Acórdão nº 0533150 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTELES DE MENEZES
Data da Resolução09 de Junho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B.........., Lda lançou mão de providência cautelar não especificada contra: 1.º. Banco X.........., S.A.; 2.º. C.........., com sede em .........., Paquistão, pedindo que, sem prévia audiência dos requeridos e após produção da prova apresentada, se notifique o 1.º requerido impreterivelmente até ao dia 29.7.2004 para se abster de proceder ao pagamento da quantia de $USD 37.645,17, garantida por crédito documentário aberto pela requerente junto dele, como garantia de pagamento de uma encomenda de fio têxtil.

Alegou, resumidamente, que adquiriu ao 2.º requerido fio têxtil, pelo valor que indicou, tendo sido convencionado entre ambos que o pagamento seria feito através da abertura de crédito documentário. Para o efeito, a requerente solicitou a abertura do crédito junto do 1.º requerido, o qual lhe foi concedido. A mercadoria foi-lhe enviada e em 19.4.2004 os documento correspondentes ao crédito documentário foram entregues ao 1.º requerido. Conforme acordado no contrato celebrado com o 2.º requerido, o pagamento seria feito até 30.7.04. O contentor com a mercadoria chegou a Leixões em 8.5.04, tendo seguido logo parte do fio para um cliente da requerente e a outra parte ficando armazenada.

O fio não pode ser utilizado na indústria de confecções ou em qualquer outro fim, por apresentar defeitos, provocando ‘barramento' na malha, fazendo-lhe riscos, o que foi detectado logo após o fabrico da malha pela cliente da requerente, que denunciou de imediato o defeito à requerente, tendo-lhe enviado uma nota de débito, por o fio ter tornado inutilizável a malha.

A requerente, face ao defeito do fio, encontra-se impossibilitada de cumprir os compromissos com os seus clientes, o que lhe causa prejuízos, porquanto os mesmos não aceitam o fio que encomendaram, que não tem qualquer utilização, nem a malha poderá ser utilizada na confecção de vestuário.

A requerente logo após o cliente ter denunciado o defeito, comunicou-o ao 2.º requerido através da sociedade que foi agente intermediária do contrato, a qual enviou faxes e e-mails que não obtiveram resposta, tendo-lhe ainda enviado amostras com a malha ‘barrada'.

Se o pagamento for feito, a requerente não terá condições de ser ressarcida dos seus prejuízos, nem de obter uma indemnização, porque o fornecedor tem sede no Paquistão e não responde aos protestos apresentados, correndo elevado risco de nunca mais conseguir recuperar o montante do crédito documentário.

II.

Após inquirição das testemunhas, com base nos respectivos depoimentos e nos documentos juntos aos autos pela requerente, foi proferida decisão deferindo a concessão da providência e ordenando-se a notificação do 1.º requerido até 27.7.2004, para que o mesmo se abstivesse de proceder ao pagamento da quantia de $USD 37.645,17 garantida pelo crédito documentário aberto pela requerente junto dele.

III.

Notificado, o 1.º requerente agravou do despacho e pediu a fixação do efeito suspensivo ao recurso.

No entanto, o agravo foi admitido para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

IV.

Conclusões do agravo: 1.ª. O crédito documentário analisa-se numa obrigação assumida por um banco a solicitação de um cliente, de efectuar um pagamento de determinada quantia em dinheiro a uma pessoa, previamente designada, credora do cliente do banco, desde que lhe sejam apresentados documentos nos termos previamente estabelecidos (art. 6.º da RUU, CCI 500).

  1. Quando um banco emitente autoriza ou pede a outro banco para confirmar o seu crédito irrevogável e este último junta a sua confirmação, esta constitui para o banco que confirma e desde que os documentos sejam apresentados, um compromisso firme a juntar ao do banco emitente.

  2. O banco emitente, primeiro, e o banco confirmador, depois, assumem as respectivas obrigações de pagamento perante o ordenador no âmbito de uma relação de mandato, conforme se encontra definido no art. 1157.º do CC.

  3. Nascido embora de uma relação comercial subjacente, o crédito documentário irrevogável, uma vez comunicada a sua abertura, constitui o banco emitente na obrigação autónoma de pagar ao beneficiário o respectivo montante, independentemente das vicissitudes daquela relação subjacente.

  4. Por virtude da natureza cartular do crédito documentário irrevogável, o banco adquire a condição de devedor do respectivo beneficiário por título diverso da relação subjacente.

  5. Sendo o banco devedor perante o beneficiário por título diverso da relação subjacente, o crédito documentário é autónomo do crédito emergente dessa relação e não pode automaticamente ter-se por desobrigado o banco emitente, em virtude da sua posição de sujeito passivo quanto ao beneficiário.

  6. Distinguindo-se substancialmente o crédito da relação subjacente do crédito documentário, a providência só poderia ser decretada se o pedido formulado o tivesse a ele próprio por objecto, mesmo tendo por objecto simultaneamente o crédito da relação subjacente.

  7. A decisão proferida não fez correcta interpretação e aplicação das disposições legais e convencionais aplicáveis, havendo por isso violação do disposto nos art.s 1157.º do CC, 3.º, 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 16.º e 20.º-a) das RUU, 363.º do CCom. e ainda 405.º do CPC, invocando-se este último com o intuito de, por prudência, evitar que o recorrente venha a constituir-se em responsabilidade perante o beneficiário, embora tendo na sua base uma decisão judicial.

Pede se revogue o despacho em crise e se determine o levantamento do procedimento cautelar decretado.

Não foi oferecida resposta.

A Sr.ª Juíza sustentou o despacho.

V.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos considerados provados no despacho: 1.º. A requerente dedica-se ao comércio de fios têxteis.

  1. No exercício dessa actividade a requerente adquiriu à 2.ª requerida, que igualmente se dedica ao comércio de fios têxteis, 16.511,04 kg, enviados em contentor, com 364 caixas de cartão, conforme doc.s de fls. 5 a 9, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

  2. Pelo valor global de $USD 37.645,17.

  3. Convencionaram as partes - requerente e segunda requerida - que o pagamento seria feito através da abertura...

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