Acórdão nº 0535604 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B….., L.dª, com sede na ….., nº …, ..º, d.tº, Porto e C….., L.dª, com sede na Rua …., nº …, …. esqª, Porto, interpuseram o presente recurso de agravo da decisão de 7 de Abril de 2005, que ordenou o desentranhamento da réplica de fls. 418 e segs. dos autos e absolveu os RR da instância, por considerar que a matéria em discussão no presente processo "é da exclusiva competência dos Tribunais Administrativos", proferida nos autos de acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária por elas intentada contra o Estado Português, o Município do Porto e a D…., S.A., esta com sede na Rua …., E…, F….., Porto por considerarem o Tribunal recorrido competente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos que formularam na acção, e manifestamente admissível a réplica, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª. O art. 502º do CPC prevê claramente a admissibilidade da réplica para responder a excepções e a questões novas, bem como para contestar o pedido reconvencional - cfr. texto nºs. 1 e 2; 2ª. O articulado apresentado pelas AA, em 2004.12.16 respeita apenas à contestação do R. Estado Português, na qual não foi deduzido pedido reconvencional, pelo que este articulado tinha que ser apresentado no prazo de 15 dias (v. art. 502º/3 do CPC) - cfr. texto nºs. 2 e 3; 3ª. O articulado apresentado pelas AA, em 2005.01.14, respeita apenas à contestação dos RR Município do Porto e D….., SA., na qual foram invocadas questões e excepções diversas das que constam da contestação do R. Estado Português, tendo sido ainda deduzido pedido reconvencional, pelo que o articulado das AA poderia ser apresentado no prazo de 30 dias (v. art. 502º/3 do CPC) - cfr. texto nºs. 2 e 3; 4ª. Os articulados apresentados pelas AA constituem substancialmente uma única réplica, formalizada em duas peças diferentes, para permitir o respectivo confronto com cada uma das contestações apresentadas e assegurar o exercício do contraditório (v. art. 3º do CPC) - cfr. texto nºs. 2 e 3; 5ª. O articulado apresentado pelas AA, em 2005.01.14, é assim claramente admissível, pelo que nunca poderia ser considerado nulo e desentranhado, tendo a douta sentença recorrida violado frontalmente os arts. 3º, 201º e 502º do CPC - cfr. texto nºs. 2 e 3; 6ª. Na apreciação da questão da determinação do tribunal competente em razão de matéria para a apreciação do presente processo deverá atender-se, em primeira linha, aos termos do pedido e causa de pedir formulados na petição inicial (v. art. 66º do CPC) - cfr. texto nºs. 4 e 5; 7ª. Na presente acção, as AA e ora recorrentes invocam e pretendem ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre parcelas de terreno ocupadas pelos RR, sem qualquer título, bem como ser ressarcidas pelos prejuízos resultantes da ocupação ilícita dos seus terrenos (v. arts. 501º e 1304º a 1310º do C. Civil; cfr. art. 62º da CRP), não tendo invocado a existência de qualquer relação jurídico-administrativa (v. art. 212º/3 da CRP) ou a aplicação de normas materialmente administrativas - cfr. texto nº. 6; 8ª. A circunstância de a lesão dos direitos privados das ora recorrentes ter sido provocada pela actuação dos RR - Estado Português, Município do Porto e D…., SA, que são pessoas colectivas públicas -, não determina por si só a incompetência dos tribunais comuns, pois os tribunais administrativos não dispõem de competências jurisdicionais para dirimir questões de direito privado, não estando em causa, no caso em análise, a violação de normas materialmente administrativas (v. art. 212º da CRP e art. 4º do ETAF) - cfr. texto nº. 7; 9ª. A tutela jurisdicional da ofensa de direitos reais de natureza privada, como é o caso do direito de propriedade das ora recorrentes (v. art. 62º da CRP e art. 1305º do C. Civil), sem que tenha sido imputada qualquer violação de normas materialmente administrativas, não integra a resolução de qualquer litígio emergente de relação jurídico-administrativa (v. art. 212º/3 da CRP; cfr. art. 4º do ETAF), mas simples questão de direito privado - cfr. texto nº. 8; 10ª.Não existe qualquer norma de direito público ou materialmente administrativo que, independentemente de prévio acto expropriativo (v. art. 62º da CRP; cfr. arts. 1º e segs. do CE 91 e do CE 99), atribua poderes de autoridade a entidades públicas ou privadas para invadirem e ocuparem terrenos privados - sem qualquer autorização ou pagamento de indemnização - e neles proceder à realização de obras de construção de um edifício, de um viaduto e respectivos acessos, pelo que no caso sub judice não está em causa qualquer acto de gestão pública (v. art. 212º/3 da CRP) - cfr. texto nºs. 9 a 10; 11ª.Os Tribunais Comuns são competentes para apreciar e decidir a presente acção, tendo a douta sentença recorrida violado frontalmente os arts. 66º, 73º e 96º do CPC, o art. 4º do ETAF e o art. 262º da CRP - cfr. texto nºs. 4 a 11.

Concluiu considerando que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

Foram apresentadas contra-alegações pelas entidades recorridas onde o Magistrado do Ministério Público defende a manutenção da decisão recorrida e as demais recorridas entendem que a mesma se pode manter quanto à decisão sobre a competência do Tribunal, não tendo sido interposto recurso do despacho que mandou desentranhar a réplica.

Duas questões foram colocadas como objecto do recurso: 1- Admissibilidade da Réplica 2- Competência material do Tribunal Cível para conhecer da acção.

Por a segunda questão enunciada poder vir a tornar inútil a decisão que haja de se proferir quando à primeira, passaremos a conhecer da questão da competência do Tribunal comum ou do Tribunal Administrativo para a presente acção.

A competência judiciária em razão da matéria é de ordem pública, e, só pode decorrer da lei, tendo sido estabelecida em função da natureza da matéria sub judice e atribuída ao tribunal que estiver mais vocacionado para dela conhecer, com vista à melhor prestação da qualidade da justiça. Reveste-se, tal definição de um interesse público fundamental, pelo que a preterição das regras que a determinam, nos termos do disposto no artigo 101.º do Código de Processo Civil é sancionada com a incompetência absoluta do tribunal.

A organização judiciária portuguesa, na sua visão constitucional, artº 211º, integra, fundamentalmente, três categorias de tribunais: - Constitucional, - Tribunais Comuns, - Tribunais Administrativos e Fiscais.

A Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, Revista pelas Leis Constitucionais n.ºs 1/82, de 30 de Setembro, 1/89, de 8 de Julho, 1/92, de 25 de Novembro, 1/97, de 20 de Setembro e 1/2001, de 12 de Dezembro estabelece no seu CAPÍTULO II, sob a epígrafe Organização dos tribunais, o seguinte: Artigo 209.º (Categorias de tribunais) 1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; c) O Tribunal de Contas.

  1. Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.

  2. A lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos.

  3. Sem prejuízo do disposto quanto aos tribunais militares, é proibida a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes.

    Artigo 210.º (Supremo Tribunal de Justiça e instâncias) 1. O Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional.

  4. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça é eleito pelos respectivos juízes.

  5. Os tribunais de primeira instância são, em regra, os tribunais de comarca, aos quais se equiparam os referidos no n.º 2 do artigo seguinte.

  6. Os tribunais de segunda instância são, em regra, os tribunais da Relação.

  7. O Supremo Tribunal de Justiça funcionará como tribunal de instância nos casos que a lei determinar.

    Artigo 211.º (Competência e especialização dos tribunais judiciais) 1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

  8. Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.

  9. Da composição dos tribunais de qualquer instância que julguem crimes de natureza estritamente militar fazem parte um ou...

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