Acórdão nº 0525962 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Janeiro de 2006
Magistrado Responsável | MÁRIO CRUZ |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Relatório B......., solteira menor, nascida a 21 de Março de 2000, representada por sua mãe C......, solteira, maior, residente na ......, .... ..., ...., ......, Bragança, intentou acção de indemnização decorrente de acidente de viação (ACÇÃO N.º ..../2002) contra a "D……, SA", pedindo - a condenação desta na indemnização global de € 92.500,00 com juros à taxa legal desde a citação (por sofrimentos sofridos pelo pai entre o momento do acidente e seu falecimento em 5 de Agosto de 1999, pela perda do direito à vida deste, pela privação dos seus cuidados e carinhos, e pelos alimentos que, por esse facto, ficou impedida de desfrutar ao longo da vida até atingir a maioridade Para o efeito invocou que quando era ainda apenas nascitura, ocorreu um acidente de viação em que veio a morrer aquele que viria a ser reconhecido como seu pai, E......, sendo a responsabilidade de tal acidente do condutor do veículo onde seu pai seguia como passageiro, encontrando-se transferida para a Ré a responsabilidade civil pelos danos causados com a circulação de tal viatura.
Por outro lado, numa outra acção, entretanto apensada (acção n.º 206/2002), F...... e esposa G......, pais do falecido E......., instauraram acção contra a mesma Ré, tendo como núcleo central o mesmo acidente, pedindo - a condenação desta no pagamento da quantia global de € 99.471,00, invocando para o efeito que sofreram imenso com a morte de seus filhos, e serem estes seus exclusivos herdeiros.
Sustentaram assim que são eles os titulares do direito a indemnização decorrente dos sofrimentos suportado pelo filho e por eles próprios, para além de lhes assistir o direito a ser indemnizado pelas despesas por eles pagas no tocante ao funeral e das que mais lhes advenham por via hereditária.
A Ré contestou as respectivas acções, aceitando a versão do acidente, mas impugnando o demais por desconhecimento.
De qualquer forma, como estava alegado haver uma filha do falecido E...... (nascitura ainda à data do falecimento deste), invocou a ilegitimidade dos pais da vítima para peticionarem indemnização na qualidade de herdeiros do filho falecido.
Os AA. da segunda acção replicaram dizendo que à data da morte de seu filho eram eles os únicos herdeiros, além de que havia despesas com o funeral, que foram suportadas pelos próprios.
Pretendiam assim ver reconhecida a sua própria legitimidade processual.
Saneados, condensados e instruídos os respectivos processos, veio a operar-se a apensação de que já demos nota, na data prevista para o início da audiência de julgamento do processo 15/2002.
A A. do processo 15/2002 requereu entretanto a ampliação do pedido de indemnização civil para € 182.500,00, sendo este admitido.
Na audiência de discussão e julgamento, foram dadas respostas aos quesitos da base instrutória de ambos os processos (fls. 162), vindo então a ser proferida Sentença, em cuja parte decisória ficou escrito o seguinte: "Julgo improcedente a excepção de ilegitimidade invocada na acção 206/02, e em consequência julgo partes legítimas os AA. F...... e mulher G......; Julgo parcialmente procedente as presentes acções e em consequência - condeno a Ré D...... SA a pagar à A. B...... paz a quantia de € 125.000,00, e aos AA. F....... e mulher G....., a quantia de € 42.971,00, quantias essas acrescidas dos juros á taxa legal de 7% até 30 de Abril de 2003, e à taxa de 4% a partir de 1 de Abril de 2003, até integral pagamento.(...)" Da Sentença vieram a recorrer a A. B..... e a Ré D...... .
Na sequência da apreciação do recurso interposto pela A. B....., este Tribunal da Relação veio no entanto a "anular o julgamento, sem prejuízo do já decidido pelo Tribunal "a quo" em matéria de facto (a fls. 162) e que não está viciado, bem como os termos subsequentes (Sentença inclusive), a fim de em novo julgamento, na primeira instância, se apreciar, além do mais tido por interessante, a factualidade vertida nos arts. 49.º a 53.º, da petição, seguindo-se os pertinentes trâmites da lei processual." Cumprido o ordenado no tocante à ampliação da base instrutória, veio novamente a A. B..... ampliar o pedido, ficando este a perfazer o total de € 195.000,00 e respectivos juros, sendo admitido o pedido atinente a tal ampliação.
A nova Sentença voltou a julgar improcedente a excepção de ilegitimidade invocada na acção 206/02, e, em consequência, julgou os AA. F...... e esposa G...... como partes legítimas.
Depois, considerou parcialmente procedentes as respectivas acções (apensadas), condenando a Ré a pagar: à A B..... a quantia de € 150.000,00 e aos AA. F....... e esposa G..... a quantia de € 42.971,00, quantias essas acrescidas de juros desde as datas da respectiva citação à taxa legal de 7% até 2004.04.30, e à taxa de 4% a partir de 2003.04.01, até integral pagamento.
A Ré não se conformou, tendo novamente interposto recurso O mesmo veio a fazer a A. B..... .
Ambos os recursos foram admitidos como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Alegaram e contra-alegaram ambas as recorrentes.
Remetidos os autos a este Tribunal foram os recursos aceites com as qualificações que lhe haviam sido atribuídos na primeira instância.
Correram os vistos legais.
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Âmbito dos recursos Exceptuando o conhecimento das questões que sejam de conhecimento oficioso, resulta do disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC que o que vem a delimitar as demais questões são as incluídas nas conclusões apresentadas com as alegações de recurso pelos respectivos recorrentes.
Daí o interesse em transcrever essas conclusões.
II-A) Conclusões da Apelante A. B.....: 1.ª) Nos presentes autos fora já proferida Sentença pelo Tribunal de Círculo de Bragança, na qual se rejeitara o pedido formulado pela A./recorrente de ressarcimento dos seus próprios danos morais emergentes da morte do sinistrado, seu pai, por entender o Mmo Juiz "a quo" que "o nascituro por falta de lei que lhe conceda o direito, não tem direito próprio a indemnização por danos emergentes da morte do progenitor", "e isto porque a lei e em especial o artº 496.º do CC não atribui direito a nascituros, o que devia para lhe ser reconhecido tal direito em conformidade com o disposto no artº 66 CC e as normas em que os direitos dos nascituros são considerados pela lei", 2.ª) - Inconformada com tal decisão, interpôs a ora recorrente apelação da mesma, que veio a ser decidida por Acórdão desta Relação prolactado nos autos em 21/06/2004, o qual, após notificação às partes, não foi objecto de recurso. tendo por isso, transitado em julgado, o qual julgou o recurso da apelante procedente e decidiu de forma absolutamente inequívoca que "os nascituros têm direito a ser indemnizados por danos não patrimoniais próprios, de acordo com o estatuído no art.º .496º, nº 2, do CC, verificado que seia o nascimento, completo e com vida, dos mesmos (artº 66º, do CC)".
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) "- Ora, o Tribunal recorrido pronunciou-se novamente sobre a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais próprios sofridos pela A., nascitura por morte do seu progenitor, rejeitando de novo, no plano geral do direito civil, o reconhecimento do direito dos nascituros à indemnização dos seus próprios danos não patrimoniais emergentes da morte do progenitor.
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) - Ocorreu efectivamente violação de caso julgado, pois que tendo já a Relação nestes autos emitido pronúncia quanto à ressarcibilidade de tais danos peticionados pela A.. estava o Tribunal "a quo" condicionado por tal pronúncia, estando-lhe vedado aferir e coligir de novo os mesmos ou outros argumentos jurídicos para manter a decisão anterior já revogada nos autos por Tribunal superior.
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) - O Tribunal "a quo" estava pois, impedido de se pronunciar de novo no sentido, já frontalmente contrariado pela Relação, de que "o nascituro por falta de lei que lhe conceda o direito, não tem direito à indemnização por danos morais próprios emergentes da morte do progenitor, tendo apenas direito a suceder (que a lei lhe concede expressamente) ao seu pai e a receber as indemnizações por danos não patrimoniais que se radicaram no património daquele por causa da morte" (tese defendida na Sentença.
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) .- Deve entender-se isso sim, que o aludido Acórdão da Relação tem força obrigatória dentro do processo por forma a evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir a decisão por aquele pronunciada quanto à questão do reconhecimento legal do direito da A. enquanto nascitura, à indemnização dos danos morais próprios emergentes da morte do deu progenitor - cfr. artigos 671". Nº 1 e 497º, nº 2, do C.P.C..
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) - Não se tendo pelo contrário, conformado com o aresto desta Relação quanto à ressarcibilidade dos danos morais próprios da A.. nascitura, decorrentes da morte do seu progenitor, a decisão, aliás douta, ora recorrida violou caso julgado e conheceu por isso, de questão de que não podia tomar conhecimento, sendo por isso, nula, a sentença impugnada - efr. Artº 668, nº 1, alínea d) do C.P.C..
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) - Sem prejuízo e ainda que assim se não entenda, deve considerar-se que, ocorrendo o nascimento completo e com vida, o nascituro passa a ter personalidade jurídica e o direito a ter um pai que o acarinhe, que lhe dedique o desvelo e o amor paternais, que o aconselhe e lhe influencie a personalidade, que o eduque, que seja seu companheiro, pelo menos até à maioridade, e as mais das vezes, pela vida fora.
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) - A perda do pai não pode deixar de ser considerada um dano, uma ofensa ao normal desenvolvimento da personalidade do menor, e portanto, uma ofensa à sua saúde, pois que "o nascimento da criança já sem pai, traduz-se numa perda irremediável, sempre presente pela vida fora, sobretudo na fase da formação da personalidade e nos momentos de comparação com outras crianças da mesma idade", uma vez que "o menor ficou privado do amparo moral e protecção, orientação e carinho que o pai lhe prodigalizaria até à maioridade e muito em especial enquanto criança e jovem".
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) - Deve ser...
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