Acórdão nº 0530134 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No .....º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão veio "B......... Lda", sociedade comercial com sede na Rua .................., Vila Nova de Famalicão", intentar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra "Banco D................, S.A.", na qualidade de sociedade comercial que sucedeu nos direitos e obrigações do então "E...................., S.A.", com sede na Rua ........, nº...., Porto.

Pede: Q a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de Esc. 4.147.900$00, com juros legais desde as datas dos cheques referidos na petição inicial e até integral pagamento.

Alega: Que se dedica à indústria e confecção de tecidos e malhos têxteis e que no domínio de sua actividade industrial vendeu a C................. confecções têxteis e que, para pagamento desses fornecimentos, o dito C............. emitiu e entregou-lhe três cheques sacados sobre o Banco Réu, com as características constantes dos documentos de fls. 5 dos autos, no montante global de Esc. 4.147.900$00, os quais, apresentados a pagamento, foram devolvidos por falta de provisão.

Acrescenta que vendeu as mercadorias em causa ao dito C............ convencido de que a conto socado dos cheques estava provisionada para tal pagamento, e com base na confiança e crédito que os pagamentos através de cheque devem ter no giro comercial.

Diz que teve um claro prejuízo económico/financeiro com a devolução dos cheques em causa, por falta de provisão, uma vez que ficou sem as mercadorias que confeccionou e vendeu e sem a contrapartida monetária a que tinha direito.

Defende que os cheques em causa foram fornecidos pela Ré ao sacador em clara violação dos preceitos legais em vigor.

Alega neste sentido que o secador dos cheques é useiro e vezeiro nesta prática de pagar através de cheques que não têm provisão e que, pela sua pratica reiterada, pôs em causa o espírito de confiança que deve presidir à circulação dos cheques ao sacar ou emitir cheques sobre a conta bancaria que não apresentava provisão suficiente, e não procedeu à sua regularização nos 10 dias seguintes à devolução dos mesmos pelo Banco Réu.

Acrescenta que o secador dos cheques, quer antes quer depois dos cheques dos autos, era (e é ) praticante habitual de emissão de cheques sem cobertura, não só no Banco Réu, como em outros Bancos.

Afirma que o Banco Réu não rescindiu atempadamente a convenção do uso de cheque com o aludido secador e que lhe continuou a fornecer cheques, bem assim que não se preocupou, nem diligenciou, junto do Banco de Portugal, em saber se o socador fazia ou não porte da listagem dos utilizadores de cheques que oferecem risco, não curando, ainda, de saber se o socador dos cheques em causa havia sido interdito do uso de cheques por sentença judicial.

Mais alega que, em deito muito anterior à do celebração dos negócios acima descritos, o Banco Réu e o secador C.......... celebraram um contrato de depósito e uma convenção de uso de cheque, ao obrigo dos quais o sacador podia levantar, por si ou por outrem, através do emissão de cheques, depósitos de dinheiro, que previamente depositasse naquela conta bancário.

Mais defende que os factos descritos se traduzem em ilícitos extra-contratuais, constituindo-se o Banco Réu no obrigação de pagar os cheques em causa, com juros legais.

Juntou 3 documentos e procuração forense.

Citada regularmente, a Ré veio contestar, excepcionando que o direito invocado pela Autora se encontra prescrito e impugnando a demais matéria vertida na petição inicial.

Conclui pedindo que se julgue procedente a excepção de prescrição. E, subsidiariamente, que se julgue a presente acção não provada e improcedente, com a sua absolvição do pedido. 1 Pede ainda a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

A Autora veio replicar, por forma a impugnar a matéria de excepção invocada na contestação.

Afirma - com particular relevo - que, para a responsabilidade especial e específica invocada, o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário constante do art. 309º do Cód. Civil.

Pede que seja indeferida a excepção invocada e conclui como na petição inicial.

A fls. 37 dos autos, a Autora veio reduzir o seu pedido no que respeita ao cheque no valor de Esc. 500.000$00 - incidente que foi deferido.

Proferiu-se despacho saneador em que - entre o mais - se relegou para a decisão final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição.

Elaborou-se a Especificação e a Base Instrutória, as quais foram objecto de uma reclamação, parcialmente atendida.

Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.

No decurso do audiência, a Autora veio reduzir o seu pedido no que respeita ao cheque no valor de Esc. 3.000.000$00 - incidente que foi deferido (fls. 189, com prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de condenação formulado relativamente à quantia inserta no cheque que constitui doc. 1 da p.i., no correspondente valor de esc. 647.900$00).

Respondeu-se à matéria de factos constante do Base Instrutória pela forma e com a fundamentação constante de fls. 209 e ss. dos autos, sem que houvesse qualquer reclamação.

Foi, finalmente, proferida sentença, na qual foi julgada improcedente a invocada excepção de prescrição, bem assim se julgando improcedente, por não provada, a acção, com a consequente absolvição da ré do pedido.

Inconformada com o assim sentenciado, veio a Autora interpor recurso de apelação, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES: "A. Ao não juntar os documentos que tem na sua posse, mas que diz não ter e que a A. juntou, o Banco R. culposamente tomou impossível a prova do direito que à A. cabe fazer na lide, dando assim lugar à inversão do ónus da prova- artº 344º-2 CC, como aliás reconheceu o Ac. do STJ que a seguir se refere. O Banco R, com um tal comportamento culposo de ocultação e não junção aos autos de documentos que existem, relativos ao cadastro interno da Sacador, não colaborou com a Justiça.

  1. Mesmo assim a A. fez tal prova, através dos Docs. a fls. 78 a 142, não impugnados pelo Banco R.

  2. Uma correcta e melhor interpretação Doutrinal e Jurisprudencial do artº 458 do CC. permite concluir "in casu", que o A. beneficia de uma presunção legal do reconhecimento de uma dívida, por parte do Sacador dos Cheques dos Autos, titulada pelos cheques que estão na sua posse.

    D). Presunção que também é extensiva ao Banco R., pois nada na Lei, e designadamente no Instituto das Presunções Legais do CC o impede ou limita, E. Que em nada ficou inibido, de fazer a contra prova, de que tal dívida fora paga pelo Sacador, face à inversão do ónus da prova consagrada no artº 458-1 "in fíne" do CC.

  3. O que permite corresponsabilizar o Banco R. pelo pagamento dos Cheques dos Autos, nos termos do artº 9º do DL 454/91 de 28/12.

  4. Aliás, vontade expressa do Legislador do DL. 454/91 (Vide respectivo preâmbulo).

  5. O Cheque junto aos autos e em causa, na posse do A., titulam em si mesmo uma dívida, um dano, que não é mais que o verdadeiro prejuízo que o A. teve, pelo não pagamento dos mesmos.

    I. O nexo causal de causa e efeito é patente, entre a divida não paga e os produtos vendidos.

  6. Prova-se documentalmente dos autos que o sacador é um Cliente de muito risco, com 132 cheques devolvidos por falta de provisão no montante de 65.826.653$40 (?!...), dos quais 75 estão nos autos, e que o Banco R. não cumpriu com as suas obrigações decorrentes do DL 454/9 1.

  7. Mesmo assim, os cheques de fls. 5 e 11 provam que o Banco R. mantinha duas contas paralelas - a nº 000089000...(em Santo Tirso e a nº 000045800...(em VNF) com tal Cliente de alto risco.

    L. Prova-se assim dos Autos que o Banco R. actuou ilícita e ilegalmente, ao não rescindir atempadamente e no prazo legal (a partir de Fev. 93 - fls. 113 a 142), a convenção do cheque com o sacador, Cliente de risco patente conforme comprovam os muitos documentos juntos ao processo.

  8. O cheque, dos autos é de Agosto/93.

  9. Procedeu também ilicitamente ao não promover atempada e no prazo legal, junto do Banco de Portugal a sua inibição do uso do cheque.

    1. Os cheques dos autos fazem parte dos módulos dos cheques fornecidos pelo Banco R. ao sacador, e foram emitidos no mesmo período dos cheques que serviram de fundamento para condenação do banco R. a que se refere o Ac. do STJ de 8.1.2001.

  10. Com tal atitude ilícita, ilegal, e que gerou danos à A., o Banco R. tornou-se co-responsável pelo pagamento dos cheques dos autos, nos termos do DL 454/91 de 28/12.

  11. Face a todos estes factos e documentos constantes dos autos, não se compreende como o Tribunal "a quo" respondeu ao Quesito 2º- Não provado.

  12. Face a todos os factos acima alegados e documentos juntos aos autos, ao instituto da Inversão do ónus da prova, a resposta a tal quesito deve ser modificada e só pode ser - O Banco R. nunca promoveu a inclusão do sacador dos Cheques na listagem dos utilizadores que oferecem risco, junto do Banco de Portugal, mesmo sabendo que este emitia habitualmente cheques sem provisão.

  13. Aliás parece que existe contradição entre a resposta negativa ao Q.2º e a resposta positiva ao Q3 e 4.

    Revogando em conformidade o a sentença "a quo" será feita melhor JUSTIÇA" Contra-alegou o réu/apelado, sustentando a manutenção do decidido.

    Foram colhidos os vistos.

    Cumpre apreciar e decidir, já que nada obsta à apreciação do mérito da apelação.

    II. FUNDAMENTAÇÃO.

    II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: --O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); -- Nos recursos se apreciam questões e não razões; -- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a resolver são as seguintes: - Se a resposta ao quesito 2º deve...

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