Acórdão nº 0444816 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Os arguidos B.........., C.......... e D.......... foram acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Nas contestações apresentadas suscitaram os arguidos a questão da nulidade das escutas feitas às suas comunicações telefónicas.

No início da audiência de julgamento foi proferido despacho onde se decidiu pelo indeferimento das arguidas nulidades, por não se considerar que as escutas em questão, formal ou substancialmente, consubstanciem qualquer ofensa ao disposto nos artºs 187º e 188º do Código Processo Penal.

Inconformados recorreram os arguidos rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: [C..........] 1. Suscita-se, neste recurso, a questão da nulidade relativamente às escutas telefónicas transcritas a fls. 600 a 608 ( referentes a 11, 12, e 16 de Outubro de 2002), 1426 a 1444 (referentes a 28.2.02, 26.8.02, 18.10.02, 21.10.02, 22.10.02, 23.10.02 e 24.10.02), 1471 a 1476 (referentes a 26.8.02) e 1497 a 1508 (referentes a 22.10.02, 23.10.02 e 24.10.02).

  1. As intercepções telefónicas em causa nestes autos são nulas.

  2. Os despachos judiciais que ordenaram as intercepções telefónicas não foram devidamente fundamentados (nem de facto, nem de direito), como o obriga o art.º 97º n.º 4 do Código Processo Penal e o art.º 208º da Constituição, pelo que são nulos e de nenhum efeito.

  3. Foi a Polícia Judiciária quem fez as escutas e seleccionou os diálogos que entendeu "convenientes" a seu belo prazer e sem qualquer controlo judicial.

  4. O juiz de instrução criminal nem pode acompanhar as intercepções feitas, pois a PJ já lhe apresentou os "diálogos" tidos por "importantes".

  5. O juiz de instrução não teve qualquer intervenção material na selecção das escutas e diálogos seleccionados pela PJ.

  6. A defesa não pode questionar a contextualização das escutas já que só lhe foi possibilitado o acesso aos diálogos escolhidos pela PJ.

  7. Os autos de transcrição não foram levados ao conhecimento imediato do juiz que ordenou as transcrições.

  8. A elaboração e apresentação dos autos de transcrição ao juiz, bem como a sua validação demorou em alguns casos meses! Não tendo nunca sido dado conhecimento imediato ao juiz desses autos.

  9. Em relação às escutas de fls. 600 a 608 verifica-se que estas sendo referentes aos dias 11, 12 e 16 de Outubro de 2002 foram ouvidas e ordenada a transcrição a 17 de Outubro, só foram transcritas a 24 de Outubro e validadas a 30 de Outubro, tudo no ano de 2002.

  10. Em relação ás escutas de fls. 1426 a 1444 verifica-se que apenas as relativas a fls. 1435 a 1444 foram ouvidas e ordenada a transcrição pelo que não podem ser usadas como meio de prova as escutas de fls. 1426 a 1434 que nem sequer foram ouvidas.

  11. Em relação às escutas de fls. 1471 a 1476 referentes a 26.8.02 (desconhecendo-se talvez por lapso nosso quando foi ordenada a transcrição), sabe-se que foram transcritas a 22.5.03 e validadas a 9.6.03, ou seja, largos meses após o período a que se referem.

  12. Em relação às escutas de fls. 1497 a 1508 referentes a 22, 23 e 24 de Outubro de 2002 verifica-se que estas foram ouvidas e ordenada a transcrição em 30.10 sendo efectivamente transcritas a 16.4.03 (desconhecendo-se talvez por lapso nosso quando foram validadas) verificando-se também, neste caso, que medeiam vários meses entre a intercepção das chamadas e a sua transcrição e validação.

  13. Os requisitos estabelecidos relativamente às formalidades a obedecer nas intercepções e gravações de conversações - art.º 188º Código Processo Penal - são-no sob pena de nulidade (art.º 189º Código Processo Penal).

  14. Resulta do disposto no art.º 188º Código Processo Penal que deverá ser lavrado auto junto com as fitas gravadas que deverá ser imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado essas operações.

  15. Verifica-se, porém, atentos os elementos constantes dos autos e referidos nos pontos 10 a 13, que no caso em apreço, os CD's gravados não foram imediatamente levados ao conhecimento do juiz, sendo este procedimento enfermo e, como tal, nulo por violação do disposto no art.º 188º e 189º do Código Processo Penal.

  16. A letra do art.º 188º Código Processo Penal não poderá deixar de ser interpretada restritivamente atento o facto de este ser um artigo que excepciona o disposto no art.º 34º da Constituição. Não podemos desta forma aceitar que entre as várias fases que compõem o procedimento das operações de escuta possa mediar um elevado espaço temporal (em contradição com o imediatamente do art.º 188º Código Processo Penal) pois se assim for estamos perante a inconstitucionalidade do art.º 188º Código Processo Penal por violação do disposto no art.º 34º Constituição.

  17. A prova resultante das escutas telefónicas efectuadas de forma ilegal é nula, porque obtida através de meios proibidos.

  18. O despacho recorrido, ao não julgar nulas as escutas efectuadas, e validar a forma como foram efectuadas, restringe os direitos de defesa do arguido, já que este não as pode contraditar, nem lhe foram facultadas todas as intercepções efectuadas.

  19. O despacho ora recorrido viola, entre outros os artºs 208º, 32º e 34º da Constituição e os artºs 97º, 125º, 126º, 188º e 189º do Código Processo Penal.

    Pede a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que julgue nulas as escutas constantes de fls. 600 a 608, 1426 a 1444, 1471 a 1476 e 1497 a 1508.

    [D..........] 1. O objecto do presente recurso é a nulidade de todas as escutas telefónicas existentes nos autos e, mormente, aquelas em que foram interceptadas as conversas do arguido aqui recorrente.

  20. Escutas estas que são nulas por três ordens de razões.

  21. Todas as escutas foram ordenadas sem que tenham sido, minimamente, factual ou juridicamente, fundamentadas.

  22. Nenhuma das intercepções foi imediatamente levada ao juiz. Assim 5. - Fls. 600 a 608: ouvidas a 17 de Outubro, transcritas a 24, validadas a 30 e reportadas aos dias 11, 12 e 16.

    - Fls. 1426 a 1444: sendo que as de fls. 1426 a 1434 não foram ouvidas, as outras só o foram a 30 de Outubro de 2002, transcritas a 21.2.2003 e validadas a 29.5.2003.

    - Fls. 1471 a 1476: transcritas a 22 de Maio de 2003, validadas a 9.6.2003 e reportadas a intercepção de 26.8.2002.

    - Fls. 1497 a 1509: ouvidas a 30.10, transcritas a 16.4.2003 e reportadas a 22, 23 e 24 de Outubro de 2002.

  23. No caso sub-judice, houve pois, um desfasamento entre as intercepções e a respectiva transcrição e junção aos autos.

  24. Do exposto resulta claramente que foi excedido o prazo legal de apresentação ao juiz. E a consequência desta formalidade do n.º1 do art.º 188º do Código Processo Penal é a nulidade, nos termos do art.º 189º do Código Processo Penal.

  25. O conceito "imediatamente" não pode ser tido como um conceito impreciso, deixado à mercê da convicção pessoal e subjectiva do juiz, mas antes interpretado restritiva e objectivamente.

  26. Entende ainda, o aqui recorrente, e salvo melhor opinião, que não houve supervisão jurisdicional atempada das escutas telefónicas, constatando-se que toda a iniciativa e verificação do interesse da matéria interceptada ficou a cargo dos elementos da PJ, o que não se coaduna também com o vertido no art.º 188º, n.º 1 e 3 do Código Processo Penal.

  27. Consequentemente, estamos perante um acto jurisdicional levado a cabo por quem não está investido desse poder, pelo que tal facto terá que ser considerado inexistente.

  28. Incumbe apenas ao Sr. Juiz de Instrução decidir e ordenar a transcrição e acompanhar as escutas temporal e materialmente de forma contínua.

  29. Do exposto resulta, com clara evidência, que tal prova foi obtida por métodos legalmente proibidos, por violação do art.º 188º nºs 1 e 3 do Código Processo Penal e dos princípios constitucionais vertidos nos artºs 32 e 34, n.º 4 da CRP.

  30. É nula toda a prova carreada para os autos, mormente os autos de transcrição.

  31. Como o é, igualmente, toda a restante prova que só a partir dos sobreditos autos e com génese nos mesmos permitiu a "construção acusatória".

    Conclui pela violação dos artºs 97º, 125º, 126º, 188º e 189º do Código Processo Penal e 32º, 34º e 208 da Constituição, pelo que deve o despacho recorrido ser revogado e decidir-se pela nulidade de todas as escutas telefónicas feitas nos autos.

    [B..........] 1. As intercepções e gravações das comunicações telefónicas existentes no processo não foram ordenadas pelo juiz competente, como foi decidido neste processo, por despacho da 7ª Vara Criminal de Lisboa.

  32. A importância e a solenidade com que o legislador trata todos "os requisitos e condições" referidos nos artºs 187º e 188º Código Processo Penal têm de conduzir à falta de competência jurisdicional e inevitavelmente à nulidade insanável prevista no seu art.º 189º.

  33. O despacho judicial de 28.8.02 de fls. 25 não apresenta qualquer fundamentação e nele foram decididas as transcrições das sessões das escutas 9, 11, 20, 22 e 26, assim como a intercepção das conversas efectuadas pelo telemóveis 000, 001 e 002, sendo por isso nulo à face do art.º 188º n.º 1 e 3 do Código Processo Penal.

  34. Na verdade as escutas telefónicas violam a reserva constitucional da vida privada e familiar e nas telecomunicações do cidadão, conforme art.º 26º n.º 1 e 32º n.º 8 da CRP de forma que só fundadamente podem ser permitidas, contemplando o despacho que as determina não só a sua necessidade, como também a medida em que o são, ou seja, definindo a sua adequação à investigação criminal a que se destinam.

  35. As escutas a que respeitam as sessões 20, 22 e 26 de fls. 1471 a 1476, terão sido juntas sem prévio despacho a ordenar as suas transcrições, o que a ter-se verificado determina a sua nulidade por não ter sido respeitado o princípio da fidelidade das declarações telefónicas com o relato vertido para os autos, o que viola o art.º 188º, n.º 1 e 3 do Código Processo Penal.

  36. A sua validação foi objecto de despacho apenas em 9.6.2003, isto é, cerca de 10 meses depois, o que demonstra que não foram nem podiam...

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