de um qualquer acordo entre os arguidos para a emissão de atestados médicos sem o exame dos candidatos à obtenção da carta de condução; - é inexistente a prova de que o recorrente tivesse qualquer intervenção directa ou indirecta nos exames os contactos efectuados entre o co-arguido Dr. A ..... e os candidatos à obtenção e na enússão dos subsequentes atestados médicos; - não é aceitável que se exigisse do recorrente que interferisse por qualquer forma nos procedimentos usados pelo co-arguido para a emissão dos aludidos atestados. Aliás, apenas o médico sabe avaliar que tipo de procedimento é suficiente e adequado à verificação que lhe é solicitada.

2 - Ainda que se verificasse a prática do crime pelo co-arguido Dr. A ...., o que não se concebe e apenas como hipótese de raciocínio se coloca, nunca o recorrente poderia ser punido como co-autor do crime p. e p. no n.º 1 do artigo 260º do C.P., enquanto "crime próprio", porquanto: - dos autos não resulta a prova de qualquer dos requisitos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria, ou seja, decisão e execução conjuntas; atenta a especificidade do tipo legal quanto à pessoa do agente, nunca o recorrente podia ser punido pelo citado crime porquanto não possuía nenhuma das profissões, nem exercia nenhuma das funções descritas no tipo legal.

3- A sentença recorrida, pelas razões atrás resumidas, violou as disposições legais constantes dos artigos 385º, ns. 1 e 3 do C.P.P., 355º, nº. 1 do C.P.P., 124º e 127º do C.P.P., e 26º do C.P.".

O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivação apresentada pelo Arguido B ......., pugnando pela improcedência do recurso por este interposto e extraindo da sua contra-motivação as seguintes conclusões: "1 . A prova produzida em audiência é suficiente para sustentar a matéria vertida sob os nºs 1 a 11 da sentença em sede de factos provados ; 2. Apesar de o recorrente não possuir as qualidades funcionais exigidas pelo tipo de ilícito de "Atestado falso", é juridicamente concebível, por força do disposto no art. 28º do C. Penal, a sua co-autoria no crime em apreço ; 3. E da concreta matéria dada como provada resulta que a sua actuação se subsume a tal forma de comparticipação : decisão e execução conjuntas; 4. Em conformidade, a sentença recorrida não violou nenhuma disposição legal, designadamente o disposto nos artigos 385º, n.ºs 1 e 3; 355º, n.º 1; 124º e 127º do CPP e 26º do CP.".

Nesta instância, o MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer igualmente no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Arguido.

Colhidos os vistos e efectuada a audiência prevista nos arts. 421º, nºs 1 e 2, e 429º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: "1 - O arguido A ........... é médico de profissão, possuindo um consultório próprio na Rua .......... , ....., e é assistente graduado no Hospital de S. João e no Centro de Saúde da ....... .

2 - O arguido B ............ é sócio e Director Técnico da Escola de Condução ........, sita na Rua ........., .........., ...... .

3 - Por razões de amizade que une o primeiro arguido ao segundo arguido, bem como a um sócio dessa escola já falecido, C ........, aquele acordou com estes passar atestados médicos necessários à actividade dessa Escola de Condução, sem receber qualquer contrapartida monetária.

4 - No âmbito desse acordo os dois arguidos combinaram entre si que o primeiro arguido passaria os referenciados atestados sem fazer os respectivos exames médicos.

5 - Na sequência desse mesmo acordo o arguido passava com certa regularidade, pelo menos duas vezes por semana, ao fim da tarde, nas instalações da Escola de Condução.

6 - Tal acordo perdurou durante um período de tempo que não foi possível apurar com precisão, mas que remonta, pelo menos a 29/10/96 e que se prolongou, pelo menos até 31/12/97, e no âmbito do qual o 1º arguido subscreveu um número indeterminado de atestados médicos, mas seguramente não inferior a 20, para efeitos da condução de veículos.

7 - Estes atestados eram enviados à Direcção Geral de Viação, atestando que, também pelo menos 20 candidatos à condução de veículos, que eram clientes da referida Escola, não apresentavam alterações de visão e tinham aptidão física e mental para a condução de veículos automóveis ou de motociclos, consoante os casos, sem restrições .

8 - O 1º arguido subscreveu os referidos 20 atestados sem ter efectuado exame médico específico, pelo menos a 18 das pessoas cujos nomes deles constam, o que fazia com o conhecimento e o consentimento do 2º arguido .

9 - O 1º arguido ao assinar os referenciados atestados sem fazer o respectivo exame médico e o 2º arguido ao ter conhecimento e consentir tal facto, admitiram como possível que o teor de algum desses atestados não corresponderia à verdade e que, consequentemente, alguma(s ) pessoa(s) não tinha(m ) aptidão para a condução de veículos automóveis ou de motociclos ou teriam restrições (tais como óculos de correcção).

10 - Sabiam ainda ambos os arguidos que, desta forma, lesavam o interesse do Estado, pondo em causa a segurança rodoviária e a credibilidade das instituições .

11 - Os arguidos agiram livre voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços na prossecução de um plano que previamente haviam delineado, sabendo que toda a sua conduta era proibida por lei .

12 - O 1º arguido conhecia um número indeterminado de alunos da referenciada escola, em número seguramente não inferior a 13.

13 - Alguns dos alunos dessa escola, pelo menos 2, são ou foram recentemente doentes do 1º arguido no Centro de Saúde da ..... ou em consulta de medicina privada.

14 - Pelo menos relativamente a estes últimos, o arguido tem conhecimento que eles não sofrem de anomalia física ou mental que impeça ou limite o exercício da condução .

15 - O 1º arguido remeteu, pelo menos, dois candidatos que apresentavam patologias impeditivas ou limitativas ( claudicavam ostensivamente ) do exercício da condução ao Delegado de Saúde.

16 - O arguido A ........... exerceu durante cerca de 15 anos as funções de médico militar, realizando as inspecções médicas respectivas, recebendo pelos serviços prestados louvor militar.

17 - Exerceu funções no Centro de Saúde da ....... durante cerca de 30 anos, observando cerca de 1000 doentes por mês .

18 - O 1º arguido aufere o salário de € 1845, 55 (Esc. 370 000$00) - € 1 496...

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